.Giuseppe Arcimboldo
A literatura, mesmo a mais aparentemente idiota, é tão descompromissada ou desinteressada quanto parece ou atende a interesses maiores, e por isso, se disfarça de menor abandonado para seduzir os mais incautos, enredando-o em um sutil e atraente discurso? A resposta a essa questão trás sem dúvida outras questões muito maiores do que a primeira.
Para tornar-se válida a literatura tem necessariamente que encouraçar uma causa, empunhar uma bandeira ou se solidarizar com os desafortunados do mundo? Alguém legítima alguma coisa investindo nessas boas intenções? Quanto dessas boas intenções também não guarda interesses escusos? A literatura é tão despretensiosa ao ponto de não estimular nenhum valor ou interrese de grupos? Essas e outras questões surgem sempre quando estão em debate o papel e os interesses da literatura na sociedade.
Chamo a atenção para essas questões a propósito de uma discussão que envolve política e literatura. No centro dessa discussão está o livro Lendo Lolita em Teerã da escritora iraniana Azar Nafisi, um livro que em 2010 dividiu as opiniões de críticos e especialistas, ao reposicionar a discussão do papel da literatura na sociedade moderna no centro dos debates político-literários.
Lendo Lolita em Teerã, editado no Brasil pela Record, nos conduz à intimidade de oito mulheres que desobedecendo às determinações culturais rígidas de seu país, que proíbe a leitura de obras Ocidentais, se reúnem secretamente para ler os clássicos Orgulho e Preconceito, Madame Bovary e claro o livro que dá título a obra, Lolita do escritor russo Vladmir Nabokov. O livro ao mesmo tempo em que exalta a liberdade e o amor à literatura, abrevia, segundo os críticos, a sociedade iraniana a clichês ocidentalizados. Ao reduzir a sociedade iraniana contemporânea a tintas tão desfavoráveis, alguns críticos, dizem que a autora abre caminha para o projeto neocolonialista implementado pelos EUA na região mais próspera em petróleo do mundo.
Azar Nafizi foi professora de Literatura na Universidade de Teerã antes de ser expulso por se recusar a usa o véu, tradicional símbolo de castidade feminina desde que a Revolução Islâmica liderado pelo aiatolá Khomeine tomou o poder no país persa. Morando nos Estados Unidos desde 1997, ela leciona na Universidade Johns Hopkins. Crítica da política dos aiatolás, Nafizi desde que foi expulsa de seu país, vem acompanhando de perto a política de Mahmoud Ahmadinejad. Em um artigo publicado no ano passado no jornal The Huffington Post, ela condenou o apedrejamento de Sakineh Mohammadi Ashtiani, sentenciada por suposto adultério, crime punido com a morte nos países islâmicos.
A despeito do tema da liberdade e do apreço à literatura, abordado em seu livro, Nafizi vem recebendo duras críticas por sua relação, pra lá de suspeita, com as esferas do poder em Washington com interesses nos recursos naturias abundantes no país dos aiatolás. A autora se defende das acusações dizendo estar mais interessada em literatura do que em política.
Esse caso ilustra o jogo de relações que envolvem a literatura numa rede em que forças excluem-se e se atraem mutuamente. Enquanto os críticos julgam a obra por seu suposto envolvimento na defesa de interesses neocolonialista. A autora rebate afirmando que o que faz é apenas literatura.
É sem dúvida, imprudente, impor aos escritores os temas e o tratamento que esses devam dar à sua obra. O leitor é quem deveria julgar a causa. Mas, o leitor está atento a esses fatos ou ignora completamente essa discussão? Mais dúvidas.
Sem uma resposta satisfatória à primeira vista, a causa toda parece se resumir ao desgastado clichê que afirma ser uma questão - engajar-se ou não - meramente de ponto de vista.
Tenho cá meus receios a ideia de que a literatura seja tão despretensiosa como querem alguns. O julgamento do quanto ela interfere na minha visão de mundo, seja para elevá-lo a uma consciência esclarecedora ou escamotear à razão, é que parece ser a verdadeira causa em questão. Não há dúvida de que em sendo um discurso, ela, influi, positiva ou negativamente na minha vida, mas até que ponto e em quais formas isso acontece é o que me inquieta.
Um comentário:
Rogério, amigo!
Não creio q consigamos ficar imunes ao meio q nos cerca. Como um escritor conseguiria?
Até q ponto a arte é só arte, se ela contem o olhar ou percepção de mundo do autor?
Se parte da literatura se baseia no conceito de mimese ou verossimilhança não estaria nela as questões do mundo real também expressos?
Eta q sou texto está saboroso!
bjs
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