ACARAJÉ, AXÉ E MUITA PREGUIÇA

Foto: Divulgação
“Baianidade Baiana”: mais um espetáculo
calcado nos estereótipos fáceis
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Téo Júnior*
teo.camp@hotmail.com

Numa cidade como Caetité, cuja tradição teatral é paupérrima, é um alento saber que um espetáculo foi exibido em três sessões, ainda que montado num espaço pequeno, como é o caso do Cine Teatro Anísio Teixeira (Pç. da Catedral, Centro). Nessas raríssimas ocasiões, a crítica se faz fundamental, pois entendemos que o papel dela não pode ser o da complacência ou o da subserviência em relação ao elenco, como normalmente acontece nas divulgações feitas pela mídia, sem critério algum; tampouco a crítica deva destruir um espetáculo, pura e simplesmente. Ela não existe para esses fins. No entanto, sua obrigação é a de analisar – sempre – com justiça aquilo que é oferecido ao público.

Não raro, as comédias apresentadas (muitas a preços populares, inclusive) estão calcadas sobre estereótipos, e os artistas perseguem o nobre objetivo de, sorrindo, refutá-los, já que esses estereótipos – e ninguém há de discordar – são gerados sobre ideias preconcebidas e alimentados pela ignorância. Assim sendo, faz-se necessário rechaçá-los a qualquer custo. Algumas dessas idéias, todos nós já conhecemos: baianos preguiçosos, nordestinos atabalhoados em cidades grandes, gays afetados excessivamente, loiras estúpidas etc. A regra não se aplica aqui, porém. Dir-se-ia que eles (Marcos Lima e Marcos Magno) se incomodam muito pouco com críticas em relação à sua cultura, e ambos a proclamam até com certo orgulho. Não é sempre assim.

O título da peça por si só já soa estranho, porque redundante: “Baianidade Baiana” (sic!), embora o tema nos interesse, num momento em que se discute até que ponto essa “guetificação” cultural é apropriada ou não. Qual seria a melhor identidade? A mais bonita? A “baianidade”, talvez? A “sergipanidade”?  A “mineiridade”? Assim sendo, analisamos por uma ótica separatista, como se esses locais fossem ilhas e não partes de um todo, de um painel diversificado e rico em múltiplos aspectos, como é o Brasil. Aliás, o próprio conceito de “brasilidade” está há muito batido, desde o surgimento – lá no Modernismo – de Tarsila do Amaral, conforme assinalou Mário de Andrade, que caracterizava seus quadros  como sendo a representação da “realidade nacional”.

Rodando a baiana – Abriu-se espaço para imitações de artistas, mencionando-se as diferenças abissais de classes, a negritude, o acarajé com pimenta, a sexualidade sem culpa, o linguajar por vezes tosco, mas autêntico e piadas. Ao final, ambos irmanaram-se com o auditório a fim de que nós, talvez não mergulhados suficientemente nesse universo quanto eles, adivinhássemos as músicas lembradas e por aí vai. É evidente que esse trabalho não é tão simples e eles provaram ser bons comediantes, mas o que a dupla realiza não pode ser considerado teatro, no sentido mais genérico do termo. Às vezes, existiam os diálogos, eles estavam lá, incisivos ao extremo – porque um assunto puxa outro – mas sempre caricaturais, é claro; todavia na maior parte da peça o que tivemos foi o famoso stand-up. Em suma, trata-se mais de um humorístico no estilo “A Praça é Nossa” do que propriamente de uma peça teatral.

O momento em que a sonoplasta (não foi informado o nome) interrompeu a apresentação a fim de se eximir das falhas incríveis do som que ela operava, foi de uma estupidez sem tamanho, e “Baianidade Baiana” pecou, assim, pelo menos na sexta-feira, pela falta de cuidado. Mas nesses casos, como eles se abrem a todo tipo de improvisação, não se considerou o descuido uma grande falha, pois ele não chegou a atrapalhar em nada.

A responsável pela peça foi a “Companhia Baiana de Risos” e a direção é de Alberto Damit e Marco Antonio Lucas. Ingressos: 20 reais.

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* Graduado em letras pela UNEB, foi professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS) atualmente desenvolve Projeto de Mestrado cujo tema é a dramaturgia de Nelson Rodrigues. É pesquisador de teatro. 

5 comentários:

Navegantes ao Mar disse...

O autor esclarece que essa crítica, por razões comercias, fora vetada pelo site iGuanambi. O autor, numa próxima oportunidade, irá escrever a respeito.
NAVEGANTES AO MAR

Anônimo disse...

Impressionante como por muitas vezes até o próprio ato de rir está sucumbido de vendas, como se estivéssemos de olhos e ouvidos tapados. Lendo sua crítica, lembrei-me do dia que a dupla de atores foram ao Campus VI convidar-nos a assistir a peça. Com muita vergonha, confesso não ter percebido em uma pequena apresentação que fizeram na sala a disseminação de uma ideia que fazem dos baianos, estereótipos que continuam a perpetuar o preconceito. Acho que o autor desta crítica foi muito feliz em suas observações, e, digo mais, agradeço por se transformar em lupa para os meus olhos que não conseguiram ver nas entrelinhas o que esses " risos" carregam de significado.

Roney Torres disse...

Sinceramente, eu não entendi até agora qual é o problema com a peça. Em nenhum momento dela foi endossado o preconceito. Tudo que eles mostraram é exatamente o que ocorre na cidade de Salvador. Penso que a gente tem que aprender a rir das nossas mazelas, e é isso que eles fazem. Mostraram a realidade com bom humor, mas sempre enfatizando que o preconceito deveria ser combatido. Em segundo lugar acho que é o que eles fizeram é teatro sim. Stand-up ou não, quando uma pessoa propõe-se a viver um personagem na frente de uma plateia, ela está fazendo teatro. O resto é convenção, terminologia desnecessária elitista que pensa que só Shakespeare faz teatro. Não é bem assim. Acho que faltou (muita) boa vontade da parte do autor do post para entender o que eles quiseram fazer ali.

Teobaldo Neto disse...

Feliz o autor em todas as suas palavras. Já sofremos por demais um processo de minimização das artes. O objetivo do filme, da música, da literatura, do quadro, ou do teatro, deixou de ser a arte e se transformou em mercadoria. Ri das mazelas na minha humilde opinião, não é a melhor forma de combatê-las. Adoro comédia, mas as que nos deixam com algumas pulgas atrás da orelha, e não o riso despretensioso, simples, apenas pelo ato de rir. Não vi a peça, por isso, não posso fazer comentários mais detidos, mas parabenizo o autor pela sagacidade das letras.

Teobaldo Neto disse...

Feliz o autor em todas as suas palavras. Já sofremos por demais um processo de minimização das artes. O objetivo do filme, da música, da literatura, do quadro, ou do teatro, deixou de ser a arte e se transformou em mercadoria. Ri das mazelas na minha humilde opinião, não é a melhor forma de combatê-las. Adoro comédia, mas as que nos deixam com algumas pulgas atrás da orelha, e não o riso despretensioso, simples, apenas pelo ato de rir. Não vi a peça, por isso, não posso fazer comentários mais detidos, mas parabenizo o autor pela sagacidade das letras.