Foto: Alfred Eisenstaedt, 1950
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Sempre que leio uma pessoa esclarecida
pedir o fim de um jornal ou uma revista, por mero capricho e divergência com
sua orientação ideológica, fico a pensar, que ainda estamos longe de
conquistarmos a democracia. Impressiona-me como ainda há quem sinta vontade de
puxar a pistola quando apanham por aí discursos que não convergem com a sua
ideia de mundo, com a sua imagem da política, da cultura, da religião e de
muitas outras formas de relações humanas.
Esses clamores incendiários, contra os
que pensam diferentes das vozes que orientam as consciências individuais, são
recorrentes nas ditaduras e em outras formas menos civilizadas de relação
social. Nas democracias o contraditório, o divergente, o ponto de vista
diferente, são, não apenas estimáveis, mas estimulados. Entende-se, nas
democracias, que os conflitos tem melhores resultados quando mediados pelo
debate de ideias e não pelo tacão das vontades individuais. Nenhuma ideia é subvalorizada,
nenhuma ideia é sobreposta a outra, os pontos de vistas são debatidos,
questionados, arguidos e se bastam pelo que nutrem de importante, não pela
força, pelo grito.
Pode não ser muito agradável tolerar
ideias que você julga intolerante, mas esse exercício, tão salutar quanto
necessário, será sempre melhor do que ter em vista, um reizinho regendo as
vontades de toda a gente, a maneira de um deus onipotente. Temos que ver o
ponto de vista de toda a gente, e não nos limitarmos a projetar os nossos
desejos e valores brutalmente sob os que pensam, diametralmente opostos a nós.
É estranho pensar um modelo ideal e único de ser humano. Mas é justamente esse modelo,
monocromático, de cultura, religião, e opiniões políticas que querem aqueles
que insistem em divergirem dos outros, aniquilando a sua existência.
Na mitologia grega há um personagem que
sujeita todas as pessoas, as mais dolorosas mutilações, somente porque elas não
se encaixam à sua sádica e perversa medida ideal. Procrustes, também chamado
Damastes e Polipémon, é o nome de um bandido que vivia na estrada que ligava
Mégara a Atenas. Os viajantes que por ali passavam, ele convidava para comer em
sua casa e oferecendo-lhes depois sua cama de ferro para que o incauto
descansasse nela, ele aproveitava essa ocasião, em que o desafortunado pegava
no sono, para amordaçá-lo a cama. Se o infeliz fosse maior do que a cama ele serravá-lhe
o “excesso”. Fosse menor do que a cama Procrustes esticava o desgraçado até que
este atingisse idêntica distância entre a cabeça e os pés, à medida da cama.
Não passa por minha cabeça que está ou
aquela revista, jornal ou outros médias são insuspeitos. Mas dá aí pedi-lhes o
fechamento não me parece sensato. Nenhum modelo político, cultural, religioso
tornou impossível pensar outras formas de convívio humano, mesmo que alguns de
seus membros insistam em pensar o contrário. Os limites serve apenas aos muitos
satisfeitos das coisas tais como estão.
A melhor forma de antagonizar com as
ideias opostas às nossas, é apontar-lhes as contradições, indagar-lhes os
valores. Como faremos isso com eles amordaçados. Deixar de ler os jornais, as revistas e outros médias pode ser outra
boa maneira de demonstrar nosso desagravo. “Se o rádio não toca a música que
você quer ouvir”, dizia Raulzito numa lição de tolerância e liberdade às
diferenças, “é muito simples, é só mudar a estação, é muito simples é só girar
o botão”. Submeter os outros a seguir os passos de um único individuo é andar a
arremedar os bufões.
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