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Deformam o texto, mutilam a literatura,
impor versões esdruxula, e dizem com isso que estão ensinando as pessoas a
pensar, só pode ser piada. Dessas ações só podem surgir as piores aberrações.
Versões anacrônicas com viés moralista desqualificam as potencialidades do
conto e de qualquer outra narrativa (vide o estado islâmico que ler o corão com
um olho escrutinador).
Hoje os contos, que os professores não
leem, só aparecem às crianças em versões amesquinhadas. Simplificadas de seus
significados mais profundos. Dão-se muito mais para especulações moralistas do
que para encorajamentos e enfrentamentos dos dilemas que as ameaçará no
percurso da vida. Servem antes ao panfletismo, do que auxiliam
a criança a desenvolver sua imaginação e estímulo à criatividade. Para encontrar um significado mais profundo, nos contos,
assegurou Bruno Bettelheim, devemos ser capazes de transcender os limites
estreitos. A simplificação rasteira serve a outros propósitos.
Além de desconhecerem os contos, que
muitas vezes só viram nas versões da Disney, desconhecem ainda os estudiosos do
tema. Mais isso não os demove de suas nobres tarefas de erradicar os supostos
preconceitos que esses contos disseminam. Em suas cabeças reinam apenas a
militância dos bons hábitos. Em que pese os danos dessas leituras, sem anteparo
de alguma memória histórica, essa pedagogia canhestra, ganha mais e mais adeptos.
No livro de Bruno Bettelheim que avalia as contribuições dos contos para a
psicologia das crianças ele afirma que:
“As
escolhas das crianças são baseadas não tanto sobre o certo versus o errado, mas sobre quem desperta sua simpatia e quem
desperta sua antipatia. O conto de fadas oferece soluções sob formas que a
criança pode apreender no seu nível de compreensão".
Portanto os contos falam da eterna
batalha do bem contra o mal. De forças destrutivas que ameaçam a vida. Os
contos ajudam as crianças a entenderem os difíceis dilemas da existência e as
ajudam a entender que nessa batalha haverá sempre a possibilidade de
enfrentamento das dificuldades. São tão pródigos em auxílio às consciências que
eram, segundo Bettelheim prescritos pelos velhos hindus como exercícios de
meditação:
“Num
conto de fadas, os processos internos são externalizados e tornam-se
compreensíveis enquanto representados pelas figuras da estória e seus
incidentes. Por esta razão, na medicina tradicional hindu um conto de fadas
personificando seu problema particular era oferecido para meditação a uma
pessoa desorientada psiquicamente. Esperava-se que meditando sobre a estória a
pessoa perturbada fosse levada a visualizar tanto a natureza do impasse
existencial que sofria, como a possibilidade de sua resolução. A partir do que
um conto específico implicava acerca de desesperos, esperanças e métodos do
homem para vencer tribulações, o paciente poderia descobrir não só um caminho
para fora de sua desgraça mas também um caminho para se encontrar, como fazia o
herói da estória”.
A tarefa do conto é ajudar a criança a
conseguir uma consciência mais madura para civilizar as pressões caóticas de
seu inconsciente. Retalhá-lo, ao mero discurso panfletário, é o mesmo que inutilizar a sua força.
“O
conto de fadas é terapêutico porque o paciente encontra sua própria solução
através da contemplação do que a estória parece implicar acerca de seus
conflitos internos neste momento da vida”.
Sobre a forma simbólica, que melhor fala
às crianças, os contos, sugerem que o mau não compensa, que as ações perversas não valem a pena. E que diante de uma grande dificuldade, de um obstáculo aparentemente intransponível, como
a luta contra um dragão, um lobo, um ogro ou um outro ser superior as suas
forças, ainda assim é possível vencer os seus problemas.
“O
conto de fadas é apresentado de um modo simples, caseiro; não fazem
solicitações ao leitor. Isto evita que até a menor das crianças se sinta
compelida a atuar de modo específico, e nunca a leva a se sentir inferior.
Longe de fazer solicitações, o conto de fadas reassegura, dá esperança para o
futuro, e oferece a promessa de um final feliz. Por esta razão, Lewis Carrol
chamou-o um ´presente de amor´".
Impor uma leitura miúda da história para
atender uma pauta moralista é o mesmo que esvaziar o conto de seu sentido profundo
que reside na busca de uma verdadeira consciência de nossa existência. "Hoje, como no passado, a tarefa mais
importante e também mais difícil na criação de uma criança é ajudá-la a
encontrar significado na vida. "
...
No momento em que seus lábios a tocaram, a princesa abriu os olhos e,
despertando, contemplou-o com TERNURA.
No trecho acima temos o momento em que o príncipe acorda a princesa.
No trecho acima temos o momento em que o príncipe acorda a princesa.
Uma visão desinformada dos contos vê
neste tipo de cena uma realização de desejos irrealistas, esquecendo completamente
a mensagem importante que transmitem os contos às criança.
A julgar pelas lições dadas nas escolas
as obras literárias torna-se dia a dia um mero instrumento utilitário e
informativo de programas panfletários; não se distinguiria hoje um romance de
uma lista telefônica; um poema, de uma caixa de medicamentos. A obra literária
serve a tudo, menos a arte.
Leituras pedestres, criam leitores
pedestres.
As leituras esquizofrênicas propugnam uma
leitura voltada aos temas políticos, uma espécie de literatura engajada. Nessa
nova versão de leitura tudo o que não está voltado aos temas em pauta é
simplesmente ignorado. A literatura perde sua completa autonomia e sujeita-se a
uma pauta alheia onde o autor da obra e leitor devem ser ambos tutelados.
Cria-se com isso uma literatura mostruário, bem aos moldes daquela ação papal
que mandou encobrir todas as vergonhas das estátuas do Vaticano porque eram
"imorais", ignorando simplesmente que elas estavam dentro de um
contexto que muito provavelmente não lhes cabiam na cabeça.
Os professores tirariam melhor proveito
da obra se a presumissem fora de seus programas reducionistas. Os contos têm
melhor eficiência quando não são vistos pela ótica de cenas isoladas,
capciosamente iluminadas para parecer sugerir o que definitivamente não sugerem.
Essas leituras amortecem os sentidos e roubam-lhes todos os significados mais
profundos, como os que:
“...sugerem
as experiências que são necessárias para desenvolver (na criança) ainda mais o
seu caráter. Os contos de fadas declaram que uma vida compensadora e boa está
ao alcance da pessoa apesar da adversidade - mas apenas se ela não se intimidar
com as lutas do destino, sem as quais nunca se adquire verdadeira identidade. Estas
estórias prometem à criança que, se ela ousar se engajar nesta busca
atemorizante, os poderes benevolentes virão em sua ajuda, e ela o conseguirá.
As estórias também advertem que os muito temerosos e de mente medíocre, que não
se arriscam a se encontrar, devem se estabelecer numa existência monótona - se
um destino ainda pior não recair sobre eles.”
A esquizofrenia das leituras políticas
chegou ao ponto de vivermos a obra para “catar” registros de condutas, desvios
de programas, metáforas insidiosas, esquecendo-se de todo o resto. Há um delírio
de listas, de prescrições que querem influir a toda gente um peso de culpa às
obras literárias.
A visão reducionista das histórias ao predomínio
dos temas de configurações morais e políticas, alijou os contos, no que eles
tem de mais proveitoso: “ajudar as
crianças na tarefa de conseguir uma
consciência mais madura para civilizar as pressões caóticas de seu inconsciente”.
O programa dos Estudos Culturais em sua
versão atual torna toda e qualquer obra, especialmente aquelas de origem
europeia em um panfleto dos discursos de dominação do imperialismo em sua forma
mais insidiosa. Sobre as pressões desses discursos estapafúrdios esvaziamos as potencialidades
dos melhores textos literários apenas para sujeitá-los aos modismos.
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