Foto: Jan.
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O estudo da cultura popular é muito vasto. Abarca aspectos religiosos,
culinários, orais, linguísticos, históricos de povos e comunidades por muitos
lugares. Diante dessa imensidão o pesquisador iniciante se questiona: Quais os
melhores critérios que eu devo me valer para penetrar na alma do povo e colher
as suas histórias, suas tradições e seus valores com o maior respeito às suas
tradições? Uma boa leitura para entendimento do caráter singular do pesquisador
da cultura popular está em Dinâmica do
Folclore.
Neste livro o folclorista, etnólogo e historiador Edison Carneiro (1912-1972)
eminente pesquisador da cultura popular, reuni alguns aspectos que mais
angustiam o pesquisador iniciante na tarefa de sondagem da alma popular. São reunidas
algumas lições sobre os melhores comportamento daqueles que anseia percorrer os
rincões dos brasis, pesquisando o rico manancial criado pelo povo, respeitando
as sabedorias e não adulterando as suas sagradas tradições. Uma dessas lições
diz respeito ao comportamento do pesquisador na abordagem dos depoimentos que
revelam alguns aspectos das tradições, crenças e fatos do povo.
No capitulo lições de pesquisa, Carneiro diz que, "nunca se deve
subestimar a inteligência do povo". O pesquisador da cultura popular,
segundo ele, não se deve tomar pela ideia de que já sebe tudo, nem de que vai
apenas confirmar o que sabe. "O pesquisador deverá propor a questão como
se nada soubesse do que está perguntando e deixar que o informante diga com
franqueza o que sabe. Perguntar, por exemplo, ´Se você falar no nome do Sujo ao
meio-dia, que acontece? e não ´O diabo lhe aparece se você falar no nome dele
ao meio-dia?".
Os traquejos da pesquisa forjarão um pesquisador respeitoso da alma
popular. Quanto a questão de dar algo em troca, em retribuição pela gentileza
do povo, isso é muito discutível. O antigo manual de Paul Sebillot recomendava
que, depois de reunidos os camponeses, se desse tabaco e aguardente a eles.
Edison Carneiro abordando essa questão sugere um outro caminho para
convencer o povo a falar sobre suas práticas cotidianos. Ele diz que "é um
erro tentar conseguir a confiança do grupo através de donativos em dinheiro ou
de promessas que excitem a ambição geral. Muito útil será à pesquisa se,
através da sua atitude respeitosa e cordial, o observador chegar a ser
considerado "pessoa de casa", a quem todos, VOLUNTARIAMENTE, prestem
informações ou façam confidências.".
Edson Carneiro fala ainda de algo muito interessante. “É preciso”, diz o
folclorista, “para o bom andamento da pesquisa, um convívio cotidiano com a
realidade cultural da qual se espera extrair informações”. Para Carneiro não é
em um dia ou dois que o pesquisador coletará as informações que pertinentes as
elucidações de suas dúvidas.
Um exemplo de sucesso nessa tarefa pode ser visto nos trabalho de Frei
Chico. Francisco Van Der Poel, popularmente conhecido como frei Chico,
holandês, de 75 anos, sendo 46 vividos no Brasil e dez no Vale do Jequitinhonha
peregrinou pelas regiões do triângulo mineiro e nordeste do Brasil carregando a
fé e a esperança para milhares de almas, ao mesmo tempo em que pesquisava e
anotava as velhas tradições do povo. Em 2013, 40 anos após o início de sua
jornada pelos brasis, frei Chico lançou o “Dicionário da Religiosidade
Popular”, um catatau que reúne em 1.150 páginas, 8.570 verbetes e 6.433 notas
de rodapé as tradições do povo narradas pelo povo.
O poeta e folclorista Marco Haurélio, um dos maiores estudiosos da
cultura popular na atualidade, chama a atenção para o fato de que para melhor
compreensão das contribuição de Sebillot: “É preciso... situar Paul Sebillot em
seu tempo.... Boa parte dos estudiosos, incluindo Wilhelm e Jakob Grimm, não
tinha uma ligação direta com o que mais tarde Thoms definiu como
"folk-lore". Acreditava no iminente desaparecimento das tradições
populares (antiguidades) e na necessidade de seu registro.”
Apanhadas essas lições, os interessados em seguir a viagem de descoberta
dos cenários meio reais, meio fantásticos, que o povo conserva na memória,
terão dado um grande passo na tarefa de penetração dos mistérios populares.
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