Foto: Alécio de Andrade
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As pessoas, com frequência, pedem-me que
sugira algum livro para lerem. Por motivos vários não gosto de indicar
leituras. São demasiadamente pessoais as razões que levam alguém aos livros. Alguns
vão lá porque buscam um passatempo, uma fuga, umas horas preenchidas enquanto
algo mais “útil” não chega. Outros esperam com eles iluminarem as incertezas.
Tem ainda os que pensam que a leitura é uma coisa maçante, mas mesmo assim eles
insistirão na indicação, pois supõe com isso, estarem construindo uma imagem de
gente fina e elegante, só porque finge gostar de ler, o que não é verdade. Nenhuma
dessas pessoas tem a ver com as simpatias literárias que nutro por este ou
aquele autor, nem de longe comungam com as ideias que tenho de literatura. Como
pois serei eu as lhes conduzir os livros necessários? Por isso me recuso a
indicar leituras a alguém, os livros são coisas muito íntimas. Estão cá do lado
esquerdo e não se mostram para duas pessoas da mesma maneira. Essa é uma razão.
Mas existe outra.
Quando as pessoas insistem, teimando na
indicação de um livro, mesmo eu lhe dando todas as desculpas do mundo para não
lhes indicar coisa alguma, surge aí meu lado mais mefistofélico. E sinceramente
eu não gosto quando isso acontece. Nesse momento dou a indicação pensando em
fazer com que a leitura seja o momento mais desequilibrante que alguém jamais supôs
viver na vida. Inverto os polos de interesse que, imagino fazer a cabeça de
alguém, e sugiro leituras que vão na contramão do que cuido ser o desejo
daquele alguém, que aporrinha a minha paciência, com coisas que sei, não lhes
pinicam.
Sendo angelicais e castas, sugiro as
leituras mais depravadas e insanas da literatura, Henry Miller e Dalton
Trevisan. Sendo carolas, me apraz ver sua santidade posta à prova quando se veem
enfronhada aos lençóis da perversão sexual e surdas de tanto ouvirem os gemidos
dolorosos saídos da cabeça nervosa do Marquês de Sade ou Guilleragues, suposto
autor da história da freirinha portuguesa que tem delírios eróticos com um
oficial francês enquanto se encontra no claustro servindo a Cristo. Podem lá
apanhar coisas uteis as pudicas, quando não estiverem de joelhos no regaço do
Senhor, é claro. Se forem moralistas e se escandalizarem fácil com os adeptos
de alucinógenos, aí falo sem parar das qualidades literárias inequívocas de um Thomas
de Quincey ou de um Hunter S. Thompson. Sendo politicamente corretas indico sem
pestanejar o americano Philip Roth. Os fúteis e consumistas sugiro o autor de “Ambição
no Deserto”, Albert Cossery para quem os personagens que criou não tinha outro
interesse senão falhar nos propósitos de se estar bem posicionado na vida,
porque acreditava o autor, que o que matava as pessoas era a ambição desmedida
que campeia no mundo do consumismo. Como veem a boa literatura não se faz com
boas intenções. Então não é buscando conteúdos deliberados que as pessoas encontrarão
os sentidos necessários ao entendimento da literatura. Mas as pessoas não estão
dispostas a encararem a literatura nessa perspectiva. Vão a ela, cônscia de
seus lugares no mundo. E aí esperam sempre encontrarem-se nos livros que não
leram. Quando isso não acontece, frustram seu interesse e refugam ao encararem
aquilo que se esforçaram tanto em maquilar.
Portanto sabendo que não gosto que me
peçam indicações literárias não o façam. Não me peçam que sugiram-lhes leituras.
Posso estar, sem querer, lhe dizendo o que penso de você.
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