Herberto Helder (1930 - 2015)

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A poesia é certamente daquelas raras coisas humanas que nos conforta e nos protege das amostras de estupidez e loucuras que os dias nos trazem. Por isso é sempre triste saber que um desses abnegados desconstrutores de desenganos partiu. De regresso ao blog, depois de alguns dias ausentes dou com a triste notícia do passamento do poeta português Herberto Helder, ocorrida na última segunda-feira, 23. Para grande maioria dos brasileiros o nome de Herberto Helder, como de resto acontece com quase todos os nomes de poetas por aqui, é uma novidade, que somente a morte é capaz de arrancar do anonimato (ou talvez nem isso). O mesmo não acontece em seu país. Em Portugal Herberto Helder foi cultuado e admirado como o "maior poeta português da segunda metade do século XX". Isso tudo sem se deixar fotografar, sem dá entrevistas, e publicar em intervalos de anos longuíssimo. Como se vê ele não era dado a salamaleques. Sua entrega era à arte. Valendo-se apenas de sua inventividade poética que tinha entre outras qualidades precipitar o leitor em certas realidades suscitadoras de questionamentos das aparências, Helder construiu uma carreira poética “pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos”. Abaixo um dos poemas que mais recito do poeta, que morreu gregamente.  


Li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios

li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios,
quando alguém morria perguntavam apenas:
tinha paixão?
quando alguém morre também eu quero saber da qualidade da sua paixão:
se tinha paixão pelas coisas gerais,
água,
música,
pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos,
pelo corpo salvo dos seus precipícios com destino à glória,
paixão pela paixão,
tinha?
e então indago de mim se eu próprio tenho paixão,
se posso morrer gregamente,
que paixão?
os grandes animais selvagens extinguem-se na terra,
os grandes poemas desaparecem nas grandes línguas que desaparecem,
homens e mulheres perdem a aura
na usura,
na política,
no comércio,
na indústria,
dedos conexos, há dedos que se inspiram nos objectos à espera,
trémulos objectos entrando e saindo
dos dez tão poucos dedos para tantos
objectos do mundo
e o que há assim no mundo que responda à pergunta grega,
pode manter-se a paixão com fruta comida ainda viva,
e fazer depois com sal grosso uma canção curtida pelas cicatrizes,
palavra soprada a que forno com que fôlego,
que alguém perguntasse: tinha paixão?
afastem de mim a pimenta-do-reino, o gengibre, o cravo-da-índia,
ponham muito alto a música e que eu dance,
fluido, infindável,
apanhado por toda a luz antiga e moderna,
os cegos, os temperados, que não, que ao menos me encontrasse a paixão e eu me perdesse nela,
a paixão grega

Anexins

Família, filhos, parentes

 1 Quem é caça, puxa a raça.

 2 Filho de peixe, peixinho é.

 3 É de pequenino que se torce o pepino.

 4 Filho enfeitado, xibungo criado.

 5 Filho paparicado, tarado formado.

 6 A quem filhos não têm, sobrinhos lhe vêm.

 7 Quem dorme com criança amanhece cagado.

 8 Casamento e mortalha no céu se talha.

 9 Em briga de marido e mulher não se bota a colher.

10 Com mulher de bigode, nem o diabo pode.

11 Se mulher canta de galo, o marido sai pelo ralo.

12 O marido é sempre o último a saber.

13 Há vícios que acontecem nas melhores famílias.

14 Marido não é parente.

15 Parentes são os dentes.

16 Com mulher de pelo na venta, o diabo não agüenta.

17 Nem os dedos são irmãos.

18 Casa onde não tem pão, todos brigam e ninguém tem razão.



19 Mais vale um bom vizinho do que todos parentes, sozinho.


Anexins colhidos por  OSWALDO ELIAS XIDIEH, publicados aqui

Imprecação

Rogar aos santos a intercessão divina contra os males que afligem o povo, parece ser prática frequente nas comunidades menos favorecidas de todo o Brasil. Sem auxilio terrestre o povo se socorre no único recurso disponível ao seu alcance, Deus e os Santos. Roga-se a tudo. Contra as pragas que assolam a lavoura. Contra os temores noturnos. Contra as doenças. São infindáveis os males que afligem o povo. Um dos mais violentos desses males é com certeza o flagelo da seca. Há uma infinidade de orações pedindo a intercessão dos Santos junto a Deus para cessar a escassez e permitir logo que chova. Encontrei aqui em Caetité uma senhora que me narrou uma reza que era invocada sempre que o flagelo da falta d´água se tornava pesado demais para suportar.

Oração a Santa Maria Madalena.

“Santa Maria Madalena tenha dó dos inocentes, não deixa morrer de fome, não deixa morrer de sede. Chuva por esmola, pão que nos consola, sol que alumeia. Santa Maria rogai por nós.”


Não consegui entender por que a súplica era a Santa Maria Madalena e não a São Pedro, reconhecido padroeiro das águas. Li a Legenda Aurea de Jacopo de Varazze o verbete sobre a Santa M. Madalena. Não encontrei nenhuma relação direta entre ela e o auxílio aos flagelados da seca. Havia porém uma menção ao auxilio de Maria Madalena na gravidez de uma rainha que não podia ter filho. 

A propósito das críticas à Casa Anísio Teixeira que demitiu alguns funcionários na última semana

Desconheço as razões das demissões. Imagino que seja um reflexo das crises, que atualmente assolam o país. Não obstante esse turbilhão de coisas, a Casa ainda preserva uma grande importância para Região mantendo viva iniciativas que dignificam a sua existência. As críticas são salutares. Elas demonstram as sinceras preocupações com aqueles que perderam os seus empregos e com o futuro da CAT. Porém, algumas, são injustas. Por isso a administração da CAT deve absorvê-las e manter-se sóbria quanto ao cumprimento de seu dever que, até aqui, tem sido incontornável. Falando como frequentador da Biblioteca, é difícil imaginá-la sucateada. Os mais recentes e importantes trabalhos literários estão quase todos lá, veja-se a propósito os trabalhos do chileno Roberto Bolaño. Merece ainda destaque os livros sobre fotografia, especialmente um sobre Pierre Verger, dificilmente encontrado em outras bibliotecas em toda a região, inclusive em acervos particulares. Quem frequentar a Casa habitualmente percebe que ela está investido vigorosos esforços na manutenção de seu acervo bibliográfico. E faz isso da forma mais democrática possível, consultando os seus frequentadores e pedido sugestões de livros, para incremento de seu acervo. Uma lição de gestão participativa e democrática, que faria muito bem alguns administradores em copiar. Os títulos disponíveis atestam a qualidade e a variedade. Está lá toda a obra de Gabriel Garcia Marquez, Mario Vargas Llosa, Jorge Amado, Shakespeare, Cervantes, José Saramago e outros nomes indispensáveis da literatura. Mas não são apenas aos grandes clássicos que a Casa dispensa sua atenção. Ela também se abre às obras de apelo popular e estende suas fronteiras por todos os gêneros literários. Sua biblioteca ainda serve a comunidade docente de todo o município cedendo fantoches, brinquedos, jogos, e outros materiais escolares que auxiliam os professores na árdua tarefa de ensinar. Sei disso porque minha esposa faz uso constante desse material. Esses recursos pedagógicos foram confeccionados em oficinas de formação e qualificação de professores. A esses invulgares esforços de formação cultural e auxilio ao ensino, a Casa presta também um relevante serviço na formação de público para o cinema e o teatro, graças aos esforços de Tide e Nando Dias. Iniciativa exitosa e invejada por outras cidades da região. Esses e outros tantos trabalhos desenvolvido pela Casa faz dela um centro de excelência na tarefa de divulgação da cultura, preservação do patrimônio, incentivo à formação docente e principalmente manutenção da memória e do legado de Anísio Teixeira. E por falar em memória me ocorre aqui a lembrança de outra ação da Casa que qualifica ainda mais a sua administração e atesta a sua reconhecida preocupação com a preservação de mais esse patrimônio cultural. Desde 2010 a Casa através do projeto Memorial de Saberes e Fazeres populares tem ido a campo colher informações sobre os modos de vida, as crenças, a culinária, as formas de arte que ainda restam na tradição da popular de todo o Sertão Produtivo. Documentando e recolhendo das fontes mais confiáveis - as vozes da tradição - os costumes e modos de vida que a modernidade teima em liquidar, a Casa tem preservado pra posteridade um rico acervo de documentos escritos, filmados e fotografados de nossa identidade cultural. Esse acervo conta hoje com mais de uma centena de depoimentos de reconhecidos mestres populares. Dele já se organizou três livros, produzidos pela Casa e distribuídos às bibliotecas escolares de todo o Sertão Produtivo. O material está também disponível para acesso do público e para pesquisadores da cultura interessados em um acervo etnográfico incomparável. Com todos esses serviços prestados e mais outros em andamento, fica difícil imaginar que a Casa ter “servindo apenas como mais um espaço físico para encontros”. 

Cacos