A literatura promove
encontros estranhos. Um deles ocorreu entre Chico Buarque e João Cabral de Melo
Neto. Chico Buarque de Holanda é o maior compositor lírico desse país. E
justamente ele, que sempre carregou a sua poesia de um transbordamento de
emoções e sentimentos, foi se juntou ao maior poeta anti-lírico do país para
criar uma parceria improvável. Em 1965 Chico, então com pouco mais de vinte anos,
foi convidado pelo diretor do TUCA, Roberto Freire, para musicar o poema que a companhia
estava adaptando para o teatro. Daí nasceu o musical MORTE E VIDA SEVERINA. Um
dos raros poemas de João Cabral que suporta música. Cabral, como todos sabem,
era um poeta avesso a musicalidade, e se esforçou a vida inteira, para impedir
que sua poesia expressasse alguma melodia involuntária. Ele acreditava que a
musicalidade e o ritmo melódico de um poema, dispersava a atenção do leitor e o
distanciava dos conteúdos poéticos necessários para compreensão da narrativa. Através
da rima toante, frequentemente empregado pelo poeta em sua poesia para suprimir
a música, a sua linguagem tornou-se uma marca de expressão individual que o
distinguia de todos os poetas nacionais. Todos que ouvem um poema cabralino
identificam de pronto a sua dicção. Ela é áspera, árida e seca, como as
paisagens descritas em seus poemas. Em seu mundo particular, quase não se ouve
nada, mas se ver muito. João Cabral optou pelo visual ao excluir os sons de
seus poemas. A façanha dessa poesia foi a de se afastar daquilo que os legisladores
literários sempre recomendaram: uma poesia direcionada aos sentimentos. Mas a
poesia de João Cabral tomou o seu próprio rumo. Rebelou-se contra o poeta e
revelou a sua face musical graças a genialidade de Chico Buarque que
desentranhou das pedras cabralina, sons e emoções que o poeta jamais imaginou
que elas contivessem.
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