Olhar à volta.



Para melhor perceber as coisas precisamos de algum distanciamento. Além disso a imagem vista de muito perto, não nos dá uma perspectiva do todo. A esse propósito, lembro o José Saramago. No documentário Janela da Alma, ele diz de uma revelação que teve certa vez, em que foi forçado a mudar de lugar no meio de uma apresentação de ópera. Ele era grande apreciador dos espetáculos. Ia sempre à Ópera Real de Lisboa. Tanto que já tinha uma cadeira cativa em frente ao palco. Certo dia, ao chegar ao teatro, encontrou a sua cadeira ocupada. Com alguma resistência ele foi convidado a sentar-se num dos nichos contíguos ao palco. De lá, deslocado do seu ponto de vista habitual, ele viu o que nunca antes havia visto antes. O palco de cima e por trás. Aquele ambiente que respirava ares monárquico, visto de outro ângulo, pareceu-lhe sujo, empoeirado e nada agradável. E de fato o era. A imagem dos espectadores da plateia não lhes permitem ver além dos cenários montados e dos atores interpretando. Da cadeira cativa de onde sempre via os espetáculos tudo era suntuoso e limpo. De seu novo ponto a realidade era outra, bem menos nobre. Aí surgiu-lhe a mente a ideia de que, para conhecer mesmo uma coisa, verdadeiramente, precisamos todos de "dar-lhe a volta". Contornar os objetos para deles tirar melhores conclusões. Assegurar-se de que ela não é apenas uma fachada bonita, feita para impressionar, mas que também, em volta pode esconde coisas menos nobres, que denunciem melhor o seu todo. 

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