Walt Whitman celebrou em sua literatura
a liberdade, a espontaneidade, a rebeldia, o sofrimento, contra uma ordem
institucional dominada por valores hipócritas e uma racionalidade utilitária.
Mais importante do que o prazer, era a liberdade e a possibilidade de sermos
nós próprios nem que fosse à custa de sacrifícios e sofrimentos. Fernando
Pessoa, discípulo confesso de Whitman celebrou a sua lição com um poema
arrebatador que em tudo dignifica os ensinamentos do mestre.
SAUDAÇÃO A WALT WHITMAN
(...)
Nunca posso ler os teus versos a fio... Há ali
sentir de mais...
Atravesso os teus versos como a uma multidão aos
encontrões a mim,
E cheira-me a suor, a óleos, a actividade humana e
mecânica
Nos teus versos, a certa altura não sei se leio ou
se vivo,
Não sei se o meu lugar real é no mundo ou nos teus
versos,
Não sei se estou aqui, de pé sobre a terra natural,
Ou de cabeça p’ra baixo, pendurado numa espécie de
estabelecimento,
No tecto natural da tua inspiração de tropel,
No centro do tecto da tua intensidade inacessível.
Abram-me todas as portas!
Por força que hei-de passar!
Minha senha? Walt Whitman!
Mas não dou senha nenhuma...
Passo sem explicações...
Se for preciso meto dentro as portas...
Sim — eu franzino e civilizado, meto dentro as
portas,
Porque neste momento não sou franzino nem
civilizado,
Sou EU, um universo pensante de carne e osso,
querendo passar,
E que há-de passar por força, porque quando quero
passar sou Deus!
Tirem esse lixo da minha frente!
Metam-me em gavetas essas emoções!
Daqui p’ra fora, políticos, literatos,
Comerciantes pacatos, polícia, meretrizes,
souteneurs,
Tudo isso é a letra que mata, não o espírito que dá
a vida.
O espírito que dá a vida neste momento sou EU!
Que nenhum filho da puta se me atravesse no caminho!
O meu caminho é pelo infinito fora até chegar ao
fim!
Se sou capaz de chegar ao fim ou não, não é contigo,
deixa-me ir...
É comigo, com Deus, com o sentido-eu da palavra
Infinito...
Prá frente!
Meto esporas!
Sinto as esporas, sou o próprio cavalo em que monto,
Porque eu, por minha vontade de me consubstanciar
com Deus,
Posso ser tudo, ou posso ser nada, ou qualquer
coisa,
Conforme me der na gana... Ninguém tem nada com
isso...
Loucura furiosa! Vontade de ganir, de saltar,
De urrar, zurrar, dar pulos, pinotes, gritos com o
corpo,
De me cramponner às rodas dos veículos e meter por
baixo,
De me meter adiante do giro do chicote que vai
bater,
De me (...)
De ser a cadela de todos os cães e eles não bastam,
De ser o volante de todas as máquinas e a velocidade
tem limite,
De ser o esmagado, o deixado, o deslocado, o
acabado,
E tudo para te cantar, para te saudar e (...)
Dança comigo, Walt, lá do outro mundo esta fúria,
Salta comigo neste batuque que esbarra com os
astros,
Cai comigo sem forças no chão,
Esbarra comigo tonto nas paredes,
Parte-te e esfrangalha-te comigo
E (...)
Em tudo, por tudo, à roda de tudo, sem tudo,
Raiva abstracta do corpo fazendo maelstroms na
alma...
Arre! Vamos lá prá frente!
Se o próprio Deus impede, vamos lá prá frente... Não
faz diferença...
Vamos lá prá frente
Vamos lá prá frente sem ser para parte nenhuma...
Infinito! Universo! Meta sem meta! Que importa?
Pum! pum! pum! pum! pum!
Agora, sim, partamos, vá lá prá frente, pum!
Pum
Pum
Heia...heia...heia...heia...heia...
(...)
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