Foto: Lucien Clergue, 1965
.
"Fiz a aprendizagem da minha
condição e, com passividade absoluta, acatei leis antigas. Aprendi o meu papel
no casamento e na cama. Fui uma deusa morta, não uma mulher viva. Distribuí
sorrisos, fiz sopas, massas guisadas, bolos de erva-doce, lavei copos e pratos,
estendi cuecas, meias, lençóis; à noite, abri as pernas, arfei de cansaço e
aborrecimento, recebi o esperma conjugal, virei-me para o lado e adormeci. Mas
a máscara ainda não estava enterrada na carne do meu rosto. Numa noite de
Verão, raspei os nós dos dedos na parede até os ver sangrar, mordi os braços,
cuspi no espelho, arranquei a roupa do corpo e, assim nua, fugi. Uma
desconhecida encontrou-me no largo da aldeia, encolhida junto de um canteiro de
goivos. Levou-me para casa, lavou-me as feridas. Depois, sem nada perguntar,
explicou-me o óbvio: não há maior tragédia na vida de uma mulher do que a
renúncia; antes o desespero e a loucura."
Invocando imagens dolorosas, Ana Cássia
Rebelo, reclama um desfasamento da condição do feminino às práticas de
submissão a um modo de vida opressivo. Seus textos me
encantam. Sua escrita me desenfastia da realidade e me proporciona perspectivas
novas entre coisas mínimas.Como é bom lê-la. Como é bom encontrar
uma escritora de verdade.
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