Antônio Nóbrega - Lunário Perpétuo


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O alardeado discurso sobre a ignorância cultura do povo brasileiro tem íntima relação com os propósitos colonialistas, que por séculos orientaram os valores das elites nacionais e forjaram a visão de mundo dominante nas artes, cultura, religião e demais estruturas da nossa sociedade. O alinhamento da ignorância das elites com o preconceito dos colonizadores produziu uma visão inanimada da realidade cultural brasileira. Através de um discurso de desfiguração intentaram incutir a ideia de que as massas eram incapazes de produzir cultura, e que suas muitas manifestações não passavam de tentativas canhestras e mal sucedidas de se elevar ao nível da “verdadeira” arte. Durante muito tempo, nos diz Octavio Paz, associou-se poder aquisitivo com valor cultural e dessa maneira passou-se a desprestigiar as mensagens que emanavam do povo como formas valiosas e representativas da cultura nacional. O trabalho de Antônio Nóbrega, desde sua atuação no Quinteto Armorial até hoje, com o espetáculo Lunário Perpétuo, dignifica a cultura genuinamente nossa e desmistifica esses preconceitos e hostilidades, que por séculos distanciaram o povo de suas manifestações mais legítimas. Baseado no livro homônimo, o espetáculo Lunário Perpétuo, reconstitui as varias manifestações artísticas que estão presentes, desde há milênios, no seio das comunidades humanas instruindo, divertindo e principalmente perenizando a memória do povo. O Lunário Perpétuo foi um livro de "sabenças" que circulou pelos rincões “carrascudos” do Brasil do século XVIII. Ele continha de tudo um pouco, de biografias de santos a mapas astrológicos, de simpatias a acidentes geográficos, antigas alquimias. Informava sobre países, dava dicas de como agir em casos de terremotos, ensinava rezas, e muito mais. Um verdadeiro almanaque, que instruiu gerações e mais gerações de nordestinos e alimentou a fantasia dos nossos artistas de ontem e de hoje. Ele foi também uma valiosa fonte de informações para os cordelistas que tiravam dele os muitos argumentos para construção de seus poemas. Eu não sei quanto a vocês, mas sinto um arrepio pelo corpo como se tivesse recebido uma descarga elétrica cada vez que assisto ao DVD do espetáculo. Esse é um precioso registro das marcas de resistência da cultura brasileira, contra as muitas tentativas de homogeneização da diversidade, que sempre encontrou por aqui terreno viçoso.  

4 comentários:

marcohaurelio disse...

No livro "Breve História da Literatura de Cordel", criei uma nota para o "Lunário Perpétuo", fonte de informações para muitos de nossos poetas populares, da voz e da letra:


"O Lunário Perpétuo é um Almanaque que circulou em Portugal pelo menos três ou quatro séculos tendo como autor Jerônimo Cortês. O Lunário reunia as informações mais variadas sobre medicina rústica, fases da lua e o tempo certo para o plantio. Por sua influência, muitos poetas de Cordel se fizeram astrólogos, a exemplo de Luís Gomes de Albuquerque (que mudou o último nome para Lumerque, por influência da numerologia), João Ferreira de Lima, Manoel Caboclo e Silva, Vicente Vitorino de Melo e José Costa Leite."

Antônio Nóbrega é um rapsodo, uma figura anacrônica, não porque não pertença a esta época, mas porque, fugindo aos modismos, está para além dela.

Lindy Cardoso disse...

Rogério, minha avó vive falando desse Lunário, mas com outro nome: almanaque. Creio q ela esqueceu o título do almanaque e por isso se dirige a ele dessa forma.
Lindo espetáculo. Gostaria de voltar ao tempo para apreciar o Lunário.
E, ainda bem, que nasci no povo. Ainda bem, que sou do povo! Então, sou povo.
Abç

Unknown disse...

Lindy,

que bom saber que o povo ainda se reconhece nas manifestações artísticas mais íntimas. sua avó é herdeira direta de veneradas civilizações que acumularam um rico acervo cultural... você, eu e todos que ainda se admiram com o talento popular, tem hoje grande responsabilidade em perenizar essa cultura. obrigado pela visita.

Unknown disse...

Marcão,


onde você acha que eu fui beber para escrever esse texto? tudo, absolutamente tudo, o que sei aprendi com você. você não é apenas um amigo é também o meu faroleiro. se essa nau ainda navega, muito se deve às suas correções de rumo, de outra sorte eu já teria soçobrado. obrigado por sua amizade. serei eternamente grato por ela.