Téo Júnior*
De
vez em quando, nós aqui do “Navegantes” temos a grata satisfação de encontrar por
aí esses quase deuses, porque, conforme assinalou Todorov, a literatura
confunde-se com a própria vida. “Deus foi o primeiro artista, e o mundo é seu
poema”, escreveu ele em A Literatura em Perigo. Partindo-se do
pressuposto de que a literatura, se não muda o mundo por si mesma, ajuda o
indivíduo a suportá-lo, é sempre muito agradável saber que esses grandes
criadores estão por aí, na planície – e não encastelados, como supúnhamos. Os
deuses, às vezes, descem do Olimpo para a superfície.
Nós,
desde sempre, temos muito apreço pelos escritores porque todos estamos carecas
de saber que escrever é uma arte que poucos possuem. Cansei de ouvir dizer que
“escrever é fácil”, “criticar é fácil”; na boca dos incautos, tudo é fácil.
Pois não é de jeito nenhum. Escrever é difícil. Requer tempo, paciência,
imaginação, talento, persistência, técnica.
Tive
o prazer de conhecer pessoalmente e conversar, embora por pouco tempo, com um
grande nome da literatura brasileira que é Viana, em Aracaju, onde ambos
moramos. Não se pode dizer que ele seja uma revelação, porque já escreve há 40
anos, mas ficou conhecido do grande público quando (re) publicou seus trabalhos
pela editora Companhia das Letras, talvez a maior do Brasil. Mas quem quiser
ofender gravemente Antonio Carlos Mangueira Viana diga que ele é
“regionalista”, pois esta classificação não se justifica, definitivamente. Ele
pode tanto falar do sertão sergipano cujo sol é de cozinhar os miolos, seu
personagem pode morar perto da praia no Rio de Janeiro ou ele pode até mesmo
narrar as agruras enfrentadas no frio parisiense. Quer em Sergipe, quer na
Europa, sejam ricos ou pobres, seus personagens sofrem, vivem experiências
dilacerantes, carregam consigo velhos fantasmas – e nós, concomitantemente, os
nossos. Nos contos de Viana, são ressaltadas tanto a alta cultura como a
miséria. Suas criaturas tanto podem ouvir Monlight
Serenade ou Waldik Soriano.
Alguns
contos são extraordinários e eu os recomendo. Em Aberto está o inferno, são imperdíveis “Batalha”, sobre um
irresponsável que engravidara uma empregada doméstica “desmiolada”, segunda a
própria ou “Doutora Eva”, que faz questão de ser juíza o dia todo, até mesmo no
banheiro. “Reverendíssimo Padre Diretor” é um justo, justíssimo acerto de
contas ente o oprimido e seu opressor.
Cine Privê, por sua vez, vale o conto
homônimo, sobre um infeliz derrotado pela existência, e o emprego que lhe
restou, foi o de limpar cabines de um cinema pornográfico. Vale conferir também
“Tia Darcy ouve vozes” e “Eliazar, Eliazar”.
O Meio do Mundo, sua estréia na
Companhia das Letras, traz contos monumentais, e talvez seja dos três o mais
aterrador e o meu preferido: “Meu Tio Tão Só”, “Dias de Jó” (ambos destacam a
solidão terrível) são indicados. Ao mesmo tempo, recordo-me de “Vá, Deralda!” –
o melhor conto que eu já li até hoje – e, por fim, o primoroso “Jardins
Suspensos”, incluído na seleção dos “100 Melhores Contos da Literatura
Brasileira do Século XX”.
Leiam
Antonio Carlos Viana, comprem seus livros, e preparem-se para sofrer. Penetrar
em sua obra é muito angustiante e ao mesmo tempo tão atraente quando subir numa
montanha russa. Sabe-se de antemão que será uma aventura incomum, mas
compensadora quando se chega ao fim e a máquina para.
A
autêntica literatura tem este poder: fazer com que nós não permaneçamos
indiferentes ante as barbaridades do mundo, cuja maldade estamos rodeados as 24
horas do dia. Viana é muito hábil para cumprir a função do escritor. Trata-se
alguém que sabe muito bem o que diz – e o diz maravilhosamente. Ele tem força
nos pulsos.
* Téo é crítico de Teatro do Jornal Cinform de Aracaju e colaborador esporádico do Navegantes.
* Téo é crítico de Teatro do Jornal Cinform de Aracaju e colaborador esporádico do Navegantes.
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