Frame: Filme O Senhor das Moscas
.
Todos os anos vou duas ou mais vezes ao
Goiás. Minha mulher tem parentes por lá. Gostamos de estar entre eles. São
queridos, e muito caros aqui em casa, todos. Por isso, sempre que nos resta uma
folga, ou quando se avizinham as férias, corremos à terra de Cora Coralina, só
para estar entre aqueles que mais queremos bem. Nessas visitas, aproveitamos a
ocasião para passear pela cidade e flertar com as livrarias que, abundam no
centro. Mas sair pela cidade, em determinadas horas e locais, tem se tornado um
desafio que exige esforço e nervos sobre-humano. Algo, que descobri na última
viagem, a duras penas, não possuir.
Num sábado de folga dos deveres
domésticos, e já um tanto cansado da rotina de casa, sai com minha mulher, suas
duas sobrinhas pequenas, e minha comadre, que vive fora do país e vem todos os
anos passar as férias conosco. Fomos ao shopping Flamboyant que fica no centro
da capital goiana. Lá encontro sempre alguma promoção na FNAC ou na Saraiva,
que são primores de livrarias. Depois de horas percorrendo os livros, resolvemos
retornar ao lar, dado o adiantar das horas e a fadiga das crianças. Foi aí que
saímos, inimaginavelmente, de uma realidade comezinha dos passeios
familiares, para cair numa página de horror que bem poderia ter sido escrita
por William Golding ou Anthony Burgess em alguns de seus livros despóticos
sobre a raça humana.
Quando saltamos para dentro do ônibus,
que nos levaria para casa, não imaginávamos que no ponto seguinte, ainda em
frente ao shopping, viveríamos as piores horas de nossas vidas. De repente,
quando o ônibus parou para dá lugar algumas pessoas, que deram sinal no ponto,
fomos assaltados por uma horda de jovens, rapazes e moças, com idade entre 14 e
16 anos, não mais do que isso, que invadiram o ônibus forçando as portas e
intimidando, aos gritos e socos na lataria, a todos que estavam ali dentro. Aterrorizados,
passamos de passageiros à reféns, daqueles delinquentes juvenis, durante todo o
percurso do Flamboyant até o terminal Praça da Bíblia, ponto de baldeação no
transporte público de Goiânia.
Entre gritos de “Ohhh!!!!! horrrorrr!!!!!
É o bonde do terrorrrrrrrr!!!!!!” e outras bestialidades musicais que bem
agradam a mentalidade doentia da nova geração, os menores passaram a arrancaram
as luminárias do ônibus e com destreza de quem já há muito tempo pratica a
mesma ação, abriram com desenvoltura as portas traseiras do ônibus, mexendo no
mecanismo hidráulico que fica acima das portas. Com as portas escancaradas eles
passaram a surfar, literalmente, sobre as luminárias, fazendo um estrepitoso
barulho no asfalto enquanto o ônibus corria à noite Goiana. O motorista, refém como
nós dos delinquentes, não esboçou nenhuma reação aos delitos juvenis. De dentro
do ônibus os poucos passageiros que, não faziam parte daquele circo de horrores,
se entreolhavam atônitos com tamanha estupidez. Acuados
ficamos todos estupefatos com a ousadia e desrespeito daqueles jovens.
Entre o trajeto do pânico e a chegada ao
Terminal Praça da Bíblia foram minutos, mas pareceram horas. As tenebrosas
bestialidades juvenis nos fizeram saltar no terminal e seguir viajem em outro
meio de transporte. Antes que a situação pudesse se complicar ainda mais, nos enfiamos
no primeiro táxi que avistamos e largamos para trás os circo de horrores que
aquelas crianças perpetravam. Depois da experiência macabra de ver tantos jovens
se comportando como primatas, não quisemos pagar para ver aonde aqueles
delinquentes poderiam no levar.
A perturbadora cena de selvageria que
testemunhei naquela noite, me fez perceber que tocamos, definitivamente, o
fundo do poço. O inalcançável mostro da desumanidade não é mais uma personagem
de ficção cientifica a nos espreitar na tela do cinema ou nos acossar nas
páginas de um livro. Ele temerariamente saltou essa barreira, e não podemos nos
considerar desavisados, nem desentendidos dos horrores que a juventude de hoje
vai maquinando. Há um bom tempo correm noticias de que ela anda desgovernada, assim como a sociedade que a gestou. Tanta bruteza e desdém pelo semelhante são sintomas de uma comunidade falhada que abandonou o seu futuro por não haver encontrado esperança no presente.
Por todos os cantos há sinais de que a
vida em sociedade vai mal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário