DORIVAL CAYMMI (1914-2008)


Dorival fez pela música o que seu compadre Jorge Amado fez na literatura. Letras maliciosas, cheias de dengo, de mulher ousada, de balangandãs, enfim, compuseram o assunto de Dorival. Músicas que, lá fora, FIZERAM A CARREIRA DE uma Carmen Miranda, por exemplo. Carmen fora a maior intérprete de O que é que a Baiana Tem? , obra mais importante do mestre. Além de mulher, ele também falou claro, do mar e da vidinha dos pescadores, como na trágica A Jangada Voltou Só. Dorival Caymmi compôs sua primeira música ainda adolescente, que se chamou A Bahia também dá. Dorival também deu. Deu sua parcela de contribuição à música de um modo como poucos dariam. Há homens que passam pela vida e não deixam um cuscuz feito. Dorival deixou um patrimônio inigualável que precisa ser reconhecido agora, no momento em que ele está sendo velado. Tive o prazer de assistir, várias vezes, o show que seus três filhos fizeram para homenageá-lo. Ele estava na platéia, com D. Stella Maris, agradecido e sereno, com a tranquilidade dos bons. De quem já fez o que lhe competia. Acontece que Eu sou Baiano, Maracangalha, Só Louco são sambas imortais. Num ranking elaborado ela revista BRAVO!, que apontou as cem melhores músicas do nosso século, Dorival ficou com a medalha de prata, com João Valentão. Só perdeu para Carinhoso, de Pixinguinha, e Águas de Março, de Tom e Vinicius. Mais uma prova de que não se trata de um qualquer.
Eu adorava Caymmi.
Uma verta vez, Caetano Veloso deu o seguinte parecer sobre Dorival: "Ele é o maior dos maiores". Pronto. Esse é seu epitáfio.
Teotonio Júnior, Aracaju

PAPEL EM BRANCO


Alguém já se referiu ao ato de escrever como um suicídio antecedido de mutilação e de sofrimento atroz, para, por fim, concluir que ele também é um ato de inominável coragem física. De quase nenhum escritor, porém, temos a oportunidade de ouvir o testemunho de seu processo de criação. As razões podem ser as mais diversas. Talvez ele preserve certo sentido intimo que não lhe permite confissões, ao menos não além daquelas já interditas nos livros. Algumas revelações podem conter segredos inomináveis, indignos para um escritor. Outros ainda dispensam ao público suas fraquezas, deslizes, inquietações, e dúvidas comuns durante a confecção de uma obra. Menos tímidos estão os poetas Edgar Allan Poe e João Cabral de Melo Neto. Ambos desnudaram seus esforços poéticos e revelaram seus segredos de composição. Opondo-se àqueles escritores de tendências transcendentais, Allan Poe e João Cabral, em tempo, escreveram trabalhos reveladores. Em abril de 1846 Poe publicou nas páginas do Graham´s Lady´s and Gentleman´s Magazine um artigo intitulado “A filosofia da composição”, nele Poe revela que, ao escrever, parte sempre da consideração de um efeito, ou seja, seu propósito é atingir determinado objetivo previamente estipulado. Por isso, em vez de render-se mudo à força das palavras, caminha firme, com consciências daquilo que deseja e não sede as tentações da inspiração. João Cabral muito tempo depois de Allan Poe defende com a mesma obstinação a autonomia da escrita e revela-nos: Eu não acredito em inspiração e nem sou poeta inspirado. O ato de criação para mim é intelectual. Minha poesia trabalha a criação e a construção. Acredito na expiração. Na composição de um poema, primeiro me ocorre um tema e eu tomo nota. Depois vou estudando-o e desenvolvendo-o. Nunca escrevi um poema inspirado, soprado pelo Espírito Santo. Isso eu não sei o que é... Fazer um poema para esses escritores, não é uma condenação, como se pode ver, muito menos o resultado de uma possessão. O poema surge de uma vontade consciente. João Cabral e Edgar Allan Poe encararam como nenhum outro escritor o desafio de fazer poesia maquinalmente, talvez por isso eles não se envergonhem de falarem de seu exercício corporal com as palavras.

ALEXANDER SOLJENITSINE (1918-2008)


No último dia 03 morreu em Moscou o ganhador do Nobel de Literatura e autor de Arquipélago Gulag Alexander Soljenitsine aos 83 anos.

CITAÇÃO, 02

ALMADA NEGREIROS (1893-1970) AUTO-RETRATO
"Entrei numa livraria. Pus-me a contar os livros que há para ler e os anos que terei de vida. Não chegam, não duro nem para metade da livraria. Deve haver certamente outras maneira de se salvar uma pessoa, senão estarei perdido."

DEVAGAR NÃO SE VAI AO LONGE

A única coisa que se acumula parado são gases. Então devem está cheios os burocratas, professores e os políticos. Estes últimos se encontram mais aliviados por essa época. Os muitos compromissos eleitorais confortam suas ventosidades. Dias virão que também os burocratas terão livres de seus intestinos os grandes males causados por sua inércia. Os professores não têm tanta pressa assim, talvez lhes confortem as cadeiras que lhes assentam. Eles não têm que se envergonharem disso, os eflúvios intestinais nos mostram apenas a matéria prima da qual somos feitos e que, por vezes, se soltam e nos enxovalham publicamente. Há coisas que nos fazem corar. Poucas, porém, nos embaraçam mais do que o torpor de algumas classes.