O timoneiro do mundo

“Timão: Ouro amarelo, fulgurante, ouro precioso! (...) Basta uma porção dele para fazer do preto, branco; do feio, belo; do errado, certo; do baixo, nobre; do velho, jovem; do cobarde, valente. Ó deuses!, por que isso? O que é isso, ó deuses? (...) [O ouro] arrasta os sacerdotes e os servos para longe do seu altar, arranca o travesseiro onde repousa a cabeça dos íntegros. Esse escravo dourado ata e desata vínculos sagrados; abençoa o amaldiçoado; torna adorável a lepra repugnante; nomeia ladrões e confere-lhes títulos, genuflexões e a aprovação na bancada dos senadores. É isso que faz a viúva anciã casar-se de novo (...). Venha, mineral execrável, prostituta vil da humanidade (...) eu o farei executar o que é próprio da sua natureza”.

William Shakespeare, in "Timão de Atenas"


Sempre achei que a literatura não fosse apenas o repositório de vaidades de alguns homens tentando mostrar virtudes linguísticas, mas que por trás do estético algumas verdades e gestos humanos se descortinassem. Todas as vezes que leio um livro tenho em conta que o real é fantasioso, maquiavélico, embrutecedor, farsante. Como disse o peruano Mario Vargas Llosa há mais verdades nas mentiras da literatura do que no mundo. Alguns usam a literatura como pura recreação despretensiosas. Intentam assim uma fuga às suas angustias e pesadelos. Eu não ignoro essas qualidades, mas a mim elas são bem mais diversas.

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