Há textos que se eternizam. Os anos passam, os
homens nascem, morrem e os livros sobrevivem a todos. Por isso que a boa
literatura é uma arte atemporal.
Cyrano de Bergerac é certamente um desses livros.
Sua história é simples. Ela narra a malfada sorte de um homem apaixonado por
uma mulher.
Mas o livro não se resume a esse tema tão caro é
precioso a literatura: o amor mal correspondido. Ele dá voltas em outros
valiosos e indispensáveis temas.
Um dos melhores momentos da trama, ocorre quando o
inabalável caráter do herói, Cyrano de Bergerac, é posto em xeque por um
corrupto senhor que o quer servil aos seus desmandos.
A liberdade individual é então ardorosamente
defendida por Cyrano num dos mais lindos e contundentes monólogos da
literatura.
Neste momento histórico em que o Brasil se encontra,
esta mensagem deixada por Cyrano, bem nos pode serve de lição para nos
recusarmos a vivermos de esmolas daqueles que nos querem sempre bajulando os
seus favores.
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Não, muito obrigado!
Mas que fazer então?
Buscar um protetor poderoso, um patrão?
Ser como a hera que enlaça o carvalho robusto,
E lambe-lhe a cortiça e trepa então sem custo?
Usar, para atingir o cimo desejado,
de astúcia em vez de força? Oh! Não, muito obrigado.
Entrar para o canil dos poetas rafeiros,
Como eles dedicar versos aos financeiros
E fazer de bufão para que um potentado
Haja por bem servir? Oh! Não, muito obrigado.
Almoçar, cada dia, um sapo sem ter nojo,
Rustir o ventre por andar sempre de bojo,
Ter a rótula suja e fazer menos mal
Prontas deslocações da coluna dorsal?
Não, obrigado. Trazer o incensório suspenso
A um ídolo que viva entre nuvens de incenso?
Ganhar celebridade, aplausos e coroas
Num círculo de trinta ou quarenta pessoas?
Navegar, tendo em vez de remos madrigais
E, a tufarem-se a vela, os suspiros fatais
Das velhas, num derriço? Não, muito obrigado.
Ganhar fama de autor por haver publicado
Meus versos, mas pagando o livro aos editores?
Não, obrigado. Viver de esmolas e favores,
Como fazem alguns sandeus? Ver se alcanço renome
Com um soneto, se tanto, em vez de fazer mil,
Achar muito talento em qualquer imbecil?
Não, obrigado. Ter medo aos jornais, ser amigo
De elogios, dizer de mim para comigo:
“Ah, se o meu nome sair no jornal deste mês”!...
Calcular, ter na face impressa a palidez
Dos poltrões, preferir fazer uma visita
A bordar, carinhoso, uma estrofe bonita,
Ser da matilha, hedionda e vil, dos pretendentes,
Redigir petições e mendigar presentes?
Não, obrigado. Não, obrigado. Não, obrigado.
Mas...cantar. Mas viver num sonho alcandorado,
Calmo e feliz, o olhar seguro, a voz vibrante,
De quando em vez e, por capricho, petulante,
Por de trevés o feltro, e por um quase nada,
Dar um beijo na Musa ou dar uma estocada.
Nem um verso escrever que a mim me não pertença,
E apesar disso tudo, uma modéstia imensa:
Pagar-me com uma flor, ou um fruto apetecido,
Contanto que no meu pomar seja colhido,
E se enfim algum triunfo vier, mediante a sorte,
Não devê-lo a algum César por ser parte da corte.
E, em suma, desdenhando a hera vil que se esconde,
Não conseguindo ser o roble, cuja fronde
Mora perto do Azul e distante do pó,
Subir pouco, mas só, completamente só.