CITAÇÃO 5

"Os homens são como ondas: quando uma geração floresce, a outra declina."

Homero

Novidade à vista


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As incontáveis, e sempre bem vindas, antologias de João Cabral de Melo Neto trazem sempre fôlego novo à sua poesia, na medida em que atualiza às novas gerações a obra desse incontestável gênio das nossas letras.

A mais recente, destinada aos jovens estudantes, tem seleção de Regina Zilberman. João Cabral de Melo Neto Poemas para Ler na Escola, editado pela Objetiva, destaca poemas menos conhecido do repertório poético do autor de Morte e Vida Severina.

Essa é a segunda antologia em pouco menos de três anos que a editora Objetiva fez da poética do escritor Severino. A primeira, um primor de livro, saiu em 2007 pelo selo Alfaguara, e trazia poemas de cunho autobiográfico, recheado de fotografias do escritor na intimidade do lar. Um saboroso petisco para os admiradores da vida e da obra desse grande poeta.

A julgar pela disposição da editora, não será nem um pouco arriscado prevê para daqui a mais dois anos uma terceira ou quarta repaginação das sempre inquietantes vozes que ecoam das páginas dos livros do maior poeta da literatura brasileira. Oxalá se repita esse projeto revitalizador. As próximas gerações de leitores agradecem.

Enredo rodriguiano: o espetáculo impecável de Bruno

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O texto a seguir saiu hoje no Cinform de Aracajú, foi escrito por Téo Júnior* e reproduzido aqui com a devida vênia. Desde já eu agradeço ao Téo pela colaboração.


É de amargar a boca os meandros da tragédia protagonizada por Bruno Fernandes – na realidade um animal da pior espécie – que atuava no Flamengo (acaba de ser demitido), era influente, rico e possuía, até o mês passado, expectativas de jogar na Europa, de quintuplicar seu salário e de atuar na próxima Copa. Impressiona-nos que o mundo deste rapaz tenha caído quando ele conta 25 anos apenas, sem que houvesse tempo hábil para sua carreira deslanchar. Foi como um grande castelo de cartas, que ao menor sopro vem abaixo, em fração de segundo. No presente momento, Bruno – coitado! – desempregado, preso e repudiado pelo país, conhece a antessala do inferno.

É aquele velho clichê do pobrezinho favelado que fica rico de uma hora para outra. Esses indivíduos, uma vez reconhecidos e admirados, não raro revelam-se portar um desequilíbrio emocional bastante elevado, procurando compensar – ainda que inconscientemente – antigas frustrações e privações, comportando-se de modo infantil e disparatado. Adquirem amiúde uma personalidade narcísica e agem sem pesar causas e consequências, julgando-se invencíveis. Às vezes, o desfecho é fatal.


LISTAGEM DE HORRORES


Tudo bem que Eliza Samúdio não fosse nenhuma flor que se cheirasse, tendo inclusive participado de filmes do mais baixo nível – mas a maneira com que foi assassinada não tem paralelo com nenhuma outra que eu conheça. Fora asfixiada por braços fortes, sem capacidade para defender-se; subjugada por mais de um homem, justamente para não haver chance de sobrevivência. Se não bastasse, seu cadáver fora devorado por cães já treinados para fazer misérias. Como salientou o velho Tirésias em “Antígona”, “não há vantagem alguma em alguém morrer duas vezes”. Nesse desdobro, vem à luz o abandono de Elisa, na infância, pela mãe; a reputação do pai (acusado de pedofilia); a do irmão de Bruno (estuprador, preso); a esposa do jogador (a oficial) também está vendo o sol nascer quadrado há um tempinho. Consta que o pai de Bruno, já falecido, era ladrão. A listagem de horrores dessas duas famílias parece não acabar nunca. E isso tudo nos remete a um grande palco, onde assistimos às piores catástrofes, alimentando em nossa alma a ideia vã de que essas monstruosidades habitam apenas o mundo fictício dos grandes autores, e não a vida real.

Quando Nelson Rodrigues montava suas peças, diziam-se horrores a seu respeito: ele era o “tarado”, o “imoral”, o “pornográfico”. Onde alguns poucos enxergavam nele o gênio inconformado com a condição humana, outros viam o “maluco” que precisava ser ignorado a todo custo, porque ele escrevia sobre pessoas “doentes”, “contaminando”, destarte, as sagradas famílias brasileiras.


ENREDO MACABRO


Pois com todo o talento dramático que possuía, cuja força motriz era sempre a violência, o sexo desenfreado e as paixões avassaladoras, Nelson em quarenta anos de profissão não fora capaz de criar uma história tão fétida como a que estamos assistindo, porque ele devia crer que, por pior que fosse, o homem não chegaria a tais extremos. Ao publicar “Álbum de Família”, em 1945, recebera um tratamento tão agressivo e tão vil como se ele fosse não apenas o doido alegre da casa – mas a própria encarnação do demônio. O texto ficou 22 anos sob censura, devido ao seu conteúdo – sua fama de “anormal” começou ali. Esta peça aborda uma família como qualquer outra – vista a olho nu, todavia se observada com uma lupa, podemos acompanhar sua degradação moral ocorrendo paulatinamente, como se nós, leitores ou expectadores, fôssemos uma criança hipnotizada visualizando um enredo macabro pelo buraco da fechadura: irmãos se amando em desespero, uma mãe enamorada de seu filho, um pai que deseja em segredo a filha etc. Nelson pôs o dedo no delicado tabu do incesto sem se esquecer da selvageria gratuita praticada pelas bestas-feras. Esse material aparentemente tão nocivo à comunidade, que teve a audácia de exibir indivíduos cujos impulsos num primeiro instante permanecem recalcados, para depois se aflorarem de maneira abrupta, é um conto de fadas perto do escândalo que envolve o goleiro Bruno.

A sociedade, sempre se esforçando ao máximo para parecer digna e sadia, não suportou outrora a relevância de uma obra de arte, preferindo fechar os olhos. Hoje, os srs. Bruno Fernandes e “Macarrão”, o coadjuvante, empurram nessa mesma sociedade goela abaixo as entranhas de suas ações inomináveis, e ela é obrigada a enxergá-las, a toda hora – queira ou não queira. Bem feito!

Temos aí um caso impressionante da vida real deixando a ficção comendo poeira. Se fossem atores, e se seus desempenhos fossem projetados no cinema – não duvidem – ambos estariam no mínimo cotados ao Oscar, e fariam a fama e a riqueza de qualquer autor ou diretor que trabalhasse com eles.

Quando eu era criança, ouvia falar que o que distingue o gênio do medíocre é que o gênio está sempre à frente de seu tempo. Trinta anos depois de sua morte, o maldito teatrólogo vinga-se agora. Estejamos certos de que os sábios são realmente eternos. Os personagens Eliza Samúdio, Luiz Samúdio, Bruno Fernandes, Rodrigo Fernandes, “Macarrão”, Marcos “Bola” e Dayanne Souza eram “normais” até outro dia, até que a cortina que lhes protegia se abriu ao grande público e suas máscaras caíram totalmente. Aplausos para Nelson!



[*] Professor do Dep. de Letras da Universidade Federal de Sergipe.
Contato: teocte@hotmail.com



SUGESTÃO DE LEITURA:

Álbum de Família”, tragédia em 3 atos

Autor: Nelson Rodrigues. 107 pgs.

Edit. Nova Fronteira

VIVER É UMA EMPRESA DE RISCO

Ele fez da vida

uma empresa de risco.

Não a entendia

sem o perigo.

Lançou-se à sorte

Como quem mesmo

Despencou do alto

De uma montanha.

Desassombrado

desafiou o medo

Que faz de cada homem

Um ser cativo.

A uma geração, que teme

E empalidece à sombra,

De algum facínora,

Deixou seu testamento,

Onde consta a saga.

MARLYSE MEYER (1924-2010)


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Morreu ontem, segunda-feira (19), aos 86 anos, a professora, crítica e ensaísta literária Marlyse Meyer, de parada cardíaca. Alguns de seus livros abordam os temas da cultura popular como Caminhos do imaginário no Brasil editado pela Edusp. Outros de seus livros saem pela Cia das Letras, que em seu blog presta uma última e merecida homenagem à escritora.

PERGUNTAS INCÔMODAS

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A falta de coragem, esse indistinto traço da natureza humana, nem sempre deixa os homens dizerem o que sentem. Quase sempre, lhes sobra na boca o essencial, visto que omitem seus mais fundos desejos. Outros homens, no entanto, não são tão tolerantes, ao ponto de viverem com suas bocas sempre castradas, dizendo umas e, escondendo outras palavras. Esses, além de dizerem sempre o que vai por suas cabeças, por vezes, também, como quem não quisessem falar sozinhos, lançam perguntas que têm entre outros efeitos, imolar as consciências tranquilas. Por pudor, medo, ignorância, ou mesmo por falsidade não fazemos algumas perguntes que possam incomodar, mas que se fossem feitas corajosamente poderiam mudar o curso das coisas. Essa coragem tem apenas alguns homens, que como os demais, talvez tivessem medo, pudor, mas superaram suas fraquezas rejeitando qualquer conformismo que comprometesse a dignidade humana. Esses são imprescindíveis.

O ORÁCULO DESSA COPA

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Quando entrar em campo no próximo domingo os holandeses terão, mais de um adversário para bater. Eles entram com a árdua tarefa de desmistificar as bruxarias do polvo Paul, que já decidiu, quem levará o inédito troféu de campeão do mundo para casa, serão os espanhóis. Espero que os holandeses não se sintam dispensados por isso em tentarem conquistar o seu primeiro título. Carrasco dos alemães nas semifinais, o polvo Paul, tem sido figurinha em todos os jogos dessa Copa, profetizando os vencedores das partidas de futebol. Até agora ele não errou nenhum palpite, e mesmo vivendo em terras germânicas, ou melhor, águas, ele não se intimidou e, carimbou o passaporte dos comedores de caraca direto para disputa do terceiro lugar, adiando o sonho germânico de se aproximar do Brasil em número de títulos no campeonato mundial. Se fizer valer a sua fama de profeta aquático o polvo antecipa assim a nossa vingança contra a laranja mecânica.

DISCUTÍVEL POLÊMICA

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A edição de julho da revista Playboy Portuguesa, nem bem saiu e já se tornou o centro de acalentadas discussões, que giram em torno da liberdade de expressão e o respeito à fé alheia; equação de difícil equilíbrio no mundo moderno, quase sempre regido por valores movediços.


O motivo da celeuma se deve ao tema da revista desse mês, que traz na capa um Jesus Cristo sentando numa cama amparando nos braços uma mulher, que como é próprio dessas revistas, aparece seminua. Na cabeceira da cama lê-se o título do livro do escritor português José Saramago, O Evangelho Segundo Jesus Cristo.

O alegado motivo da capa, segundo o editor da revista, foi prestar uma “última homenagem” ao escritor morto no último mês de junho em razão de complicações em sua frágil saúde.

Mas se a imagem da capa mexeu com os brios de muita gente, as que surgem no interior da revista esquentam ainda mais a polêmica. Nelas podemos ver, entre outras fotos, Jesus observando duas lésbicas trocando carícias.

A homenagem ao escritor não agradou muita gente, nem mesmo a empresa mãe que anunciou, assim que soube da publicação, seu desacordo com o tema da revista.

Alegando não ter tido conhecimento prévio da polêmica imagem, a vice-presidente da Playboy Entertainmente, Theresa Hennessy disse que se trata de "uma violação chocante das normas" e que "devido a esta e a outras questões com os editores portugueses, estamos prestes a rescindir o acordo". Por essas palavras entende-se que a matriz da revista não concorda com o tema e ameaça com rescisão a edição portuguesa da revista, que atua em Portugal a pouco mais de um ano e meio; a primeira edição saiu em março do ano passado.

Esta lançada à polêmica, com ela semeia-se a discórdia e por fim um produto francamente sofrível como são as revistas que exploram a nudez feminina, dão um salto momentâneo, naquilo que mais lhes interessam, as vendas.

As razões da polêmica são discutíveis. Para muitos elas não passam de uma armação, entre a revista portuguesa e a sede americana que ameaçando fechar a sucursal, incendeia a discussão para impor a repercussão do caso, e assim, promover a revista, que segundo informa a imprensa portuguesa vive momentos de grande dificuldade.

Decididamente José Saramago merecia melhor homenagem. Uma por exemplo, que não tivessem que relacionar o seu desentendimento com os dogmas da Igreja, com fins comerciais de uma revista masculina.



CITAÇÃO 4

"Não é possível conhecer a alma, a índole e as ideias de um homem , antes que ele as manifeste no exercício do poder e na elaboração das leis"

"A esperança do lucro leva, muitas vezes, os homens à perdição"


"Entre os homens, nada há como o dinheiro para gerar maus costumes. Ele devasta as cidades e expulsa os homens de seus lares. Corrompe até o coração dos bons e ensina-lhes práticas torpes. O dinheiro induz os homens ao crime e estilo-lhes na alma toda sorte de impiedades"


"Guarda, pois, de te apegares a um só modo de pensar, crendo que o que dizes, e por seres tu que o dizes, exclui qualquer outra possibilidade de ver e sentir as coisas"


"...feias quedas dão os homens, até os mais astutos, quando, movidos por vis interesses, entrajam com belas palavras os seus pérfidos pensamentos"


"Para os cegos não há outro caminho que o do guia"


Excertos do último livro que li, Antígona. Tradução de Domingos Paschoal Cegalla.

RESSENTIDOS


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Com exceção de alguns intelectuais e religiosos portugueses, a notícia da morte do escritor José Saramago (1922-2010), consternou uma legião de fãs no mundo inteiro.

Notável romancista, José Saramago deixou-nos uma obra maiúscula que, em tudo dignifica a tradição literária portuguesa que nos legou autores como o Pe. Antônio Vieira, Fernando Pessoa, Eça de Queiroz e muitos outros.

Foram mais de dezoito títulos entre romances, contos, teatro, poesia e diário, destacando, quase sempre, a sua indizível insatisfação com a opção do homem contemporâneo em estreitar a sua perspectiva quase ao nível da cegueira absoluta. Entre os seus títulos mais conhecidos estão, Memorial do Convento, Ensaio sobre a Cegueira e o polêmico O Evangelho de Jesus Cristo.

Não faltam nessas obras o traço personalíssimo do gênio, nem as marcas de sua juventude pobre e uma profunda indignação contra a sociedade portuguesa, descrita por ele em correspondência com o amigo José Rodrigues Miguéis, sem piedade nem reserva de qualquer natureza, como tacanha. “Há dias fui ao jantar de entrega do Prêmio Camilo à Isabel da Nóbrega: é de morrer. Tanta impostura, tanta falsidade, tanto esforço para parecer mais inteligente que o vizinho, e sobretudo mais célebre. E tudo isto sob a capa de modéstia jesuítica, uma capa cheia de buracos de orgulho e de inveja. E esta gente é a nata, e esta gente conduz, orienta, dá entrevistas, pontifica, tem opiniões acerca de tudo e de coisa nenhuma”.

Por sua maneira controvertida de contradizer a versão oficial, sublinhada pelo vezo inconformista de quem não nada com a corrente, pelo seu inegável apreço à verdade, que não lhe deixava quieto, quando os outros empregavam eufemismo diante de fatos dolorosos; José Saramago granjeou inúmeros desafetos na sociedade portuguesa.

Tais incomposturas desse autor, diante de uma sociedade cuja elite abdicou há tempos de respeitar e ser respeitada, não foram perdoados, nem mesmo após a sua precoce partida. Sobram, nesses dias em que inúmeros admiradores estão enlutados, incontáveis discursos, seja nos jornais ou na blogosfera, contra sua persona política-literária, contestadíssima.

Periódicos e blogues portugueses reservaram àquele que foi o único autor da língua portuguesa, laureado com a maior distinção da literatura, o Nobel, um diminuto e ridículo espaço, que mal disfarça a indiferença com que Saramago sempre foi tratado em sua terra natal.

Críticas imerecidas preferem destacar, ante a criatividade e a imaginação fértil que celebrizou o autor de Levantado do Chão, a predileção por uma linguagem barroca, bem como a displicência com a pontuação ou a completa indiferença as estruturas convencionais da narrativa, como obstáculo a leitura, esquecendo-se que isso nunca foi empecilho aos números leitores apaixonados, que Saramago conquistou em décadas de ofício literário.

Para o jornal Correio da Manhã, popular jornal de Portugal, a passagem do maior autor contemporâneo da literatura portuguesa não teve a menor importância. Prova disso foi a quase omissão em suas páginas da morte do escritor que, quando apareceu mereceu o mesmo destaque na capa do jornal que um “professor que mostra pênis e dá aulas”. Lamentável. Pior do que isso, somente a recusa do presidente Cavaco Silva em comparecer a despedida do maior nome da cultura portuguesa no exterior.

Tanta indiferença ao mais destacado gênio da cultura portuguesa, me fez lembrar a nossa imprensa na ocasião da morte do maior artista de nossa época, Paulo Autran. Na semana em que morreu o ator, em que foram anunciados os ganhadores do Nobel, Tropa de Elite foi sucesso antes mesmo de estrear no cinema, e, estreando, arrebentou – o destaque da capa de Época, revista da editora Globo, foi o furto do relógio do apresentador Luciano Hulk. Em matéria de notícias desinteressante, portugueses e brasileiros rivalizam caninamente.

A relação de Saramago com a sociedade portuguesa nunca foi fácil, ele nunca se afinou com as bases da elite e por isso pagou um alto preço. A cobertura da imprensa e a repercussão de sua morte são reveladores dessa relação, pra lá de conflituosa. Sua versão pouco favorável da maledicência dos poderosos, seu questionamento a castidade da sociedade lusa, bem como seu desacordo com os dogmas religiosos, tão arraigados na cultura portuguesa, mais a sua proverbial feição ao comunismo, nunca foi bem digerida pelos conservadores. Ela acabou de azedar de vez, quando na década de 90, depois que Sousa Lara vetou a candidatura de O Evangelho segundo Jesus Cristo a um importante prêmio da literatura européia.

Tanta indiferença acabou por empurrá-lo de vez para o auto-exílio nas ilhas Canárias, onde viveu os últimos anos ao lado de sua mulher Pilar Del Rio. Imperdoável em sua maneira de pensar e agir, Saramago, manteve-se a distância, mas preservou a pena e a consciência crítica ativa.

Não se admira que, em se vendo pintada de forma tão desfavorável, essa sociedade, refletida nos livros de Saramago, deva-lhe render qualquer homenagem. Se, no entanto, não podemos esperar qualquer gesto de reconhecimento desse tempo ao gênio de um artista como Saramago, resta-nos o conforto de saber que as próximas gerações, bem menos ressentidas do que essa, saberão julgar o escritor e o homem com a devida justiça. Assim esperamos.

SAUDADE

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Quando Gandhi foi assassinado por um fanático nos anos 40, o filósofo francês Jean-Paul Sartre disse dele: “no futuro ninguém acreditará que um homem como Gandhi existiu”. Por razões óbvias, as gerações futuras duvidarão que um homem como José Saramago viveu depois de Gandhi. Um e outro, Gandhi e Saramago, foram ardorosos humanistas. Ambos empunharam as únicas armas que conheciam, a palavra, para conquistar os sonhos de um mundo justo, decente, sem fanatismo, compromissado com causas verdadeiramente dignas de se engajarem. Defenderam, quando parecia indefensável, a causa dos menos favorecidos. Pregaram, sem nenhum proselitismo, a igualdade e a tolerância, em meio ao mais profundo caos. Viveram com o único propósito de esclarecer aos homens que aquilo que lhes aprisionavam eram eles mesmos. Livres de toda ignorância, política, religiosa, social, escolar, herdada ou forçada, todos os homens poderiam refazer os seus caminhos. Creio que como Gandhi, José Saramago, assegurou enquanto estava vivo o seu nome na imortalidade.  

JOSÉ SARAMAGO (1922-2010)

foto tirada no FSM 2005



Soube a pouco da morte do mestre das letras portuguesa José Saramago. Imediatamente senti-me só, desamparado e extremamente entristecido, como só alguém que tivesse rompido abruptamente os laços com um ente muito amado, soubesse o que se passa.

E todos nós aprendemos amar Saramago, justamente, pelas qualidades e pela coragem de se indignar, furiosamente, contra toda e qualquer vilania, que oprime, insistentemente, os homens, destituindo-os de todas as forças vitais que o protegem.

Filho de pais e avós analfabetos, criadores de porcos, Saramago soube como poucos transformar a voz dos desfavorecidos em sua própria voz. Uma voz poderosa, respeitada, e temida pelos distintos senhores da política e da religião.

Um ente incomum, capaz das maiores e heróicas ações para defender, não só a si, alvo constante das chacotas dos insensíveis, mas também, e com igual empenho, toda e qualquer pessoa, das injustiças que grassam no mundo.

Saramago soube, desde cedo, que somente uma política civilizada, fraterna; seria capaz de rivalizar contra a tirânica força dos gananciosos, espoliadores e facínoras que insistem em tornarem o mundo um lugar cada vez mais perigoso para se viver, desse modo, engajou-se em todas as lutas por um mundo menos arbitrário, em que coubessem todos sem distinção, sem diferenças.

Seremos eternamente gratos a ele por seu exemplo, por nos dar esperança, por nos fazer acreditar, a revelia de todas as certezas, que ainda existe no homem uma força superior a de sua natureza menos nobre. Com ele aprendemos a valorizar o mundo, a enxergá-lo melhor, a lutar por justiça, a duvidar das certezas e fazer delas uma força revitalizadora em todos os momentos.

Fica agora um vazio, e a certeza de que o mundo passou, desde esse momento, em que ficamos privados de sua voz, assustadoramente inseguro, solitário e muito mais burro.

...E ASSIM SE PASSARAM DOIS ANOS


Sobre a vida sergipana; vantagens e desvantagens


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O texto a seguir foi escrito por Teo

Amigos, há dois anos, precisamente no dia 7 de junho de 2008, um sábado (me lembro como hoje) me jogaram na R. Riachuelo (esq. com Itabaiana), bairro São José, classe média - e “seja o que Deus quiser”. Estava recém-formado e como é de vosso conhecimento, eu não tinha rigorosamente nada a perder. Supunha, com muita razão, que a estupidez e a boçalidade dos sergipanos seriam um pouquinho mais toleráveis do que a mesquinhez de Caetité. Saí, por conta própria, da zona de conforto em que me encontrava, para penar nessa oca global (me perdoem a expressão) que se chama Aracaju.

Muito bem: aqui estou. Pesando os prós e os contras, creio que tenha valido muito a pena ter feito essa grande aventura que, aliás, eu recomendo. Sou um mochileiro, gosto de me arriscar. Quem não largar tudo pra sair de casa, por medo, para mim é um fraco. Muita gente fala maravilhosamente bem de Caetité, mas se lhe fosse dada a oportunidade de sair de lá, não ficaria viva alma para contar a história. Não gosto de Caetité. Não vou mentir para vocês. Gosto das pessoas que lá residem, minha família, meus amigos, mas não gosto da cidade. Subir os degraus da República Coliseu e pegar fila com Rogério no supermercado era das coisas mais agradáveis que se podia fazer na cidade.

Na véspera de minha viagem, lembro-me de que Rogério me presenteou com Vestido de Noiva, a obra-prima rodriguiana e falamos um pouco desse místico Severino do Aracaju, do Auto da Compadecida. (Marco Nanini, na versão para o cinema). À noite, com as malas prontas, saí para comer pastel com Juliana e Eliana, minhas colegas. Rastros de poeira ficaram para traz.

Aqui, tive acesso a muitas coisas das quais necessito para sobreviver: dinheiro (óbvio), porque ninguém é obrigado a sofrer, livros, peças etc. Em Caetité, com toda a ruindade, descobri muita coisa interessante, acervos valiosíssimos. Em Sergipe também vim a descobrir novos autores, novas peças, assisti a muitos espetáculos (minha paixão), a maioria de bom nível. Li, por falar nisso, no domingo último, Um Bonde Chamado Desejo e encantei-me com a personalidade dúbia da personagem Blanche Dubois, irmã de Stella. Um texto fascinante de Tennessee, americano. (Uma Rua Chamada Pecado foi o título do filme baseado nesta peça, se não me engano. Rogério poderia confirmar), com Marlon Brando como Stanley. E assim vamos tocando a vida.

Diz Fiódor Dostoiévski que “o imbecil do homem se habitua a tudo”. Exatamente, amigos. Exatamente! Estou já acostumado à estupidez de Sergipe há muito tempo, tanto que nada aqui mais me impressiona. Educação, aqui, é artigo de luxo. Podem acreditar!

Todavia, o conhecimento, a cultura, as bibliotecas que o estado pode me proporcionar devem me levar a algum lugar, espero. Só não sei exatamente aonde. A São Paulo? A Madri?

Dois anos de ausência, voltando à terra natal em duas ocasiões, apenas. Nem sei se é motivo para comemoração.

Até breve!

O MEDO DO MAL

capa do livro
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Acabo de adquirir um livro da poetisa mineira Henriqueta Lisboa (1901-1985). Até essa data não conhecia essa senhora, que segundo, nos informa a contracapa do livro, tratar-se de uma respeitada poetisa modernista e eminente professora de Literatura. O livro em questão, não faz parte de sua produção poética e sim de entusiasta da cultura popular. O título é: Literatura Oral para Infância e a Juventude: Lendas, Contos & Fábulas Populares no Brasil, edição 2002, Peirópolis. Como o título sugere, trata-se de uma seleção de contos, lendas e fábulas, colhidas do imaginário popular por autores como Amadeu Amaral, Affonso Arinos, Nina Rodrigues e outros 15 nomes. Henriqueta é responsável apenas pela seleção dessas histórias editadas pela primeira vez na década de 50 e que agora sai em caprichada edição, prefaciada e ilustrada por Ricardo Azevedo. Além do fato do livro ser uma recolha de histórias colhidas por grandes autores e obras há muito esgotadas e/ou na eminência do esquecimento, chamou minha atenção os critérios de seleção dos contos feitos pela autora, que ciosa em "melindrar a saúde mental da infância", deixou de fora contos em que o "mundo da sombra, do medo, da irreverência e do mal seja poupado, na medida do possível, a sensibilidades imaturas". Fiquei curioso em saber quais histórias eram essas que melindravam "a saúde mental da infância". Numa rápida inspeção pelo sumário do livro, constatei que nenhuma história, ao menos nos títulos, fazia qualquer referência à morte, por exemplo. Calha então saber que os autores, mesmo aqueles preocupados em transmitirem importantes valores ou em preservarem o rico patrimônio herdado de nossas tradições populares, revistam quase sempre seu trabalho de um zelo moral que deixa parte da vida - parte significativa - renegada ao esquecimento. Tanto brio e tanto garbo na preservação das consciências "imaturas" bem poderia ser sinônimo de uma genuína preocupação com as consciências, não fosse o particular de que elas revestem a vida de detalhes parciais, nunca inteiriça.

O INCANSÁVEL


Anunciado para breve o lançamento de mais um livro do poeta Marco Haurélio. Mais informações aqui.

A DÚVIDA

Eu não queria crer, mas havia evidências, muitas, irrefutáveis e desconcertantes. A maior e mais perturbadora era física. Irremediavelmente marcante e por demais constrangedora. Parece até irônico, se referir a isso, como marcante, quando justamente não havia marca alguma que a distinguisse. Ocorria que, onde nas outras pessoas existia um sinal indelével de sua filiação maternal, em mim havia a prolongação da pele, que desde aquele momento até hoje, cresce, flácida e enrugada até não poder mais, denunciando os muitos anos que esse fato me assola. Nenhum sulco, marca ou sinais, que desfizessem as minhas dúvidas cresceram em mim. Assim apurei que estava só, e que minha existência era questionável, ao menos da maneira em que as outras pessoas constituíam a existência. Divorciado da maioria dos homens, a única cicatriz que insistiam em mim, era a da dúvida, parideira de toda sorte de pensamentos, inquietante moléstia, sórdida mazela dos emparedados. Pertencerei eu mesmo a esse mundo? Será certo que essa senhora da foto embotada, que me carrega pela mão, de fato foi a que me deu a vida e me precipitou no mundo, ou serei filho do amor que há entre Deus e o Diabo. Farsa é tudo uma farsa. Era a única coisa que me ocorria. Apartado do mundo e dos homens eu não conseguia repousar tranqüilo sabendo que era diferente.

AS MODERNAS TEORIAS RACIAIS

(fonte: Jornal Daily News)
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Tempos atrás, assisti a uma palestra de um professor universitário, que falava de forma inflamada, sobre a evidente discriminação racial no filme Matrix. A obviedade do fato decorria, segundo o ilustre professor, da composição do elenco, que mais uma vez, segundo ele, seguia uma "hierarquia racial" que desprestigiava a figura dos negros. Enquanto Keanu Reeves (um legítimo representante da raça branca) ocupava o papel principal, a Laurence Fishburne restava o papel de Sancho Pança, o fiel escudeiro do herói que guiará as pessoas na guerra contra os computadores. Será mesmo que os irmãos Larry e Andy Wachowski são grandes racistas e que a escolha de Keanu Reeves para o papel principal definiria por extensão os lugares de brancos e negros na sociedade, eu me peguei questionando. Morfeu, personagem de Fishburne, sabe todos os segredos de Matrix, no entanto, ele não tem a força para destruir o sistema, tem que encontrar alguém que possa fazer isso por ele e por toda a raça humana, assegurava o professor. Baseado nessas ideias o professor argumentava que esse filme era uma grande metáfora da disputa racial que vivemos hoje. Apesar do argumento rasteiro o professor foi calorosamente aplaudido ao final de seu brilhante, genuíno e hipnotizante pensamento, que sinceramente achei um tanto forçado e muito simplista. Reduzir uma discussão tão profunda a razões tão estreitas dão a medida de como anda os ânimos e a disposição de muitos para debater com seriedade, equilíbrio e insenção a delicada e infindável questão em que muitos decidem racializar tudo o que veem pela frente. A prova mais evidente de que o professor se precipitou em seus argumentos, e de como o seu pensamento ao invés de servir de base para discussões serias, patina num lodaçal de preconceitos e juízo pré-moldados, eu tive essa semana quando o jornal americano Daily News, divulgou uma lista com nome de vinte e seis atores e atrizes que deixaram de embolsar muito dinheiro e alguns prêmios importantes como o Oscar, por recusarem protagonizar filmes que depois se tornaram fenômeno de crítica e público. Entre tantos nomes o que mais me chamou a atenção foi o de Will Smith que havia declinado do convite dos irmãos Wachowski para estrelar justamente o filme que o professor havia acusado de racista, por não ter como protagonista um negro. Baseado em seus próprios preconceitos o professor julgou ter achado o alvo perfeito para ilustrar o quanto são necessárias políticas de reparação racial, que tenham como meta evitarem distorções como essas, em que negros não são escolhidos para papéis no cinema, e possam equalizar os espaços entre brancos e negros nas telas. Na ânsia de racializar tudo o que ver pela frente os ativistas do Movimento Negro esquecem que nem todas as escolhas de protagonistas são baseadas em critérios raciais como ele julga, e sim, na livre iniciativa e na adequação do personagem ao perfil do ator. A continuar como estamos até Hamlet será severamente questionado como mais uma prova viva da segregação racial. A alegação é claro será que o ator princial era branco e não negro.
(A lista completa dos artístas e dos respectivos filmes que eles se recusaram a protagonizar estão no site do jornal, aqui).

INDISPENSÁVEL

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Novidade à vista. O poeta, editor e folclorista Marco Haurélio anunciou ontem no seu blog Cordel Atemporal, o lançamento, para breve, de seu novo trabalho, CONTOS FOLCLÓRICOS BRASILEIROS. O livro sairá pela editora Paulus e conta com, ilustração de Maurício Negro e notas do Dr. Paulo Correia, do Centro de Estudos Ataíde Oliveira, da Universidade do Algarve, Portugal, segundo nos informa o blog. O trabalho se constitui numa antologia de contos populares, colhidos pelo poeta no interior baiano entre familiares e mestres de sabença. A iniciativa, ao tempo em que valoriza os saberes e a memória popular de homens e mulheres que souberam pacientemente preservar saborosas estórias; desmistifica a ideia corrente de que no Nordeste só há pobreza. Longe dos estereótipos limitadores, Marco Haurélio assume a dianteira de uma geração de escritores entusiasmados com a cultura Brasileira. Não há dúvidas de que, em se tratando de um escritor apaixonado pelo ofício literário, que exerce desde a mais tenra idade, e de alguém que valoriza as tradições e as riquezas do povo brasileiro, como poucos, podemos esperar uma obra de qualidade indiscutível. Desnecessário dizer que, desde já, esse passa a ser um livro obrigatório para todos os amantes da boa literatura.

NOVOS TEMPOS?



A história está sendo reescrita? A inédita prisão do governador em exercício José Roberto Arruda, anunciada nessa quinta-feira, poria um basta, nos inomináveis vexames atribuídos à política nos últimos 500 anos nesse país? As contundentes imagens do desrespeito às funções públicas estarão finalmente dizendo alguma coisa? Arruda será realmente punido? Arruda será o primeiro de muitos a pagar por seus atos de desrespeito ao eleitorado? Afinal acordamos às grosserias políticas? Estaria chegando ao fim uma vergonhosa tradição de impunidade? A justiça finalmente despertou de sua letargia ou a justiça que tardou em prendê-lo, acordada que foi pela opinião pública, não demorará a restituí-lo à liberdade? Estamos vendo o ponto final da farra política com o dinheiro público? Estaríamos vivendo uma nova fase na política em que não se tolera as malversações? Sejam quais forem as respostas a essas perguntas, o certo é que estamos assistindo a um acontecimento único, nesse caso, não podemos perder a ocasião de darmos um choque de moralidade na pasmaceira reinante em Brasília.

ADMITAMOS... SOMOS UM PAÍS DESAVERGONHADO


Admitimos e promovemos muitas coisas nesse país, que no discurso diário estamos sempre prontos a condenar. Não aceitamos a corrupção política, essa vergonha, essa nódoa inalterável de nossa história. No entanto, não nos constrange, nem um pouco, fraudar a declaração do imposto de renda; receber um benefício que não nos cabe; vender ou comprar um trabalho acadêmico; roubar livros das escolas públicas - pratica frequente de nossos mestres; comprar CDs e DVDs no mercado paralelo. Dispor-se a maquiar uma licitação ou molhar a mão de uma autoridade pelo perdão da falta, não cora ninguém. Estimulados por uma desavergonhada força que anima nossa sociedade, essas e outras formas de ilegalidades são toleráveis, admissíveis e apropriadamente aceitas. Na verdade chego a pensar que elas dignam muitos homens. Fica cada vez mais difícil distinguir o corrupto e o corruptor no vale-tudo desmedido da vida social. Qualquer pessoa, desde a mais tenra idade, se sente desobrigada a fazer, diante de tanta vergonha, o que é certo, justo e realmente correto. Ninguém suspeita, porém, que essas e, outras ações injuriosas, minam qualquer sonho de progresso, e que, ao contrário do que se imagina, não será a indiferença às pequenas vilanias cometidas pela população diariamente, a resposta aos maus atos dos nossos representantes.


CITAÇÃO 3

"Não há temas privilegiados ou condenados para a literatura. Tudo depende do tratamento artístico."
Sábato Magaldi
"O palavrão, por
tanto, tem de ser encarado no palco de maneira diversa do que o é na vida real: se serve a fins artísticos precisos, revelando algum aspecto da personalidade humana, embora escuso, ou lançando luz sobre as condições econômicas e sociais de certas classes, justifica-se humanamente e esteticamente."
Décio de Almeida Prado
"De fato, a evolução da literatura nos últimos cento e cinquenta anos está ligada a uma série de vitórias obtidas contra a repressão social, representada pela Censura ou pelo Poder Judiciário. As Flores do Mal, de Baudelaire, Mme Bovary, de Flaubert, O Amante de Lady Chatterley, de Lawrence, Ulysses, de Joyce, são alguns destes marcos mais representativos, por terem sido objetos de processos e condenações rumorosas, antes de passarem à categoria de tranquilas obras-primas. Cada uma de tais batalhas judiciárias acabou efetivamente por alargar os limites da arte, que os artistas pretendem seja tão amplo quanto o da ciência. Tudo é objeto de arte, mesmo o obsceno, mesmo o repugnante, como tudo é objeto de ciência, já que ambas, cada uma a seu modo, dizem respeito ao conhecimento do homem."
Décio de Almeida Prado
"Foi realmente determinado que não há nada de saudável e proveitoso na arte a não ser que ela esteja vestida?"
Jornal New York World
"Sempre acontece que, entre a proibição justa, fundada em premissas certas, para a salvaguarda da coletividade, a ignorância do fenômeno estético por parte de censores - recrutados mais como policiais do que como críticos adultos - provoca disparates como este que é a proibição de A Navalha na Carne, com fundamento na sua presumível linguagem pornográfica."
João Apolinário

INTERDIÇÕES

Os Sonhadores

Quais razões uma instituição, com fins culturais, pode alegar para censurar uma obra artística? A Casa Anísio Teixeira, situada na cidade de Caetité, terra natal do educador, tem uma, que coloca em dúvida a nossa existência no século XXI, e nos faz pensar estarmos noutra época. A Casa vê com reservas algumas obras cinematográficas e lhes impõe severas restrições, baseadas num código moral, rígido, de uma única lei. A pretexto da preservação da moralidade e dos bons costumes, toda e qualquer obra, que exponham cenas de sexo, por mais branda que sejam, por mais indispensáveis à recriação da realidade, sofre uma desmedida censura.

Em que pese o caráter sexual de algumas obras, a saber, Fale com Ela, Meninos não Choram, Má Educação, Navalha na Carne, Os Sonhadores, Anjos Exterminadores, A Última Tentação de Cristo, entre outras, inexistem, nessas, qualquer impedimento moral que desobrigue instituições culturais, com interesses em formar um público de cinema, sem preconceitos, e cidadãos conscientes, que justifique a censura que ora a Casa emprega para selecionar os seus filmes.

O sexo nesses filmes não me parece razão para censurar as obras, muito mais, que eles tratam, com muita seriedade, de outros temas, um tanto quanto delicados, mais indispensáveis. Se eventualmente essas obras têm alguma cena de sexo, são porque essas histórias mostram uma realidade sem máscaras e sem concessões ao fingimento, que reina no mundo de hoje. Se empregam um vocabulário chulo, rejeitados pela decência e pela sensibilidade, é apenas em respeito à severidade de propósitos que a encerram.

O impedimento apenas reduz essa seriedade de propósito, a um imperativo sexual, que insisto, eles não têm. Má Educação, de Pedro Almodóvar, por exemplo, retrata uma realidade que fingimos não enxergar, a da pedofilia, algo realmente condenável, mas não se ouve um comentário repudiando a imoralidade dos atos religiosos, recrimina-se antes a obra, que a denuncia. Meninos não Choram, fala de uma sociedade intolerante a orientação sexual das pessoas que não andam encabrestados como as demais, mas apenas o sexo mostrado no filme, que não corresponde às formas desejadas pela “normalidade” social, é lembrado. Fale com Ela, uma belíssima ode ao amor, coisa rara nos dias atuais, deixa de ser uma lição de tolerância e amor ao próximo, por quê? Sexo, sexo, sexo, sexo, algo que ninguém faz, aparece em alguma cena. Navalha na Carne, obra do fabuloso Plínio Marcos, retrata o submundo da prostituição e a violência nas relações humanas, nada disso parece importar. Será possível que histórias assim ainda se concebam fora de nossos cinemas?

Enquanto interditam essas obras a Casa é parcimoniosa com outras, muito menos incômodas, e seguramente, menos instrutivas. Xuxa e os duendes, As patricinhas de Beverly Hills, High School music cujo objetivo maior, passa ao largo da instrução social, e reinam impune. A exploração comercialesca desses produtos juvenis, travestidos de cinema, recebe total amparo da Fundação em detrimento das legitimas obras de arte, que com certeza têm muito mais a dizer sobre o homem e a sociedade.

Comprometidos em mostrarem a vida como ela é e não como são vendidas nas propagandas, as obras de significativos valores são estupidamente amordaçadas, num atentado as consciências. O alegado conteúdo sexual desses filmes não passa de uma afronta a nossa inteligência. As histórias mostram realidades duras e cruéis, porque retratam realidades duras e cruéis, porque a realidade, em si mesma, é frequentemente dura e cruel.

O cinema, principalmente o dos melhores realizadores, como é o caso desses filmes, distingue-se da pornografia e não são imorais, muito menos ofende a dignidade humana reduzindo-o a um produto perecível, ao contrário, eles mostram, e talvez aí esteja o legítimo motivo da censura, uma realidade que fingimos não existir.

A propósito das razões da censura contra as obras artísticas a maior referência da crítica teatral no Brasil, Décio de Almeida Prado, escreveu: “A censura baseia-se provavelmente em impulsos repressivos mais fundos, menos conscientes... O primeiro, comum a todos nós, é o desejo muito compreensível de negar o mal (chamemo-lo assim, para simplificar o problema). Sabemos que ele existe. Cruzamos diariamente, nas ruas da cidade, com a prostituição, o proxenetismo, o homossexualismo. Mas fazemos tudo para não ver, para ignorar a realidade desagradável... Não se podendo atingir a própria realidade, atinge-se a sua representação... A severidade, no campo limitado sobre o qual podemos influir, compensa-nos das nossas imensas frustrações em relação ao campo rebelde e infinitamente mais vasto da realidade...”

Sobre qualquer pretexto o cerceamento à expressão artística é um retrocesso aos avanços de nossa sociedade. Esquecidos de que o cinema é um importante bem de divulgação cultural e indispensável ao reconhecimento de uma realidade que urge ser modificada, a Casa infringe, em nome de um pretenso acolhimento da sociedade tradicional, as suas funções primárias, que é a de distribuir e divulgar objetos culturais de qualidade. Para fazer isso faria um grande favor abolindo a censura que deixa de fora de seu catálogo de filmes obras essenciais do cinema.

"Às morais de séculos anteriores temos que antepor a coragem de enfrentar a verdade, seja ela qual for".

VESTEM BEM... MUITO BEM.












Essas são de meu agrado. Estas outras também me cairiam bem.

TODA DEFERÊNCIA

O médico chegou. Não era mesmo um médico legítimo de clínica e hospital. Era na verdade um dentista de boca, prótese, ponte e reparos cariados. Isso, no entanto, não importava. Um passo à diante, um degrau à cima, e toda deferência, salamaleques e ritual de corte começava. O mundo agora era o dos sorrisos fartos da conversa solta. De repente, as línguas perdiam todas as travas. Menino assopra o fogo, corta um pedaço bem magro desse lombo de porco, pode pôr mais carne na churrasqueira, o doutor está com fome. Maria arranca uma cerveja do fundo do congelador e traz mais dois copos. Era a primeira vez que eles sentiam o mundo dos doutores. Gente bacana, que se dispunha a frequentar a sua casa. Outrossim, os vizinhos, todos, iriam ver entrarem pela porta, um moço de boa família, formado na universidade, num curso de verdade, não daqueles de fala difícil, muitas palavras e pouca ou nenhuma ação. Veriam todos, e saberiam todos, que ali, mesmo que, não passasse com regularidade o carro de lixo, mesmo que a rua estivesse um tanto esburacada e empoeirada, ou quando chovia era impossível entrar ou sair - graças a deus não choveu - todos veriam alguém importante se dignar a comer em sua casa. E dava gosto ver o doutor comer.

ARTE E BELEZA



Tenho encontrado poucas mulheres que não sejam caricaturais. Essa moça é uma delas. Conjugando talento e uma indiscretíssima beleza que não encontra definição precisa, só por isso está sempre sendo comparada com duas ou três outras hermosas raparigas que deem o sentido que a palavra não alcança, ela vem conquistando um razoável prestígio no cinema e nos corações de muitos marmanjos. O último foi o meu amigo Teo que resolveu subi-la ao altar da devoção cinematográfica jurando fidelidade eterna. Infeliz companheiro, a moça já foi fisgada. Cumpre agora a você adorá-la de longe como o resto.

ASSOMBRO

Às vezes gosto de pensar que existem certas vantagens em ser ignorante. O sujeito não tem que se explicar de nada. Não precisa pensar. Não discute e nem se preocupa. Por certo também, não critica. Deixa as coisas acontecerem, como se estivesse sendo arrastado por uma torrente e dela não quisesse se defender. Vive, como se para isso não fosse preciso, gastar um minuto de seu tempo ocupado com as tediantes tarefas de maquinar o cérebro. Munido dos instintos que a natureza lhe deu, sabe que o pulmão faz muito bem o seu trabalho, sem que se lhe diga o que deve ser feito. E só por isso o homem vive. O mesmo pensa do coração, dos rins, do fígado, e de outras e tão sábias partes do corpo que sem pensarem em, como e por que, seguem. Esses sujeitos também, refugando algumas conquistas do intelecto, não se desassossegam nem se inquietam, com o que para outros assaltam os nervos.

ERA UMA VEZ NO OESTE

A chegada de Jill personagem de Claudia Cardinale. Música de Ennio Moricone

Em 1964 como o filme Por um punhado de dólares, o cineasta italiano Sergio Leone (1929-1989) deu forma ao que se convencionou chamar mais tarde de Western Spaghetti. Esses filmes tinham entre outras características a crueza dos personagens principais, que diferentes dos personagens hollywoodianos, andavam sempre mal vestidos, sujos e com intenções inescrupulosas. Os temas giravam em torno da vingança. O filme estrelado por Clint Eastwood teve duas continuações e ficou conhecido como a trilogia dos dólares. Em 1968 Leone realizou, Era Uma Vez no Oeste, uma verdadeira obra-prima. O filme é assustadoramente arrebatador. E tem muitas razões de ser. Primeiro pela peculiar e indistinta narrativa, cheia de silêncios, esperas e ruídos ambientes que se integram ao clima de desolamento e tensão criado nos momentos exatos em que se exigem esses climas. Segundo pela impecável atuação dos atores Henry Fonda, Claudia Cardinale, Charles Bronson e Jason Robards que encarnam com veracidade incomum os seus papeis. E por fim uma trilha sonora, do mestre Ennio Moricone, que dá consistência e caracteriza os personagens. O tema principal da mocinha feita por Claudia Cardinale é especialmente memorável pelo lirismo. Obra impar do gênero, Era uma vez no Oeste, é um filme daqueles tempos em que o cinema era uma expressão artística antes de qualquer coisa.

"QUER OUVIR A MINHA IDEIA PARA UM ASSASSINATO PERFEITO?"

PACTO SINISTRO, 1951
Depois de dois fracassos retumbantes com Sob o Signo de Capricórnio (1949) e Pavor nos Bastidores (1950), Alfred Hitckcock retornou a velha forma em 1951 com Pacto Sinistro, seu 14º filme em Hollywood. Adaptado da obra de Patricia Higsmith, a mesma de O Talentoso Ripley, o filme conta a história de um inusitado e casual encontro que acabará em tragédia, nada mais hithcockiano do que isso. Num trem, Gay, interpretado por Farley Granger - que já havia trabalhado com Hitchcock em Festim Diabólico (1948) - é um jovem campeão de tênis, que segue para sua cidade natal a fim de acertar o divórcio com sua ex-mulher. Gay pretende se casar novamente, agora com a filha de um senador. No meio da viagem ele é abordado por Bruno (Robert Walker), um indiscreto fã que sabe tudo sobre sua vida. Não demora e o simpático Bruno, protótipo do vilão desequilibrado que permeia a galeria dos melhores filmes de suspense, tenta enredar Gay num ardiloso e macabro plano de assassinato. Aproveitando a situação em que ambos acabaram de se conhecer e de que até aquele momento não havia nenhuma ligação entre eles, Bruno propõe a Gay o que considera o plano perfeito. Bruno eliminaria a ex-mulher de Gay, que se recusa a aceitar o divórcio, e em troca, esse se encarregaria de matar o seu pai (o de Bruno). A evasiva recusa de Gay é interpretado por Bruno como um sinal verde para levar adiante o seu projeto homicida. Assim Bruno executa a primeira parte do plano, estrangulando a ex-mulher de Gay num parque de diversões. Avisado por Bruno da morte de Miriam, Gay se desespera; todos pensarão que foi ele o assassino de sua ex-mulher, motivos para isso não faltavam. Interrogado pela polícia o jovem tenista não consegui apresentar um álibi que alivie as suspeitas das pessoas sobre ele. Descontente com as insistentes recusas de Gay, que teima em não cumprir a sua parte no "pacto", Bruno resolve arruinar a vida do jovem esportista, incriminando-o. Como ele havia ficado com o isqueiro de Gay desde o seu primeiro encontro, ele resolve abandonar no local do crime a prova definitiva que ligaria o marido revoltado ao assassinato da ex-mulher traidora. A eletrizante sequência que se segue até a elucidação do crime com muito suspense é tipicamente hitchcockiana. Mestre em criar tipos comuns envolvidos em tramas mirabolantes Hitchcock achou no argumento dessa história o modelo ideal para exercitar o melhor de sua genialidade. Pena que o fraco desenvolvimento do roteiro prejudique o filme. A cena final quando se esclarece o assassinato deixa a desejar. Sem ser o melhor de Hitchcock, Pacto Sinistro oferece assim mesmo bons motivos para apreciar o mestre do suspense.

GATA EM TETO DE ZINCO QUENTE

Maggie (Elizabeth Taylor, 1958)
A propósito do post anterior, que se referia ao leitmotiv da dramaturgia rodriguiana, me ocorreu falar da peça Gata em Teto de Zinco Quente, do teatrólogo norte-americano Tennessee Williams (1911-1983). Sem possuir a mesma voltagem dos personagens rodriguianos, os de T. Williams, se assemelham aos de Nelson Rodrigues, ao demonstrarem a mesma disposição em revelar os estratos menos nobres da personalidade humana. Para além de terem várias de suas obras adaptadas para o cinema e TV, ambos, salvo as devidas diferenças, tem a capacidade de fazerem dos dramas familiares uma reflexão sobre a moralidade, pedra de toque de suas obras. Ambição, revolta, traições, sexualidade reprimida e uma feroz crítica ao moralismo recheiam as peças desses dois maravilhosos autores.

A DESFAÇATEZ DESENCARNADA

A DAMA DO LOTAÇÃO, 1978

Detesto admitir, mas o Teo está coberto de razão. Nelson Rodrigues é sem dúvida o maior teatrólogo de todos os tempos. Dono de uma irrevogável veia polemista, suas obras antes de serem pornográficas ou escandolasas, como querem alguns, na verdade não tolera a hipocrisia de uma sociedade de aparências e dissimulação como a nossa. Seus trabalhos possuem o mérito de escancarar as vilanias, os vícios inominávies de cada um, além de por a nu, literalmente, o que a maioria sempre se esforçou por manter em segredo, até o seu surgimento. Foi justamente essa atitutde francamente desafiadora contra todo e qualquer fingimento, que lhe rendeu uma serie de injurias e perseguições inquisidoras, que duram até hoje. Dizia-se que ele prevaricava a moral e os bons constumes das famílias brasileiras. Altamente moral suas histórias não tem nada de pervertidas. Se as mulheres traem seus maridos; as meninas preferem beijar outras meninas; os pais sodomizarem seus filhos, como vemos em algumas de suas peças, isso se deve antes, a precariedade moral dos homens, não do artista. Suas peças não tem nada de perversão, pelo contrário, como objeto artístico sua função é a de retratar a realidade com a máxima fidelidade. Amoral com certeza é a noção mal disfarçada de que tudo está na mais perfeita ordem.

O ESSENCIAL CONTINUA INVISÍVEL AOS OLHOS

Guardo um talento incomum para gostar de coisas, que para maioria são inúteis. É que nos dias que corre, muitas coisas são tidas como inúteis, e com tudo, ainda as desejo. A maioria delas tem haver com arte. A maioria delas interessa-me. Não por serem, como pensa a maioria (inútil), mas pelo contrario, por renovarem minha fé no homem, um exercício pra lá de exaustivo, que por mais que se esforce é necessário um exercício constante; por exigirem sempre mais, por duvidar das certezas e estilhaçar as verdades, por mais inconveniente que sejam; por incomodarem os parvos e por fim destoar da maioria.

VIDA BREVE

Drª Zilda Arns

No nosso país, dificilmente tem-se alguém para admirar. Essa espécie de gente rareia a cada dia. Por isso, a noticia da morte da Drª Zilda Arns, no terrível terremoto que sacudiu o Haiti nessa terça-feira 12, torna o fato ainda mais penoso.

ÉRIC ROHMER


A nota triste do início dessa semana foi a notícia da morte, nessa segunda feira 11, do realizador francês Éric Rohmer (1920-2010). Com mais de 50 filmes no currículo, Rohmer foi professor de Letras e escritor antes de integrar o grupo de jovens entusiasta de cinema, fundadores do movimento Nouvelle Vague. Ao lado de Jean-Luc Godard, Jacques Rivette, François Truffaut e Claude Chabrol, futuros diretores de cinema, iniciou sua carreira como crítico da mítica revista de cinema Cahiers du Cinéma. No Brasil temos varias de suas obras disponível nas melhores lojas.

CONTRA A RACIALIZAÇÃO



Nascido em 17 de setembro de 2009, o blog CONTRA A RACIALIZAÇÃO NO BRASIL, reúne, como podemos ler no, quem somos: cientistas políticos, antropólogos, sociólogos, juristas, historiadores, geneticistas, biólogos, médicos, intelectuais e ativistas de movimentos sociais, interessados em alertar a população sobre os perigos que ronda o país com a implementação de políticas segregacionistas. Vale à pena conferir.

O INCANSÁVEL PENSADOR

Os homens independentes, os livres pensadores, sempre foram acusados, ora de agitadores e inconsequentes, ora, como é o caso agora, de produzirem ideias em nível inaceitável de debate. Tais afirmações para mim sempre soaram falsas. Seu único propósito é o de acomodarem no silêncio as opiniões contrarias a ordem vigente. As recentes discussões sobre as medidas do governo em racializar o problema da educação no país através do Estatuto da Igualdade Racial, demonstram bem o nível das opiniões e dos debatedores. Diferentes pesquisas evidenciam que os brasileiros de todas as cores rejeitam a nova lei (leia pesquisa CIDAN/IBPS aqui), que se aprovada terá como único mérito introduzir, pela primeira vez no país, a primeira lei racial da nossa história. As ações de Demétrio Magnoli e outros incansáveis pesquisadores da questão racial no Brasil, como Yvonne Maggie e Peter Fry vem causando descontentamento entre alguns membros do movimento negro, que, como já era esperado, se comportam muito bem em saber, que a solução encontrada para dirimir o racismo incruento, e as desigualdades sociais entre a população mais pobre, passam ao largo de envestimentos maciço em melhorias da educação básica. Como resposta a esse histórico desafio eles se contentam em celebrarem o orgulho da raça. A gota d´água dessa discussão ocorreu recentemente, quando Demétrio Magnoli escreveu um artigo contra a determinação do ministro Tarso Genro, que queria levantar a origem "racial" dos estudantes brasileiros. Na ocasião Demétrio considerou que essa medida de classificação racial era errada, anticientífica e retrógrada. Alguém discorda? No artigo, ele chamou Tarso Genro de Ministro da Classificação Racial, e considerou-o imprevisto herdeiro de racistas como Nina Rodrigues. Depois disso Tarso Genro processou Demétrio Magnoli. Os patrulhadores de plantão, e aqueles que não se preocuparam em discutirem com sinceridade o problema da educação e da desigualdade no Brasil, veem, desde então, tentanto manchar o currículo de um dos nosso mais atuantes pensadores, acusando-o, entre outras coisas de, "desonesto" e "superficial". Essas opiniões sobre o geógrafo e sociólogo Demétrio Magnoli, refletem a mentalidade tacanha daqueles que não suportam verem suas convicções contrariadas e que, não tendo como contra-argumentar as ideias e opiniões expressas pelos verdadeiros pensadores, desqualificam o homem. Eles preferem o enfrentamento pessoal, ao de ideias. A desqualificação pessoal ocupa a maioria dos discursos dos nossos políticos, pensadores, e tuti quanti. Com isso esquivamo-nos das discussões verdadeiramente importantes e desviamos as atenções para futilidades. Não se aceita discutir com aqueles, cujas ideias não alcançaram um nível aceitável de profundidade intelectual. Com isso minimiza as opiniões de alguém tão "superficial" e sem importância. No Brasil essa foi, e pelo que vejo, continuará a ser uma prática frequente; a dos pensadores cabotinos. Não é de hoje que distendemos atenção a essas maldosas opiniões. Em 1909 o sergipano Silvio Romero escreveu um livro inteiro para desqualificar a figura de José Veríssimo, seu maior desafeto. Nesse mesmo tempo, ele não poupou tinta para espinafrar também, o já consagrado, Machado de Assis. O injurioso livro, Zeverissimações ineptas da crítica, tinha como propósito, segundo seu autor, demonstrar as; como o título já indicava, ineptas qualidades de José Veríssimo e Machado de Assis para literatura. O autor não se preocupou nem por um momento em tecer comentários sobre as obras dos autores. Preferiu antes, atacar as origens de José Veríssimo e Machado de Assis, prova suficiente das inadequações literárias de autores que "o tempo se encarregaria de varrer". Há anos um dos maiores estudiosos do folclore nacional, o potiguar Câmara Cascudo, vem sofrendo de iguais injurias. Seus detratores, acusa-no de superficial, descuidado, e outras baboseiras. Infeliz sina a do país, que não consegue conduzir um debate tão importante para o seu futuro, sem cais na vala comum do bate-boca entre comadres.