Lêdo Ivo


A morte, essa catástrofe pessoal.

A Espanha Cabralina


A Espanha exerceu fascínio em inúmeros artistas. Quem conviveu com a arte, a dança, a música ou mesmo com a arquitetura espanhola de inspiração moura, jamais saiu ileso de sua presença. Em 8 anos de Sevilha, o poeta João Cabral colecionou poemas que transparecem seu encanto pela cidade e pelo país ibérico. Alguns dos seus melhores poemas, ao menos para mim, falam das paisagens sevilhanas, com sua arquitetura monumental, dança e principalmente seus toureiros que metaforizaram a poética cabralina e ilustraram as lições ascéticas desse poeta incontornável. Vejam só esse belo exemplo:

LEMBRANDO MANOLETE

Tourear, ou viver como expor-se;
expor a vida à louca foice

que se faz roçar pela faixa
estreita da vida, ofertada

ou touro; essa estreita cintura
que é onde o matador a sua

expõe ao touro, reduzindo
todo seu corpo ao que é seu cinto,

e nesse cinto toda a vida
que expõe ao touro, oferecida

para que a rompa; com o frio
ar de quem não está sobre um fio.

Agrestes - 1985

Cativo


Existem vários tipos de cativo. Iludem-se aqueles que associam o cativo apenas àquele individuo emparedado nas grades de uma prisão. Essa é uma boa imagem, entre tantas, que podemos usar para ilustrar os muitos e variados modos de se estar privado de suas faculdades mais essenciais; a liberdade. Digo essenciais pensando em meu espírito, que não tolera a ideia de cárcere, de nenhuma espécie, seja ele político, religioso, tributário, social. A outros o cárcere nem é tão importante assim, pois não esboçam nenhuma resistência às amarras, paredões, e outras engenhosas formas de submissão. Mesmo o indivíduo que vive em um estado que lhe permite o gozo de suas liberdades, mesmo esse, pode ilusoriamente imaginar pertencer realmente a uma sociedade de livres, quando na verdade as evidências de sua vida o desmentem.  Há muitas arapucas dispersas por aí prontas para abocanharem os últimos insubmissos na selva das cidades. Não se tolera, mesmo que se diga o contrário, a hipótese de alguém viver livre de qualquer grilhão. De certo modo, temesse esses indivíduos ou invejam-lhes a coragem, não sei, mas acho que a segunda hipótese tem uma dose maio de verdade.