Fotografia é arte

Fotógrafo: Alberto García-Alix
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A fotografia é uma arte? É. Porém sua expressão se presta a muitas confusões entre o que é meramente banal e o que tem conteúdo artístico. Isso ocorre por dois motivos. O primeiro é que por ser tão banalizada o público tem dificuldade em selecionar o que não é arte e o que é. O outro é que ela está excessivamente vinculada aos objetos reais, isso já explicou Susan Sontag, e muitos só a percebem por isso com o fim de descrever alguma coisa, reproduzindo a realidade tal como os olhos a percebem. Mas a fotografia, ao menos uma parte dela, não é finalística. Ou seja ela não se encerra no objeto dado. Uma imagem bem pode estar ali sugerindo outros conteúdos e iluminando uma outra realidade para além daquilo que se vê à primeira vista. Com vistas à arte, a fotografia exprime uma maneira de ver as coisas além do objeto dado pela representação. Com um sentido artístico, a foto deixa de ser meramente a reprodução do real e passa a ser compreendida como uma emanação da mente do fotógrafo, a sua interpretação das coisas e do mundo. Ela abandona, assim, o status de registro banal e alça seu sentido à outras esferas. Veja-se a propósito do que estou falando, um trabalho do espanhol Alberto García-Alix (n. León, 1956). Quem ver essa fotografia, não pensará que o sentido último dela se encerra na representação de uma jovem retratada pelo fotografo, mas que sua mensagem ultrapassa essa realidade. Os sentidos dados aqui são inúmeros. As sugestões são incontáveis. Vai daí que essa fotografia, diferente das generalidades que se vê no face ou em outras plataformas sociais, não se presta a uma interpretação limitadora, porque ela está carregada de sentidos. 

Asinina condição

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Gostamos do que nos dá estatuto. Tanto pode ser uma roupa de marca, um smartphone no bolso ou um orgulhoso livro de sacanagens que ouvimos dizer que todos estão lendo e por isso achamos que merecemos também lê-lo, apesar de não gostarmos de ler muito. Mas isso não deveria ser assim. Todas essas quinquilharias, todos esses penduricalhos, todos esses imbróglios, não se constituem, realmente, num luxo verdadeiro. São antes a prova provada de nossa asinina condição de bestas, domesticadas pelo consumo irracional. Fossem mesmo importantes, todos esses bibelôs, traríamos a todos à felicidade. Porém, não é isso o que vemos.  

Sem remédio

Duas noites insone. Dores no peito e nas costas. Tosse incessante. Uma chapa do pulmão (adoro essa palavra, chapa, me lembra o vocabulário de minha vó) e o diagnóstico: um princípio de pneumonia. De repente, me pego pensando o quanto somos vulneráveis. Parecemos um castelo de areia, feito por um deus-criança, que brinca na praia e depois se vai, deixando para trás o brinquedo, que o distraiu por umas horas, ao sabor das intempéries. Se não for as perturbações atmosféricas a nos levar, será talvez a negligência de alguns. Dos três medicamentos receitados pelo médico, que me atendeu, um deles está fora de circulação há pelo menos três anos, garantiram-me os farmacêuticos de Caetité. Uma olhada no carimbo do doutor e fico a saber, que ele também é professor. Ai encontro a resposta para tamanha desatualização. Os nossos professores, com raríssimas exceções, não se preocupam em se atualizarem. Conheço um que se orgulha de não ter lido um único livro, depois que saiu da faculdade. Outro que fez um curso, apenas para acrescer mais um 0 ao seu contracheque, sem prestar o menor zelo ao que estava estudando. O professor que não ler ou que não estuda, continuamente, é semelhante ao médico que receita ao paciente um remédio que não existe. 

De cães e outros bichos

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Muitos já devem ter percebido isso. As pessoas que gostam de animais costumam atribuir certas qualidades morais àqueles que como elas admiram os bichinhos. Entre outras qualidades elas são, segundo os critérios cabalísticos: amáveis, confiáveis e solidárias incontestes. A mesma sorte, no entanto, não têm os que por qualquer razão não se sentem confortáveis com os peludos.

Como se os animais não passassem de animais, mas seres superiores, capazes de revelar dotes ou transparecer faltas nos homens, os muitos admiradores dos gatinhos ou dos cãezinhos, desconfiam sempre dos que guardam reserva aos bichinhos. Ao menos é isso que ouço dos amigos que têm animais. Não lhes parecem estranho, atribuir aos cães o julgamento moral de uma pessoa.

Como não sou daqueles que se atraem pelos cães, nem por qualquer outro bicho, foram sem conta, o número de vezes em que, constrangido, não soube esconder dos donos de animais, o meu desconforto com a presença dos animaizinhos queridos. Ao revelar esse sentimento não pude deixar de perceber que tinha, para os amantes dos animais, acabado de cometer uma imperdoável heresia.

Apenas por estar em desacordo com seus sentimentos fofos, sentia que a revelação de meu desapego aos bichos, acabava por lhes acender um desapontamento profundo que os faziam, desde então, olhar-me de esguelha.  

Penso que não tenho que amar um animal e o manter encarcerado em minha casa só para provar que tenho sentimentos e posso ser uma pessoa confiável. Esse é um modo estranho de julgar alguém. Há, por certo, outros critérios que fazem de alguém uma pessoa amável, solidária e confiável. Não precisamos, ao contrário do que pensam os amantes dos bichos, consultar os latidos dos cães. O senhor na foto acima não me deixa mentir. 



A cultura da não violência

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“Temos que nos tornar a mudança que queremos ver”.
Gandhi

Quem não pressente, diariamente, que as sociedades desenvolvidas vão se erguendo sobre o desprezo dos valores comunitários, da solidariedade e do respeito ao outro? Num mundo ressecado pela competição e o individualismo, quase não há lugar para os melhores sentimentos humanos. O que impera, são rancores, ódios e sentimentos destrutivos de uns contra os outros, que põem o mundo em continuo pé de guerra. Falo assim, porque vejo, lá pela escola, todos os dias, atos de brutalidade gratuita, que vão se naturalizando, quando não deveriam.

Mas até hoje - e espero que isso nunca me aconteça - nenhuma das ameaças que ouço os alunos trocarem, nenhuma das barbáries ditas com ar de indiferença, nenhum dos destemperos testemunhados, ou dos atos de banalização da violência, foram capazes de me destituir a crença de que os homens são feitos da mesma matéria, e portanto, a aparente separação que os diferem, não passa, de um efeito das formas temporais. “A verdadeira realidade da humanidade”, escreveu Joseph Campbell, “está na unidade com todas as formas de vida”.

Isso significa dizer que, você e eu somos um só. Essa percepção do outro como uma parte de mim, e não como um outro indiferente, está nos faltando. A ganância do sentimento individualista nos cegou para essa nobre verdade. Precisamos urgente reaver essa percepção do mundo que restaura em nós o outro como uma parte infalível de nós mesmos.

Podemos começar aprendendo com os hindus, budistas e javanistas que há milênios, saúdam-se mutuamente com um gesto de contração das mãos sobre o peito; depois se curvam em reverência uns aos outros, enquanto pronunciam a palavra: NAMASTÊ. A palavra vem do sânscrito e significa: “o deus que me habita saúda o deus que te habita”. A dignidade desse simples gesto, expressa a grandeza de reconhecer no outro - pode ser um alguém, que vejo pela primeira vez, ou um ente querido - o reconhecimento de que os indivíduos, não me são indiferente, transparente ou invisível. Ao contrário, são seres superiores e que portanto merecem igual respeito, admiração e zelo.