Ao pensar o Japão poucos são os que imagina
essa potência asiática tendo que lidar com os males que afligem as nações
pobres do mundo. Corrupção, miséria, desigualdade e violência, não nos parece
fazer parte do cenário japonês. Habituamo-nos a ver o Japão como uma nação
avançada. Custa-nos imaginá-lo doutro modo.
Porém este oásis de prosperidade,
encravado no Pacífico, também já viveu dias de nação empobrecida. Esse é o tema
do filme O Anjo Embriagado do
cineasta japonês Akira Kurosawa. O filme foi realizado em 1948 logo após a derrocada
japonesa na II Grande Guerra. Ele conta a história de uma sociedade as voltas
com a pobreza extrema e ainda tendo que lidar com as gangues que se valiam da
instabilidade social para cometer crimes.
É em meio a miséria que surgem dois
personagens que conduzirão a história das dificuldades japonesas no pós-guerra.
O excelente Takashi Shimura interpreta um médico alcoólatra que vive na periferia
de Tóquio com sua vó e uma ex-paciente que ele curou de uma grave doença. Certo
dia ele recebe mais um paciente em seu consultório indigente, que fica às
margens de um pântano, para um atendimento de emergência. Interpretado por
Toshiro Mifune, ator fetiche de Kurosawa, em sua primeira colaboração com o
mestre japonês, o paciente é um conhecido gangster que se encontra ferido por
um tiro na mão após se envolver em mais uma confusão. Depois de fazer o curativo
o doutor Shimura descobre que o paciente guarda outra ferida; ele está com
tuberculose.
Durante as décadas de 20 e 40 o Japão
viveu uma verdadeira epidemia dessa doença em todo o seu território. A moléstia
se agravou no pós-guerra em razão das péssimas condições de saúde sanitária que
viveu o país com a vitória dos aliados sobre o eixo. Observador atento de seu
país, Kurosawa nos dar um relato das agruras sociais que viveram milhares de
japoneses durante essa época e aponta a insistência de alguns poucos abnegados
como o médico Shimura como os responsáveis pela reviravolta do país sobre os problemas
incontornáveis de insalubridade sanitária e instabilidade social.
O filme se desenrola através da recusa
do paciente em aceitar o diagnóstico do médico. Mifune que também é viciado em álcool, jogos,
e estar com sua vida mergulhada no crime, devido a liderança que exerce na
Yakuza, reluta a se submeter ao tratamento. Vivendo da exploração de jogos,
prostituição e da extorsão de comerciantes, Mifune teme ser visto pelos seus
companheiros e pelas pessoas que ele roupa como um fraco. Mesmo debilitado pela
doença ele persiste na ideia de não se submeter ao tratamento do doutor
Shimura. Para piorar a sua situação Mifune ver o seu antigo chefe sair da
prisão e reclamar o seu posto de líder da gangue sobre a região.
Notória por possuir códigos de conduta
estritos e natureza muito organizada a Yakuza adotou em sua criação as estruturas
hierárquica tradicionais japonesas como lealdade e o respeito aos membros superiores,
que por sua vez devotam seu poder na proteção de seus aliados. Porém no filme,
Kurosawa desmente esses princípios e sugere que a ambição de riqueza das
organizações criminosas jamais se valeram de qualquer princípio como a
solidariedade aos membros em apuros, quando estava em jogo as conquistas de
riquezas.
Rechaçado pelo antigo líder e abandonado
à própria sorte Mifune recorre aos superiores hierárquicos numa última
tentativa de escapar a má sorte da doença fatídica, mas acaba descobrindo que
os membros da Yakuza que ele tanto venerava tramam contra ele. Desesperado ele
finalmente ver que o crime a que ele tanto devotou esforços planeja
substitui-lo como uma peça defeituosa que já não serve mais.
Uma dramática lição, nos ensina
Korosawa, esta de pertencer a um mundo em que a vida de um homem está submetida
a um tenebroso modelo funcionalista em que se você já não atente às exigências
do sistema, nada o impede de lhe substituir, ao primeiro sinal de defeito.
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