Hesitar


Hesitar: demonstrar dúvida, fraquejar diante de duas ou mais possibilidades, postergar para um futuro incerto as resoluções determinadas pelas emergentes necessidades do agora; faltar; embaraçar-se diante de resoluções que não devem ser ignoradas; esquivar-se ante o pontapé sem reagir; receio; medo; insegurança; refrear as palavras, gestos e ações por pudor ou temor; deixar à sorte ou o vento encaminhar as coisas; assistir ao longe os acontecimentos sem intervir; aguardar que as coisas se solucionem feito um passe de mágica; pesar; recuar ante o adversário; temer ante a adversidade; julgar desfavoravelmente; desculpar-se por falta de convicção; sacrificar-se; renunciar ante a refrega. Por certo encontraríamos muitos outros meio de definir a palavra hesitação. Ela está entranhada em nossa natureza de forma incontornável.

Útil e honesto - Montaigne

"É um erro julgar a beleza e a grandeza de uma ação pela sua utilidade e imaginar que devemos fazer e considerar honesto tudo o que é útil."


Montaigne, Ensaios III: Do útil e do honesto, p. 367.

A Crítica

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A nossa geração se recusa a dá atenção à crítica. Teatro, cinema, literatura e música rejeitam violentamente as observações e julgamentos desses investigadores que a cada dia somem dos jornais, revista e veículos mediáticos, para o limbo das discussões artísticas. Até gente civilizada não entende «para que servem» os críticos.  Tenho cá comigo uma opinião de que tudo isso se deve ao fato de que, uma estúpida e corrosiva ideia de que não há nada mais a se dizer sobre as coisas, associado à preguiça mental que papagueia a imaginação alheia e entronaram a banalidade, o fútil e o opiniático como valores insuperáveis, são algumas das razões do desprestígio da função crítica na nossa sociedade. Eu prefiro antes uma sociedade aberta à crítica, do que aquelas que, marginalizam homens e mulheres por não se darem facilmente por satisfeitas e insistirem em fazerem inconvenientes questionamentos onde a maioria via (ou fingia) um consenso. Muitas das noções que hoje damos por adquiridas foram formuladas pela crítica mais aguda. A crítica sincera é muito mais construtiva do que o elogio imerecido. Mas as pessoas preferem o inebriante perfume dos discursos panegíricos, as ásperas, mas honestas opiniões, que nem sempre estão em conformidade com o esperado, daqueles malditos transgressores do conformismo. 

Amado Nervo (1870-1919) México



EM PAZ

Já bem perto do meu ocaso, eu te bendigo, ó Vida,
porque nunca me deste esperança mentida,
nem trabalhos injustos, ou pena imerecida;

porque vejo, ao fim de tão rude jornada,
que a minha sorte foi por mim mesmo traçada;
que, se extraí os doces méis ou o fel das cousas
foi porque as adocei ou as fiz amargosas:
se roseiras plantei, não colhi senão rosas.

... Decerto, aos meus ardores vai suceder o inverno;
mas tu não me disseste que maio fosse eterno!
Longas achei, confesso, minhas noites de penas;
mas não me prometeste noites boas, apenas,
e em troca tive algumas santamente serenas...

fui amado, afagou-me o Sol. Para quê mais?
Vida, nada me deves! Vida, estamos em paz!

Acaso

Preso a uma cadeia de acontecimentos e infortúnios que, ocasionalmente surgem, nenhum homem pode se dizer inteiramente livre. A liberdade é um alvo a ser alcançando, um desejo de realização, porém, nada garante o seu êxito. O acaso, esse componente indissociável da vida, muitas vezes se interpõe as pretensões mais nobre e alteram a rota de uma vida, que acreditávamos inalterável. Quando isso acontece, e não são raras às vezes em que podem ocorrer esses dissabores, vemos atirados ao pó todas as ilusões de uma vida segura, estável e minimamente equilibrada.

Um país inteiro de ferradura


A qualquer um, que a muito deixou de ter as mãos ao chão, pareceria, no mínimo estranha, para não dizer outra coisa, que um ex-ministro da justiça com reconhecido prestigio político, aceitasse defender um famoso contraventor acusado de um sem números de crimes indizíveis, cuja atuação se estendem por uma grande rede de influências em todo o aparado do Estado. A qualquer um isso pareceria uma ignomínia. Mas estamos no Brasil. Isso torna as coisas bem diferentes.

“O Anjo Safado”: peça interessante e sugestiva


Téo Júnior [*]

Enfim, depois de muita publicidade e expectativa idem, estreou no Teatro Atheneu o espetáculo “O Anjo Safado”, que permaneceu em cartaz no último final de semana. Apresentação bonita, com muita dança, música e bastante sugestiva.
A dualidade entre céu x inferno, pureza da alma x prazeres mundanos, quer dizer: o indivíduo em conflito consigo mesmo, que tanto intrigou (e fascinou) os homens no período medieval, veio à baila na peça - fascínio que teve em Gil Vicente uma dimensão maior.
Ressalte-se que, uma vez no terreno metafísico, os conceitos e aquelas normas de conduta que recebemos ao longo da vida vão sendo subvertidos por uma lógica distinta. Quando algum personagem se insere no universo pós-vida, na ótica cristã, as regras do jogo agora são outras.
O texto de Paulo Lobo é simples e direto. A maior vantagem dele foi estar isento de abordagens filosóficas complexas e que, no fim das contas, não sugere nada ou muito pouco. Teatro bom é assim: diz o que precisa ser dito de maneira econômica e eficaz.  A direção de Jorge Lins compreendeu a ideia do texto.
Guardei a sátira que foi feita em relação aos bispos gananciosos e hipócritas, e acredito que a crítica seja muito pertinente, uma vez que hoje a televisão brasileira está demasiadamente contaminada com uma leva de “pastores” picaretas e aproveitadores, alguns inclusive não resistindo à tentação de exibir horrendas sessões de exorcismo. Lobos disfarçados de cordeiros.
A cena onde a entrevistadora melindrosa Lais Bizarra (Eduardo Vieira) conversa com o chefe do inferno (o excelente Leandro Handel) foi impagável.
Duas vezes, foram exibidas cenas de orgia sexual com 15 participantes. Pura devassidão, que deixaria um pastor horrorizado.
E assim, de gargalhada em gargalhada, as verdades - algumas inconvenientes - vão sendo ditas uma por uma, e o teatro acaba se tornando uma espécie de espelho, onde o público tem a oportunidade de se enxergar e de refletir, como acreditava Molière.
Iluminação adequada, cujo palco ficou grande parte do tempo em penumbra, talvez para realçar o aspecto extraterreno do atormentado personagem José. Som e figurinos bons.
Antônio Leite, o protagonista, sozinho, já é um teatro. Teve um desempenho seguro e feliz. Trata-se de alguém que possui uma grande relação de afeto com o palco. Um ator experimentado e competente. 
Toda essa discussão coube no espaço de 1 hora.
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Crítico de teatro e colaborador do ETC’.


A Civilização do Espetáculo

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No momento em que a cultura (essa ficção) se submete à tirania do entretenimento e as pessoas se dão em espetáculos grosseiros em todos os veículos “merdiáticos”, retrocedemos a uma cultura carnavalesca, onde tudo é embrutecido, banalizado, onde o que é espalhafatoso e estúpido tem muito mais chance de ser recompensado do que o verdadeiramente meritório. Estão aí os artistas fantoches, os programas de auditórios e jornalísticos comprometidos com o lucro, os realities shows da vida, que não nos deixam mentir que o homem moderno não passa de uma besta exibicionista. Qual de nós é capaz de negar diante de tantas evidências de que vivemos naquela época “em que tudo que repugna uma joia encontramos”, como escreveu Charles Baudelaire no seu poema de abertura do livro As Flores do Mal. E são assim que correm os dias. Nem mesmo a literatura escapa do exibicionismo que prostrou os artistas a vulgaridade e entronou o frívolo como o mais novo guia da manada. O que mais se vê por aí são poetas que abdicaram de qualquer postura independente e séria, para seguirem o jogo da moda. “Nos nossos dias” escreve Mario Vargas Llosa em seu mais recente livro La Civilización del Espetáculo (ainda sem tradução para o português) “o que mais se espera dos artistas não é o talento nem a destreza, mas a pose e o escândalo, os seus atrevimentos não são mais do que as máscaras de um novo conformismo”. Oprimido pelo curral das convenções, impulsionado pelos padrões do entretenimento, o artista contemporâneo, numa embaraçosa postura de submissão aos credos vigentes, não emprega o seu oficio em ações comprometedoras do gosto publico ou dos interesses da Indústria Cultural. As efemérides ditam os rumos das coisas e o gosto médio assegura a sua qualidade. Quem será capaz de se levantar e dar uma bofetada no gosto público?

A verdade das mentiras

"Arendt explica que o mentiroso, ao contrário daquele que diz a verdade, é um homem de acção, uma vez que distorce a realidade. Em contrapartida, aquele que diz a verdade precisa de recorrer a uma retórica que impõe não a verdade em si mesma mas a sua coincidência com um interesse específico. Ele (ou ela) faz isso porque a verdade não é evidente, e só convence travestida de interesse. Ao mesmo tempo, sabemos que quem faz coincidir uma verdade com um interesse está apenas a exercitar um truque. E desconfiamos."

Pedro Mexia no blog Lei Seca

In My Life - A moldura de minha vida


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Músicas há que nos tiram o fôlego por traduzirem-nos emoções íntimas e nos revelarem infindáveis maneiras de dizer coisas, que muitas vezes, apenas pressentimos. Quando isso acontece, e não são raros esses momentos, quando se ouve boa música; eles vincam nossas vidas para sempre, moldando um gesto, uma pessoa querida, um amigo eterno, uma passagem de nossa vida, com um colorido todo especial, digno dos melhores quadros. In My Life dos Beatles é uma dessas molduras. Gosto também da versão de Ozzy Osbourne para esse hino ao amor incondicional. 

Não me recordo da primeira vez que a ouvi, mas, desde esse dia - esquecido pela memória - retorno sempre aos seus encantos, para não mais a esquecer. Mesmo que eu quisesse, porém, não seria possível apagar da minha vida essa música primaveril. Ela me toca pela singeleza de acordes e profundidade da mensagem, que possui um grau exato de exaltação romântica. Exaltação que em tudo recusa aquele sentimentalismo piegas e fácil, tantas vezes associados aos discursos líricos. 

Adeus Columbus - Excerto do livro de estreia de Philip Roth

A primeira vez que vi Brenda ela me pediu para segurar seus óculos. Então foi até a ponta do trampolim e, apertando os olhos, mirou a piscina; se estivesse vazia, Brenda não perceberia o fato, míope que era. Deu um belo mergulho e um instante depois voltava nadando para a beira da piscina, mantendo a cabeça, de cabelos avermelhados cortados curtos, erguida à frente, como se fosse uma rosa de caule longo. Rapidamente chegou à borda e veio ter comigo. “Obrigada”, disse, os olhos cheios d’água, mas não da piscina. Estendeu a mão para pegar os óculos, porém só os pôs nos lugar depois que me deu as costas e se afastou. Fiquei vendo-a ir embora. Suas mãos de repente apareceram atrás dela. Segurou a bainha do maiô com o polegar e o indicador e enfiou no devido lugar o pouco de carne que estava aparecendo. Meu sangue ferveu.

Philip Roth vence o prêmio Príncipe das Astúrias das Letras

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A literatura contemporânea deve muito a esse senhor. Seus livros são qualquer coisa de excepcional. O melhor dele é sua capacidade de transformar situações insólitas, em acontecimentos tragicômicos de alta voltagem. Ri de si mesmo, e não se levar tanto a sério; talvez seja a sua forma particular de tentar entender o mundo perscrutando os seus limites. Fico feliz em saber que ele recebeu hoje o Prêmio Príncipe da Astúrias de Literatura.  Merecido prêmio. 

Sou fã do Roth... Adoro seu estilo literário. Gosto ainda mais de seu desapego aos modismos e enfrentamento das convenções. Enfrentamento que tem lhe rendido algumas polêmicas como aquela de 2011, quando a jurada Carmen Callil do prêmio Man Booker o acusou de sexista, machista e chauvista.... Quantos elogios. Essa senhora tão politizada, não chegou a arranhar o brilho literário que estava sendo julgado. Roth agora leva mais um prestigiado prêmio para casa. Será ele o próximo Nobel? Não creio. A academia Sueca não costuma premir o estilo literário, a inventividade ou a criatividade de qualquer autor, mas sim o engajamento político dos escritores, uma infelicidade. Roth não é o tipo político, ao menos não naquele estilo panfletário e espetacular.

Para ouvidos indômitos


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Às novas gerações, adestradas pelos “médias”, afeitos ao conforto, muitas reservas, sim-nãos e cultores da mesmice, esse disco parecerá anacrônico e pouco atraente. Isso porque ele foi feito para aqueles seres insatisfeitos, que insistem em pensar a vida ao avesso das convenções. Por isso, o inesperado do som, as ousadias das letras, a genial capa, com os personagens históricos ou fantásticos, que os integrantes da banda sempre adoraram; aliado as inversões de timbres, que escancararam as portas para inovações sonoras depois desse LP, não serão julgadas apropriadas por aqueles que insistem em mais do mesmo. O espírito que governou e gestou esse disco não existe mais no mercado fonográfico. A liberdade criativa é hoje algo que os artistas apenas aspiram, sem sucesso. Seus muitos compromissos comerciais, mais o temor de melindra o público, acostumadíssimo às series ininterrupta daquilo que já foi sucesso, amedronta qualquer aspirante a explorador. Vai daí que os Beatles continuam atuais. A Banda do Clube dos Corações Solitários do Sgt. Pepper, disco dos Beatles produzido em 1967, que hoje completa quarenta e cinco anos - com o mesmo vigor com o qual desempoeirou vitrolas e corações adolescentes na década de 60 - fala apenas àqueles de natureza indômita, os indóceis e àqueles que não naturalizaram a história e que não a consideram um fato inelutável.