A Metamorfose em versão de cordel

A releitura de João Gomes de Sá vai além das preocupações com a forma. Aliado à melhor tradição poética da literatura de cordel, que tem em Leandro Gomes de Barros seu maior expoente, Gomes de Sá, consegue recriar a atmosfera claustrofóbica e de emparedamento dos homens em meio às exigências de um mundo insensível e cada vez mais desumano.

Que profissão cansativa
Remuneração ruim!
Eu vou pedir demissão
Senão será o meu fim!
Mas não faço esse pedido,
Pois tenho compreendido:
Todos dependem de mim!

(...)

É o desafio maior
Viver em sociedade,
Pois todos vivem somente
A individualidade,
Sobretudo quando o ter
Se sobrepõe sobre o ser
Assassinando a igualdade.

Digna de nota também é a insubmissão do autor Gomes de Sá ao texto original. Com a convicção de quem sabe que nenhum texto adaptado é inteiramente fiel à sua fonte, ele toma a liberdade de intervir na história, dando a ela uma pitada de Nordeste ao que ela tem de árida e insólita. Vejam como exemplo a estrofe em que o personagem Gregor Samsa, em um pequeno vislumbre de liberdade, sai de sua angústia física da única maneira que lhe é possível: pela imaginação.

Com cuidado especial,
Deixou a imaginação
Viajar por muitos mares,
Cidade e também sertão.
Comentou: — Não há imposto
Para impedir o meu gosto
De voar na ficção.

Essa releitura é obrigatória para todos os amantes da boa literatura.



A Divina Comédia em versão de cordel

Ao abordar temas tão diversos como religião, sociedade, política e moral, a obra de Dante tornou-se uma fonte inesgotável para pintores, escultores, músicos e muitos outros artistas. Tão variados quanto os temas são as versões que já se fizeram até aqui dessa obra. Já era hora de esse clássico universal ganhar, também, a sua versão em cordel. Essa tarefa foi abraçada pelo poeta Moreira de Acopiara, artesão das palavras, que encanta e diverte semeando versos como quem planta um jardim de emoções.

Moreira de Acopiara nos conduz pela odisseia de Dante, desbravando as regiões do Inferno e Purgatório, até alcançar o Céu, onde é aguardado por sua amada Beatriz. O início da obra ocorre com os versos que descreve o poeta Dante, desorientado e frustrado, depois de muito caminhar pela vida:

Pelos caminhos da vida,
Depois de tanta procura
E frustrações que deixaram
Minha alma em grande amargura,
Me encontrei perdido um dia
No meio de selva escura.

Acossado por feras, Dante é resgatado por Virgílio que o conduz pelo Inferno e Purgatório até o entregar a “espírito mais digno”. Inquieto, Dante quer saber por que Virgílio saiu de sua morada etérea para socorrê-lo nesse momento de amargura:

Disse Virgílio: “Não temas,
Pois se vim em teu encalço
Foi mandado pelo amor
Que não consegue ser falso
E só deseja livrá-lo
Do perigo e do percalço.


Definitivamente, essa é uma obra imperdível.


Genuflexão

De dois em dois anos os políticos, assim como Baco iluminado na pintura de Velásquez, saem de seus palacetes e concedem à malta o privilégio de sua companhia. Fingem-se dos mesmos, mas a áurea diáfana que os encobre, também os resguarda da imundície do mundo a sua volta. Muitos, solicitam os seus afagos, na vã esperança de terem assim - colhidas as migalhas do banquete - serenado a sua miséria pessoal.

Pintura: Diego Velasquez | O Triunfo de Baco ou Os Bêbedos, 1626-1628.

Kafka para presidente

O corrida eleitoral já começou. Daqui a instantes seremos alvejados por discursos prometendo mundos e fundos. Estou exausto disso. A política nacional me enoja. Os jogos de poder, engendrados na máquina política, têm sobre mim um efeito misto de ódio incontido e desprezo perpetuo. Mas sou um cidadão compassivo. Acredito no voto como uma força capaz de tudo contornar. Não deixarei de exercer o meu poder e em outubro lançarei o meu protesto. VOTAREI EM KAFKA para presidente.