De repente Romeu ficou assexuado como os anjinhos das catedrais


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Como forma de ajustar os passos da sociedade ao ritmo do sistema, todos os regimes de exceção, indistintamente, praticaram a censura contra a literatura, o teatro, o cinema e outras expressões. Ditadores, reis, e governantes autoritários, desconfiaram sempre das histórias narradas pelos artistas. Elas poderiam como fez Shakespeare em Hamlet, desmascarar as tiranias dos lideres e constranger os governantes perante os súditos. 

A livre expressão do pensamento, desde sempre, constituiu assim, a esses regimes, uma ameaça devastadora, que devia ser combatido a qualquer custo. Não à toa, todos eles mantiveram formas de interdição, que, se não extinguiram de todo a livre circulação das ideias - como bem pretendiam os déspotas - serviu para mantê-las nos guetos, bem longe do grande público.  

Não faltam exemplos na história de perseguições, ameaças, torturas e degredo àqueles que ousaram desrespeitar as convenções. Em 1938 o poeta russo Óssip Mandelstam foi enviado a um Gulag e lá morreu por ter afrontado o ditador soviético Stalin, com um poema satírico. Stalin, alias, mantinha uma extensa rede de espionagem para assegurar o silêncio dos artistas e esconder assim, as atrocidades promovidas por ele nos campos de concentração. 

Investir contra a literatura não é mais um ato do passado. Nem são mais privilégios de ditadores. A cada dia uma nova e assustadora notícia de interdição assalta a crença de que já evoluímos o bastante para não atacar as artes. Primeiro foi a censura do CNE conta os livros de Monteiro Lobato, supostamente acusado de racismo. Depois veio a notícia de que o mesmo já havia ocorrido nos EUA quando escolas recusaramas obras de Mark Twain pelo mesmo motivo. Na França Hergé, autor de Tintim também não escapou a sanha moralizante, que prefere destituir a liberdade de expressão e artística, a discutir com seriedade as contribuições desses mestres para formação de gerações e mais gerações de leitores. 

Agora chega a notícia de que nos EUA - mais uma vez - algumas escolas estão fazendo ediçõesespeciais de Shakespeare com o intuito de eliminar, qualquer menção em suas obras, a atos libidinosos. Assim, palavras como pênis, vagina e suas congêneres, simplesmente sumiram. 

Ora como isso pode ser tolerado? Em que mundo de merda nós estamos? Excluir essas palavras do texto literário não assegura ao adolescente que ele não será promiscuo, tarado ou coisa pior - presumindo que esse seja o objetivo da censura. O psicanalista infantil Bruno Bettelheim em seu livro       A PSICANÁLISE DOS CONTOS DE FADAS, escreveu que “a cultura dominante deseja fingir, particularmente no que se refere às crianças, que o lado obscuro do homem não existe, e professa a crença num aprimoramento otimista”. 

Muito embora todas as pessoas nasçam através do ato sexual e isso seja muito natural para boa parte da população, alguns, ilustres guardiões da decência preferem fingir que o mundo é outro. Muitos pais, afirma BETTELHEIM, acreditam que só suprimindo realidades desagradáveis e reforçando os aspectos positivos da vida, assegurarão uma vida sem angustias aos filhos. Uma “dieta unilateral nutre apenas unilateralmente o espírito, e a vida real não é só sorriso”, conclui o psicanalista. 

Sobre qualquer pretexto a censura é um ato de violência que não pode ser tolerado pela sociedade. Ela se constitui numa afronta à liberdade e ameaça a pluralidade de ideias que são as bases de sustentação da sociedade moderna. Essas ações são reveladoras. Elas ilustram que não apenas os regimes autoritários, mas também, e infelizmente, a sociedade livre não tem a menor ideia do que seja arte e suas funções. 

A arte, quando recria o mundo em suas narrativas, não faz nada mais do que reproduzir de forma fictícia o que é produzido pelo homem. E o que é produzido pelo homem tem lá o seu quinhão de beleza, mas abunda também, uma asquerosa face que duela com os encantos. Não serão as ações dos censores, que evitarão qualquer desvio moral e restaurarão uma pretensa natureza bondosa do homem. Esqueçam. Então, não dever ser ela (a arte), que revela ao homem a si mesmo e ao mundo, que deva ser censurada. Antes, cabe ao homem, segundo seu arbítrio e individualidade, repudiar qualquer ação nociva e que exponha a sociedade ao perigo.  

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro Rogério, isso me deixa...(não encontro um adjetivo para expressar o que sinto).
Hipocrisia é pouco!
Penso que retirar da literatura palavras "sujas" que promovem atos libidinosos não vai ajudar muito no objetivo de privar os adolescentes de experimentarem os prazeres da carne de modo irresponsável e imaturo. Afinal, o BBB, filmes americanos, novelinhas "teens" estão aí para influenciar o inverso.
Portanto, hipocrisia total!