O que tenho aprendido com os livros que leio e com os que estão na estante à minha espera

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Não crie expectativas, esse sentimento é corrosivo e acaba com suas melhores pretensões.
Saiba esperar pelos momentos de descoberta.
Não queira chegar ao fim para saber como a história acaba, viva-a.
Você nunca estará velho, para um grande desafio.
O melhor divertimento será sempre o elevado, não acredite que ele as vezes também pode ser cor-de-rosa.
Há sempre bons motivos para conhecer uma nova história.
Melhor uma traça amiga que uma estante vazia
Nem todo livro tem toda vida.
Não deixe que o desalinho da capa e a falta de capricho na edição determine o seu julgamento, você pode se surpreender com o que verdadeiramente importa: a travessia.
Uma vida não basta para os livros que desejo.
Depois da morte, não há tempo para pos scriptium.
A orelha segreda a história que ainda não li.
Os empréstimos tornam viúvas as coleções.
Sei tanto quanto os livros que não li.
Descobri que o que mais desgasta um livro é a falta de uso.



Há cheiro de podre em todos os lados

De tudo o que vivemos hoje no país, o que mais salta aos olhos é a arrogância dos que defendem legendas partidárias. A dar fé no que eles dizem, tem-se a impressão de que, eles sabem tudo, vêm andes de todos e estão tão certos de suas posições que, não pode haver erro ou engano no que pensam e fazem. Com tantos a saber de tudo e antever tudo antes de todos, como chegamos então, tão fundo e tão rápido, ao lodaçal em que estamos.  Estou farto desse fla-flu. Inunda-me o tédio. 

Religião e cultura

Foto: Rogério Soares, Catedral Nossa Senhora Santana, Caetité, 2016. 
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Em A Civilização do Espetáculo, o escritor peruano Mario Vargas Llosa responsabiliza as religiões, especialmente a Cristã no Ocidente, pelo desenvolvimento das artes (música, pintura, escultura, arquitetura etc.). O alijamento das religiões, provocaria para o escritor, o engessamento das culturas tais como a conhecemos hoje e infertilizaria a vida a níveis inaceitáveis. Seria, portanto, deletério para as culturas, o fim das religiões. Pois em torno delas, seja para exaltá-las ou para criticá-las, viceja um campo muito propício à criação de expressões artísticas, que não são outros senão, formas dos homens externarem os desassossegos de uma mente deslumbrada com os mistérios do mundo.

Na biografia dedicada ao poeta Cruz e Souza, Paulo Leminski, recorda um pormenor de ter lido “no jornal, uma entrevista recente com o maior teatrólogo da Nigéria, um intelectual de esquerda” que nos faz pensar em termos mais claros sobre o papel das religiões na manutenção da vida e das artes: Lembrando as contribuições da Europa aos países da África o teatrólogo diz:  

“Os brancos nos trouxeram coisas de valor. Como o seu pensamento científico e filosófico, incluindo o marxismo. Mas o preço que temos que pagar é alto demais. O ateísmo é a morte dos deuses. Com a morte dos deuses, vem a morte das danças, que são para os deuses. Com a morte da dança, vem a morte da música, que acompanha as danças. Ao adotarmos filosofia ateia, estaremos matando toda a árvore da nossa cultura. Um marxismo, para nós, não pode nem deve negar nossas crenças. Porque estaria negando a nós mesmos.”

Como vemos, não era tolerável, mesmo para um intelectual de esquerda o fim das religiões, sobre pena de que esta precipitasse o fim das culturas. Abandonei a fé nas religiões quando ainda era um adolescente. O ateísmo que pratico desde então não me permite acreditar numa entidade que com força desconhecida governa o desgoverno do mundo. Sei, porém, reconhecer que, são as religiões, criadas a partir da perplexidade do homem sobre a sua condição, as grandes responsáveis por encorajarem e propiciarem, denodados artistas, caminhos para externarem as suas muitas inquietações sobre as faltas de sentido para a existência.  

Maquilar a realidade

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Steve McCurry é sem sombra de dúvida o mais reputado dos fotojornalistas da atualidade. Com mais de 40 anos de serviços prestado à arte de fotografar, ele se notabilizou para o mundo, cobrindo guerras e registrando com sensibilidade incomum, os dramas de homens e mulheres em zonas de conflito. Porém, hoje, ele se vê às voltas com uma discussão que põem em questão o seu oficio artístico e sua propalada sensibilidade. É que algumas de suas fotos publicadas em seu sítio na internet e mais algumas outras encontrados por jornalistas, sugerem que ele manipula as suas imagens. Alguns poderiam dizer: “que bobagem, o que há de errado em manipular as fotos?” Nada. Não há nada de errado em fazer mudanças nas fotos. Afinal de contas a imagem é dele. O problema é que McCurry sempre negou que usasse recursos para tornar as suas imagens mais expressivas. E para piorar a história, descobriu-se também que não são feitas apenas ajustes de contrastes de cores e tons, mas que são alterados elementos significativos das fotos sugerindo ambientes, situações e paisagens destituídas de veracidade. Fico aqui a pensar: o que há de verdadeiro no mundo? 

Fiéis


Foto: Rogério Soares. Igreja e seus fiéis. 2016.
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Ultimamente tenho ido à igreja. Não vou lá quando o padre ou os fiéis fazem a genuflexão e estendem as suas preces, em coro aos céus. Estou cansado de tanta gente a minha volta. Por isso, prefiro a igreja quando uns poucos a visitam. Gosto de ver o silencioso murmurinho dos que suplicam aos céus, remédios às suas chagas. Mas não são só estes os que lá vão. Também estão lá, os que buscam sinceramente expor as suas faltas. Esperam com isso ajustar as suas contas. Nessas horas os observo. Tiro foto. Penso comigo o que será que eles fizeram para pedirem remição ou qual foi a graça alcançada para estarem lá agradecendo? Não tenho resposta a estas perguntas. Quando eles se vão, volto a solidão. Agora tiro fotos do que me surge à frente. Em instantes a vida parece sem agravos e aborrecimentos. Sem pecadores ou redimidos sou só eu, as luzes, as formas, os contrastes e mais uma vez o silêncio divino. Mas é por pouco tempo. Logo a igreja volta a ser tomada por alguém disposto a emendar todos os seus vícios. 


Foto: Rogério Soares. Igreja e seus fiéis. 2016.

(A)moral

Foto: Robert Mapplethorpe – Homem em terno de Poliéster ,1980.
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Moral rígida e trabalho dignificador (entenda-se submissão canina à políticas semi-escravistas). Está é a receita completa para se dar bem na vida contemporânea. Todo o resto foi extirpado dos interesses sociais.

Frei Damião e os impressionadores de multidões.

Foto: Sebastião Salgado (Reprodução do livro Terra) Frei Damião evangelizando. 
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Muitas tradições se vão perdendo em nosso país. É o caso daquela que é conhecida como missionária. Missionários foram aqueles homens que devotaram as suas vidas a causa da bem-aventurança e por essa razão foram consagrados pelo povo como Santos vivos. Pelos Sertões adentro Padre Cícero Romão e Frei Damião de Bozzano, foram os nomes mais famosos dessa tradição no século XX. Antes desses, outros os precederam, é o caso de: Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro, e talvez o mais antigo de todos, Frei Vidal da Penha, famoso missionário do Século XVIII que em uma de suas profecias previu que: “o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão”. Mais tarde, pela lei da convergência, o Conselheiro fará recair sobre si a lenda de que será ele, o autor dessa previsão. Em derredor desses nomes cresceu e prosperou uma veneração coletiva, alimentada pela crença popular nas qualidades espirituais desses homens, e claro, no temor infundido por eles em profecias que previam o fim das Eras. Segundo alguns dos seus inúmeros fiéis, a simples presença deles entre o povo, era capaz de suspender os muitos e agonizantes males, que afligiam os atormentados flagelados da seca, da fome e das injustiças sociais e os reconduzirem à paz e à serenidade, diante das durezas do Nordeste. Por essa razão acorriam a eles multidões exaltadas. Querendo fugir do inferno terrestre, ávidos campesinos buscavam as intervenções dos taumaturgos, na firme certeza de que com isso, estariam amenizando o seu fardo. Câmara Cascudo, ao que me consta não escreveu sobre Frei Damião, mas sobre Padre Cícero não poupou tinta. Sobre o Padim Padi Ciço, como era carinhosamente chamado pelo povo o Padre de Juazeiro, Câmara Cascudo escreveu em Vaqueiros e Cantadores, que ele: “não educou nem melhorou o nível moral de seu povo. Antes, desceu-o a uma excitação febril, guardando segredos de perpétua irritação coletiva, para mais decisiva obediência geral”.  Criticou ainda o padre, pela indulgência com que este tolerava os desmandos dos poderosos contra os menos favorecidos e seu ânimo bizarro por alimentar sobre si uma “onda fanática de ‘romeiros’ e beatos...”. Escusadas as críticas aos missionários, o certo é que eles se confundiram com a história do Nordeste, e não há hoje, como tirar-lhes a importância que o povo serenamente lhes foi consentindo.  Quando pequeno, na Paraíba, eu mesmo testemunhei por duas ocasiões a devoção do povo a esses missionários. Na década de 80 a minha avó me levou ainda criança para uma das missões do Frei Damião. As Missões eram, o nome atribuído pelo Frei Damião ao seu estilo de evangelização. Elas se caracterizavam por um certo ritual. Anunciava-se a chegada do Frei à cidade. Ao cair da tarde, o missionário era recebido e conduzido, geralmente em carreata, à igreja matriz, ali dirigia as primeiras palavras à multidão que o esperava, sedenta para ouvir as suas prédicas. Lá em casa ainda são recorrentes as lembranças desse encontro. Sempre que nos reunimos a minha avó gosta de lembrar que fui abençoado pelo missionário. Mais tarde um pouco mais velho, mas ainda criança, vi e assisti uma das missões do Frade na cidade de São Bento, interior da Paraíba, cidade onde passei a infância. A figura do personagem domador de valentes e guia de almas, nunca mais me saiu da memória. Ao escrever esse testemunho lembro vivamente o fervor do povo que sobre os cantos de “Frei Damião meu bom Frei Damião /O seu perdão numa confissão faz um bom cristão /Frei Damião meu bom Frei Damião / Eu sou nordestino, eu estou pedindo a sua benção...”, recebiam entusiasticamente o Frei Capuchino. Os versos são de Janduhy Finizola e ficou famoso na voz de Luiz Gonzaga que na década de 70 gravou a música Frei Damião. Esta não é a única homenagem do Rei do Baião ao missionário. Uma década antes Gonzaga gravou a música Meu Padrim (Frei Damião), uma composição do Frei Marcelino de Santana. Há ainda no Nordeste Brasileiro uma vasta produção literária dedicada ao Frei Capuchino e aos outros missionários. Recentemente encontrei por acaso no livro do fotógrafo Sebastião Salgado uma linda fotografia que retrata o Frei em missão de evangelização. A foto como era de se esperar é perfeita. Sobre ela podemos pousar o olhar e nos demorar longamente. Ela capta a atmosfera de devoção do povo ao Santo homem, que entre eles andou. Os pormenores que o autor incorpora na imagem: os pés descalços do Frei, a sandália abrigada ao pé do púlpito improvisado, a atenção no olhar dos homens, e mais o contraste do preto-branco da imagem que sugerem incontáveis coisas, fazem com que a foto não passe indiferente. Música, Literatura, Fotografia, fé, religiosidade, uma vastidão de manifestações atestam a importância incontestável desses impressionadores de multidões.


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Observação: A imagem que ilustra essa postagem foi retirada do livro Terra do fotógrafo Sebastião Salgado.  Sendo essa imagem objeto de direitos de autor, e a tal publicação o seu titular se oponha, ela será removida do blog, logo que recebida notícia do fato. Desde já o autor do blog explica que não há, na publicação da foto, qualquer intenção comercial. Esperando com isso não receber nenhuma restrição pela publicação.