Perspectiva

À Lucélia Pardim 
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Se de asas me vê,
Enxergas-me pela metade.
Olhasse em direto,
Verias, que as sombras
Me acompanham.

São sem conta o número de novos extremistas

Bosch. A Parábola dos Cegos (1568): Essa tela é uma alusão ao Evangelho de Mateus 15:14 "Deixai-os: são condutores cegos: ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão na cova."
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Quando surgiram no face levantes contra os discursos de saudação ao retorno da ditadura, achei exagerado. Não quis acreditar que existisse alguém capaz de cogitar a hipótese, de ter no governo, homens de coldre na cintura. Achei que eram poucos e insignificantes as vozes que se alevantavam pedindo o injustificável. E por isso era dispensável perder tempo com eles.  Estava errado. Não eram exagerados os levantes e nem poucos os extremistas. Há sim, mais e mais, quem simpatize com os imoderados e ande de mãos dadas com os imorais que fingem inocência histórica. Por todos os lados, as bestas ganham adeptos e seguidores, e uma legião de cegos, levados por embusteiros, seguem prazenteiros rumo ao abismo. 

A Nêspera

Uma nêspera
estava na cama
deitada
muito calada
a ver
o que acontecia

chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a

é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece

Mário-Henrique Leiria in Novos Contos do Gin

Versão dita por Mário Viegas aqui

THE BOOKLOVERS



Dia a dia admiro mais e mais os portugueses. Motivos não faltam para isso. Um deles é que lá eles acarinham os seus escritores. Dão-lhes atenção, promovem os seus talentos e fazem festa com a sua existência. A prova provada dessa realidade pode ser vista no mais novo projeto do escritor, músico e fotógrafo Fernando Dinis. The Booklovers, é um saite que registar informalmente escritores portugueses. Através de belas fotografias e um despretensiosos perfil biográfico ficamos sabendo que os autores que mais admiramos têm olhos tão penetrantes quanto as palavras que fustigaram o nosso corpo, quando estivemos a ler os seus livros.


P.S. Há pelos menos um nome que aguardo ansiosamente por sua chegada a essas paragens. Ele é um blogueiro avesso a cerimonias, talvez por isso custe a aparecer, mas me traria muito contentamento em saber que também ele esteve ao lado de tantos bons nomes. 

Vazio


O secretário do Alckmin que admira idealismo do Isis.

É somente em momentos de grave crise moral, ética e política, como a que vivemos agora, que o desarrazoamento, ganha respeitabilidade e sentimentos antes reprimidos encontram voz e profetas.  Tempos nebulosos nos esperam no futuro. Quem será capaz de nos livrar dessas ciladas? Apeguem-se aos botes e corram à popa que esse barco desgovernado, está em rota de colisão.  

Embotar os sonhos

Foto: Ferdinando Scianna – Capri, 1984.

Penso, que ainda vive em mim, uma vontade ridícula de ganhar o mundo com uma mochila nas costas. Quem me conhece, também pensaria o mesmo que eu, se soubesse o que vive em mim de sonhos. Ridículos sonhos. Querer bater o pó da estrada, tendo como veículo, os próprios pés, e como bússola, na ausência de um melhor guia, o pau da venta, são coisas que não me cabem mais. Tivesse hoje os meus velhos dezessete anos. Andasse só no mundo, e talvez essa ideia não fosse, assim como parece hoje: ridícula. Mas já se passaram os anos. Os dezessete, tenho-os hoje em dobro. Assim como também não ando mais só. A vida vai embotando os nossos melhores sonhos e se encarregando de tornar, o que parecia outrora lindo, um tormento sem fim, por se saber impossível.

Desertificar

Já nem bem completei três décadas de vida e percebo, com desagradável surpresa que, ando a despedir-me, inesperada e involuntariamente, daqueles que, ainda ontem, emolduraram comigo uma foto para o futuro. Sinto que a vida vai aos poucos se desertificando. 

Literatura clássica e suas relações com a cultura popular: Ceci e Peri - Trio de Ouro (Carnaval de 1937)


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Fala-se amiúde em excluir os clássicos das escolas. Os defensores dessa ideia dizem serem as obras inacessíveis aos jovens. Os clássicos seriam datados e diriam pouco às massas de adolescentes oriundas das camadas pobres. Melhor proveito tirariam eles em ler as obras mais “acessíveis” (entenda-se os best sellers). O curioso é que, só na cabeça dos defensores, da exclusão dos clássicos das escolas, ocorre pensar que eles são inacessíveis as camadas populares. Desde sempre a literatura dita, canônica, esteve intimamente ligada as raízes populares em parcerias insuspeitas. Veja-se a propósito o caso do livro O Guarani. Anos depois de Carlos Gomes estrear a sua versão musical da obra de José de Alencar no Teatro Scala de Milão, as histórias de Peri e Ceci ressurgiriam em uma bela intertextualidade do clássico com o popular no carnaval de 1937. Quem encarregou-se da tarefa foi o compositor Príncipe Pretinho e teve como interpretes o Trio de Ouro: Dalva de Oliveira, Herivelto Martins e Nilo Chagas. A marchinha foi gravada no primeiro disco do trio. O Guarani também inspirou vários sambas-enredos de sucesso, que desfilaram pelo carnaval através da interpretação popular. A Império Serrano levou para avenida em 1954 o enredo: O Guarani, baseado na obra de J. de Alencar e inspirada na música de Carlos Gomes; em 1971 foi a vez da Unidos de Bangu desfilar na avenida com o enredo: O Guarani, de José de Alencar; em 1990 quem encantou o público, recontando no carnaval a saga do amor de Ceci e Peri, foi a União de Vaz Lobo (Guaraná, Guarani). Esses são alguns dos exemplos da relação de proximidade entre o clássico e o popular. Tivemos outros sambas-enredos, inspirados na obra do Cearense José de Alencar. Não só José de Alencar e sua obra magistral mereceram honraria iguais, outras grandes obras da nossa literatura também foram acarinhada pelo popular em marchinhas, sambas e outras manifestações que denunciam a sua inquestionável relação de proximidade. Agora pergunto? Como pode ser tão inacessível, uma obra que esteve sempre ligada as fontes de inspiração popular? Seriam hoje os nossos jovens tão atabalhoados que não se dariam conta daquilo que foi tão evidente em outros tempos, por quem teve bem menos acesso a informação do que eles? 

O riso na fotografia de Elliot Erwitt

Já referi aqui sobre como nada escapa ao interesse da fotografia. Todos os temas lhes são caros. Vemos por aí fotografia de rua, fotojornalismo, fotografia de moda, de natureza, paisagens, viagens, etc... Mas há um tema em particular que, quase nunca vemos, ao menos com a recorrência dos demais. Refiro-me a fotografia de cunho humorístico. Falta humor nas fotografias de nosso tempo.

Não creio que isso ocorra porque os fotógrafos o entenda como uma expressão menor. Esta é uma interpretação dos tolos e dos tirano. Os tolos pela estultícia de suas mentes e os tiranos pelos temores de que suas ambições encontre questionadores, que ousem desmentir as certezas que lhes asseguram as posições.

Acho mais provável a alternativa que advoga a ideia de que fazer humor em fotografia é difícil. E por essa razão, os interessados em abordarem o tema, desistam da ideia quando mal aventaram a possibilidade. Fazer humor bobo, patético ou grosseiro tem sido o mais próximo que muitos conseguem chegar do tema. Esse tipo de humor qualquer um é capaz de fazer. Mas um humor que profane o solene, desbote o verniz, que maquila as aparências e infrinja as certezas postiças que, envolvem a nossa sociedade, esse humor é tarefa para destemidos, que não se deixam vencer pelas ideias vazias que vai pelas cabeças dos patetas.   

Humor pateta é fácil. Humor com substância interrogativa e desvendadora da natureza humana são outros quinhentos. Mas há pelo menos um nome na fotografia que tomou para si a tarefa de encarar o tema com o talento e perspicácia que lhe é devida. Foi o francês Elliot Erwitt (Elio Romano Ervitz é o seu nome de batismo). Erwitt nasceu em Paris em 1928. Foi criado na Itália, mas a partir de 1941 adotou os EUA como pátria. Fez isso quando teve que fugir com a família, da tirania nazista que encobria a Europa e ameaçava o mundo com ideias tenebrosas de hegemonia racial.   

Nos EUA Elliot Erwitt construiu uma carreira respeitada e se tornou um dos poucos fotógrafos dedicados ao riso. Sua lente em décadas de atividade esteve apontada para os flagrantes de momentos irônicos e indiscretos que revelam detalhes risíveis do nosso comportamento quando não estamos ocupados demais em fingir decoro. Veja-se a propósito disso a seleção de algumas de suas melhores fotografias sobre o tema abaixo:  

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Versailles, 1975.
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Espanha, Madrid, 1995. Museu do Prado.
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East Hampton, Nova York, EUA, 1983.
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Central Park, Nova York, 1990.