Adernar na praia - Como a revolução cubana quase naufragou

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Os feitos históricos, as grandes revoluções, remetem-nos sempre às imagens de destemidos e heroicos momentos. Napoleão cruzando os Alpes no passo de Grande São Bernardo, na representação de Jacques-Louis David montado num imponente cavalo apontando para o alto incendiando a marcha do seu exército para vitória. Não se pensa nesses gestos com riso no rosto. Ante a morte iminente, que precede as batalhas, o riso se acanha. Porém, muitos dos atos heroicos mais notáveis têm um cadinho de ridículo, um quê de risível e cena pastelão. Alguns desses momentos prestam homenagem a Quixote.  

Ao recordar os passos dos revolucionários cubanos, liderados por Fidel Castro, na invasão que iniciou o levante contra a ditadura de Fulgêncio Batista, em 1956, o fotógrafo da revolução Alberto Korda, recordando as palavras de Che a propósito da travessia entre o México, onde os revoltosos estavam, até Cuba, conta as peripécias rocambolescas enfrentadas pelos revolucionários, até a tomada do poder, pelos destemidos barbudos.  

Em dado momento, com indisfarçável ironia, Che lembrou a Korda que o navio que transportava as esperanças de um mundo justo para Cuba quase não chegou ao seu destino. A travessia foi marcada por reveses cômicos. No meio do caminho, lembra Che, “os homens com expressão angustiada, apertavam seus estômagos com as mãos, enquanto metiam suas cabeças dentro de baldes”. 

A certa altura da viagem o navio avariou. As bombas hidráulicas que movia o Gramna, um pequeno iate de doze metros, carregado de equipamentos e com 80 homens a bordo, pediu arrego. A água começou a ameaçar adernar o rocinante esperançoso. O jeito foi usar os baldes agora para outra tarefa. 

Por fim, no dia 2 de dezembro de 1956, 7 dias depois de ter saído de seu destino, o barco encalhou num lamaçal nas proximidades de um mangue, na costa de Cuba. “Foi necessário”, lembra Korda, “abandonar quase todo o equipamento e os víveres”. Che com seu humor sarcástico lembrou que “não foi bem um desembarque o que ocorreu, mas sim um naufrágio”. 

Haverá algo mais cômico do que o tropeço do herói no desembarque? Rimos, nos diz Bergson, do que foge à normalidade, à previsibilidade. Rimos daquilo que desvia da ordem natural das coisas. Imaginamos os revolucionários como homens de gestos certeiros, nobres e precisos, mas essa ordem de coisas está apenas na nossa mentalidade idealizada sobre as figura heroica. Os relatos de Korda restitui à nobreza dos infatigáveis combatentes uma coloração cômica que se contrasta com o que esperávamos que acontecesse. Nada na vida nos confirma que os fatos mais notáveis não possam nascer de atos falíveis.

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