Cena do filme: A lenda do tesouro perdido.
Vi ontem, um daqueles blackbuster
americano feito na medida para atrair o público às salas de cinema. Como todos
sabem esses filmes seguem um receituário estrito de ingredientes. Os elementos desse
angu se restringem basicamente a: astros consagrados como protagonistas;
mocinhas com potencial para capas de revista teen; ajudantes bobalhões em meio a uma enrascada que envolva o
maior número possível de encrenca cujo final é tão previsível quanto saber de que
lado está o PMDB na política nacional.
De tão ingênuos muitos dirão que eles
são inofensivos e incapazes de causar danos. Uma diversão despretensiosa jamais
será capaz de provocar qualquer lesão contra à inteligência daqueles que vão assistir
a estes filmes. É o que ouvimos. Afinal quem assiste a estes filmes sabem - ou
imaginamos que eles saibam - de véspera, o que os aguardam. São como as novelas
da Globo que há quarenta anos contam a mesma história. O que muda são apenas os
ambientes, as épocas e, eventualmente, os efeitos. O que pode a repetição de
padrões tão insistentes?
Porém, de bobinhos estes filmes não têm
nada. Não são apenas máquinas de fazer dinheiro que alimentam uma indústria
bilionária. São porta-vozes de um modo de vida e de uma cultura que, desde o
último século, vêm moldando as outras culturas, com a força de narrativas que,
tentam legitimar as suas ações perante o mundo através de um discurso obstinado,
pela crença de que estão fadados a um certo destino. Feitos com o argumento de
que estarão entretendo estes filmes transmitem muito mais do que diversão.
O Lenda do Tesouro Perdido, filme que vi
nesse feriado de carnaval, tem Nicolas Cage vivendo um caçador de tesouros.
Cage pertence a 3ª geração de uma família que busca desvendar os mistérios
envolvendo um obscuro tesouro, que poucos acreditam existir. Acumulado durante vários
séculos e transportado por muitos continentes para evitar que fosse roubado, ou
que caísse em mãos espúrias, esse tesouro está provavelmente agora guardado em
solo Americano. A trama é tecida
sugerindo a ideia de que esse tesouro que ajudou antigas civilizações no
processo de consolidação de suas nações e expansão de seus domínios caiu como
um fadário ao povo americano.
Disfarçados sob o manto do
entretenimento esse e outros tantos filmes de aventura incutem a velha
ideologia americana do “Destino Manifesto”. Esse pensamento que surgiu nos
primeiros anos após a independência propugna a crença de que o povo dos Estados
Unidos são o mais novo povo eleito por Deus para civilizar o mundo. O tesouro
buscado por Gates no filme que pertenceu a antigas civilizações, hoje está em
posse dos Americanos. Os saberes do mundo, as riquezas das nações, os antigos
caminhos, tudo pertence agora aos americanos.
Pintura de John
Gast. Representação pictórica do Destino Manifesto. Na cena, uma mulher angelical, algumas vezes identificada como
Colúmbia, (uma personificação dos Estados Unidos do século XIX), segurando um
livro escolar, leva a civilização para o oeste, com colonos americanos,
prendendo cabos telegráficos, por outro lado, povos nativos e animais selvagens
são afugentados.(fonte Wikipedia)
Algumas cenas do filme reforçam de forma
implícita o destino manifesto do povo americano. Quando Gates tem que roubar a
declaração de independência do arquivo nacional para evitar que bandidos o
façam ele evoca o discurso dos patriarcas que diziam:
...sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva, cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la e instituir novo governo, baseando-o em tais princípios e organizando-lhe os poderes pela forma que lhe pareça mais conveniente para realizar-lhe a segurança e a felicidade.
Através desse discurso os americanos
evocam para si a responsabilidade de supostamente defender os povos do mundo
contra os governos “destrutivos”. Agindo assim eles se sentem justificados para
atacarem todos os que se voltem contra os princípios da liberdade. Mas fazem
isso na verdade para manutenção de sua influência.
Os filmes americanos induzem a crença
nos milhares de espectadores que os prestigiam pelo mundo, de que suas ações no
mundo são movidas - assim como Gates que tem de infringir a ordem das coisas
para restaurar um bem maior - pelas mais
genuínas e nobres intenções. Por essa crença eles legitimam as invasões de
países. Atentam contra a soberania dos povos. Desrespeitam culturas e mesmo
assim acreditam na sua pureza pois se veem movidos pela vontade não dos homens,
mas de Deus. Esse nada inofensivo discurso inocula nas mentalidades neófitas dos
milhões de entusiastas desse gênero de cinema a crença de estarem apenas se
divertindo quando estão na verdade sendo doutrinados para reações mais acomodatícias.
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