Vive la France

Foto: Robert Doisneau
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A França é surpreendente. Leio no blog da Maria do Rosário que, em meio a crescente onda de expansão dos saites de venda de livros, que monopolizam o mercado e soterram as pequenas livrarias, a França cria uma série de medidas para defender as livrarias tradicionais. A Câmara de Paris não quer de modo algum o fim do comércio tradicional e por essa razão está atenta aos livreiros que precisam de ajuda para se manterem vivos. Algumas das medidas já adotadas foram: isenção de impostos e subsídio para atividades de promoção de livros nesses pequenos comércios. A população também se moveu. Uma empresa semipública comprou por toda a cidade espaços livres ou abandonados em ruas de comércio e aluga-os por renda baixa, a cerca de metade do preço de mercado, para livreiros se instalarem. Conscientes da importância das livrarias tradicionais os editores se reuniram e criaram um fundo que permite a novos livreiros começarem a atividade sem pagarem nada antes de dois anos. Por sua vez os livreiros criaram um saite coletivo que difundem agenda de ações e sugerem aos leitores livrarias, onde possam encontrar o livro desejado. Não direi nada sobre as políticas de promoção dos pequenos livreiros no nosso país, não tenho informação sobre a existência ou não dessas políticas. Mas posso afirmar que, se existem, não estão funcionando. Quando vivi em São Paulo costumava visitar os sebos na região do Centro da cidade. Por anos vi esses comércios desaparecerem. Assediados pelo mercado imobiliário e fragilizados pela concorrência desleal com as gigantes do comércio on-line os sebos da região central de São Paulo cederam espaços às garagens ou às lojas de xingui lingui chinesas, que se proliferam pelo centro como cancro num corpo furibundo. Penso que ter onde deixar o carro, quando se vai à um lugar é importante. Mas não mais importante do que incentivar a permanência do comercio tradicional de livros, que tanto podem fazer para expandir o conhecimento e criar uma cultura de valorização de espaços sociais, onde se possa viver a vida em comunidade. A virtualidade mata. 

Doce ilusão

Foto: Vivian Maier, New York, 1954. 
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Chega aquela hora do dia em que você se encontra finalmente em casa. Depois de cumprida a labuta diária, que lhe impedirá os vexames de ter à porta, credores lembrando-o dos compromissos firmados e não horados, está na hora de se entregar alegremente àquele prazer que lhe reconstitui as forças. Antes, uma passada pela cozinha, porque lá em casa ainda não conhecemos máquinas capazes de limpar sozinha as loiças empilhada na pia. Vencido mais essa tarefa, que nos exila dos contentamentos mais chãs, finalmente podemos estar onde mais desejamos. Na cama, a dormir e a sonhar que somos uma criança, a porta da uma delicatessen, esperando a guloseima tão desejada nas mãos.

Num ritmo sereno

Foto: Rogério Soares, 
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Adoro fotografias. Isso aqui todos já sabem. Por mim passava os dias olhando os flagrantes de imagens que os fotógrafos vão colhendo pelo mundo. Não importa o tema. Fotografia de moda, fotografia artística, fotografia de paisagens, fotografia de rua, fotomontagem, lugares distantes ou meros registros cotidianos. Não são os temas o que me cativam, mas o quanto num instante, o fotógrafo consegue deter de transcendente num registro banal. Um bom fotógrafo é capaz de num ensaio de moda atrair para o centro de gravidade do olho, não apenas o fetiche da roupa, mas além dela, fazer o expectador dar uma volta ao entendimento e chegar a lugares impensáveis num primeiro momento, só por estar contemplando uma foto. Naturalmente com a apreciação e a reverência pela arte, vem o desejo de também fazer fotografia. Por isso, desde que comprei uma câmera ando as voltas comigo mesmo tentando apurar o olhar e fazer imagens que também façam quem as aprecie achar algo a mais nelas do que o mero registro banal do real. Livrar-se das velhas formas de ver o mundo é um bom começo para se preparar para a fotografia. Mas não é fácil desacostumar os olhos. Os condicionamentos também atingem a vista como atingem e moldam o andar, o sorrir, o gesticular, etc.. É preciso portanto, desacostumar o olho e imprimir ao ato de mirar as coisas um desvio que desarticule o estabelecido. Um bom exercício para alcançar isso, na ausência de um melhor método, tem sido demorar os olhos sobre os objetos. Contemplar, contemplar, contemplar sem pressa. Pousar a vista sobre uma paisagem, grupos de pessoas, coisas e encará-las por horas, esperando que em algum momento elas revelem ao olho algo que o ritmo apressado não deixou apreender. O resultado tem sido uma insuspeitada expansão do horizonte, que se não tem escancarado as portas da percepção, vem servindo ao menos para divorciar-me da realidade apressada. A melhor imagem, tenho vindo a aprender, é aquela apreendida num ritmo mais compassado e sereno. 


Plágio criativo ou de como dá vida nova à coisas pretéritas.

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NOTAS AVULSAS.

Numa música antiga do Caetano Veloso tem um pedaço assim: “Navegar é preciso. Viver não é preciso”.

Todos adoravam. Era um refrão. E não era dele.

Ele teve várias chances de esclarecer a autoria, mas não se manifestou. Deveria. Era a parte mais bonita da letra, e canto não tem aspas.

Mais tarde um intelectual informou ao País: o verdadeiro autor era Fernando Pessoa.

Intelectual meia-boca: a frase é do general Pompeu, inimigo de Júlio Cézar. Foi dita numa carta, em 70 A.C.

Por muito tempo eu não entendia esse pedaço: “Navegar é preciso. Viver não é preciso”.
Como assim, “Viver não é preciso?"

Só depois dos 30 entendi. Li em algum lugar: o “preciso” tinha o sentido de “exatidão”.

Os navegadores, já naquele tempo, tinham meios de orientação. Sempre sabia onde estavam.

"Navegar é exato. Viver não é exato". É isso aí.


(Carlos Antônio Jordão - 03 - 10 - 2015)

Há dias li estas notas e desde então venho pensando no plágio como uma ferramenta criativa. A culpa dessa inquietação também se deve a uma conversa com Iamara Junqueira. A tomada de empréstimo de ideias alheias Iamara, não pode está reduzida aos sentidos baratos que lhe atribuímos. Estou certo que uma apropriação indevida pode maquiar uma deficiência, daquele que se vale do outro, como uma muleta às suas limitações. Porém, há mais possibilidades nas apropriações, como sugere o texto do Carlos Antonio Jordão. Um bom exemplo dessas apropriações que renovam o estilo e arejam as artes, podemos apanhar em Picasso, que expressou em uma frase o estilo que o notabilizou: "Bons artistas copiam, grandes artistas roubam”.

Minha viagem a Salvador foi assim

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De Salvador trouxe outros tesouros. Lá descobri que a trilogia AS MAIS BELAS HISTÓRIAS DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA, editada pela Paz & Terra, ganhou nova edição. Eu tenho o volume dois da edição anterior. Adquiri agora o volume um. Tem sido nesses dias a minha leitura de cabeceira. Hoje li as aventuras vividas pelo semideus Héracles, mais conhecido por nós pelo nome latino de Hércules.

No passado as aventuras desse herói davam grandes lições às crianças. Por elas os miúdos alcançavam o estimulo necessário para vencer os seus desafios, dotavam-se de saberes tradicionais e desassossegavam a imaginação, que a partir de então não lhes deixava jamais.

Hoje, mesmerizadas pelos médias, elas se ocupam em sonhar com uma viagem a Disney e desconhecem aquilo que podem contribuir para que cresçam saudavelmente. Pais, acordem. Escolas, vamos ler para as crianças livros que emancipem.


Nunca foi tão fácil ser feliz... nunca foi tão difícil ser feliz.

Foto: Alberto Korda, La niña de la muñeca de palo. 1959.
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Acreditando que o dinheiro, redime a meia-vida de frustrações que levaram, os pais de uma nova geração de jovens, dão às crianças de hoje, uma vida desafogada. Proporcionam-lhes mimos, impensáveis, há bem pouco tempo: viagens, carros, celulares caros, roupas de grife, festas e se silenciam quando eles elevam a voz ou se deslumbram feito marionetes pelos artificialismos da indústria cultural. Tanta mordomia, no entanto, parece não ter baldado os sentimentos de incompletude da juventude, que assim como a geração de seus pais sentem um vazio na existência. Parece, portanto, que a felicidade não pode ser reduzida apenas a uma questão econômica. Ela se insere, em outras ordens de valores, bem menos perecível, que os condescendentes regalos paternos supõem.


A política sem pudor

Foto: Elliot Erwitt
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Quantos males mais teremos que suportar dos políticos atuais, até reconhecermos que eles não são dignos da posição que ocupam? Nos últimos meses governo e oposição, protagonizam lições de imoralidade e desprezo ao bom senso do eleitor, fazendo da política, um lugar asqueroso, que só nos reforçam os sentimentos de inutilidade que temos dela. Entrincheirados em suas táticas maquiavélicas, eles não nos deixam sonhar, por um instante se quer, com uma política nova, desprendida e digna do povo. A única lição que eles nos dão, todos os dias, é de que em política, consoante a posição que se encontram, os homens públicos falam sabendo que se estivessem na posição contrária, e perante a mesmíssima realidade, diriam exatamente o inverso do que pensa o seu adversário. Exemplos vários demonstram essa prática atualmente. Assim eles fazem parecer que a política é um negócio sujo e ordinário, onde as casualidades servem as conveniências do momento. Despem-se sem pudor das convicções pessoais que, os levaram à política, e transformam os brados nos palanques, em efeitos retóricos, que se esfumam no ar, logo após terem saltados das ruas para os gabinetes.


Aprender fotografia com a Bíblia

Foto: Stanley Kubrick
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"Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz; se os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso". Mt. 6.22-23.

Como todos sabem Mateus, discípulo de Jesus, não conheceu a fotografia. Mas ao lê-lo tem-se a impressão de que ele intuía que o olhar, acabaria por se tornar maior quando apanhado com atenção. Atenção que é o princípio básico no ofício de todo grande fotógrafo.