Foto: Don McCullin, Soldado Americano ferido no fronte. Vietnã.
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Podemos olhar para uma fotografia e não
encontrar nela nada que seja capaz de nos tocar. Há várias razões para que isso
aconteça. Uma delas é o fato de que a fotografia, como de resto acontece com
quase toda a obra mimética, fala a cada um segundo o seu próprio valor
intelectual. Outra razão pode estar no fato do fotógrafo não ter habilidade de
composição ou intenção de trabalhar a imagem para que esta produza uma mensagem
que ultrapassasse o seu mero registro imediato, não tendo, portanto, outro
sentido possível, a não ser àquele que a fez. Já quando o fotógrafo trabalha a
imagem organizando os elementos a sua vista, de forma a estes desencadearem uma
carga emocional no espectador, diz-se, então, que ele empregou os recursos capazes
de formar uma composição significativa. Tão significativa que ele é capaz de
mobilizar as emoções do espectador valendo-se apenas dos artifícios da
composição. Na fotografia, a composição é tudo. O melhor fotógrafo não será
aquele que espera que o acaso o premie com uma foto, que o distinga dos demais. Para
que uma imagem resulte bem o fotógrafo terá que trabalhar a composição. Para
isso, ele precisa organizar os elementos a sua disposição em: grupos de objetos,
em situação, ou numa cadeia de eventos, de modo que os fatos internos da foto evoquem
correlatos (entenda aqui como correlato, aqueles elementos comparativos que se
faz entre duas coisas que se assemelham) que possam causar no expectador a
emoção desejada. Tomemos, para tornar a compreensão mais simples, o exemplo da
fotografia acima. Ela foi feita pelo fotojornalista Don McCullin. Na década de
70 ele cobriu a guerra do Vietnã. Durante uma incursão com os soldados
americanos a um cerco numa vila vietnamita ele flagrou, em meio a refrega, um soldado
ferido nas pernas, sendo socorrido por dois outros militares. A foto é um
primor de composição. Nela McCullin enquadra os soldados tendo como referência
as imagens de Cristo sendo retirado do calvário. De pronto a foto comoveu o
mundo e de alguma maneira precipitou a retirada das tropas americanas que há
décadas combatiam sem sucesso no Vietnã. Ao evocar a figura de Cristo em meio
aos horrores da guerra, prefiguradas na imagem de um soldado ferido, McCullin
provoca no espectador aquela carga de emoção que ele um dia já sentiu enquanto
era doutrinado pela iconografia religiosa. A concepção fotográfica de Don
McCullin elaborada do ponto de vista da religiosidade, apela aos sentimentos
cristãos dos espectadores. Aludindo a figura piedosa de Cristo martirizada no
madeiro, ele faz da foto um objeto significativo e capaz de falar a muitos pelo
aparência, que vagamente faz uma foto de um soldado, se assemelhar a imagem de
Cristo crucificado.
Pintura: A flagelação de Cristo. Caravaggio - 1607.
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