A arte precisa provocar o espanto, mas só os idiotas espantam-se com o ordinário




Transcrição da matéria do Jornal da Tarde de 13 de abril de 2002 com o artista Antonio Veronese e suas opiniões sobre a arte contemporânea na Bienal de São Paulo:

Essa bienal é um engodo, diz Veronese Artista brasileiro que exigiu o dinheiro de volta na Bienal 2002 do Museu Whitney em Nova York, foi à 25° Bienal de SP a convite do JT e analisou o que vale e o que não vale o ingresso. André Nigri-Jornal da Tarde.
“Há mais emoção e história em uma aquarela de Egon Schiele (1880-1918) do que em todo o pavilhão da Bienal paulistana". A frase de Antonio Veronese pode dar a entender que seu autor, um artista brasileiro que transita entre os Estados Unidos e a Europa, é um outsider ressentido com os colegas que expõem na maior mostra de arte contemporânea da América Latina. No entanto Veronese tem quadros seus pendurados nas Nações Unidas (Painel Save the Children) , na FAO em Roma ( Painel Famine), no UNICEF ( JUST KIDS), no Congresso Nacional ( Painel Tensão no Campo), na Universidade de Genebra, etc… Alem disso, Veronese expõe e vende nos Estados Unidos e na Europa, e é um velho militante de causas sociais no Rio de Janeiro- cidade onde fica quando visita o Brasil.
Ao comparar a obra de Egon Schiele às instalações e performances dos 190 artistas de 70 países abrigados na 25°Bienal de São Paulo, aberta até junho, Veronese coloca em discussão o que se faz e o que se classifica de arte hoje e para que ela serve. “Quase tudo que está aí não vale quase nada... É uma infantilidade preencher esse espaço com obras que são um engodo” disse Veronese na manhã de ontem, depois de visitar o Pavilhão do Ibirapuera a convite do Jornal da Tarde.
Ao contrário do que aconteceu no mês passado no Whitney Museu de Nova York, não foi preciso chamar a polícia para esfriar os ânimos de Veronese desta vez, mas sua reação foi contundente da mesma forma. “A maioria do que vi no Whitney e que vejo aqui é resultado de uma idéia imediatista e simplória. Esses artistas são filhos espúrios de Duchamp” disse.
Consciente de que está comprando uma briga feia, Veronese não poupa nem os curadores de suas críticas: “São eles os maiores responsáveis por esse lixo. Não há mais curadoria decente na Bienal. E digo isso sabendo que muita gente gostaria de dizer o mesmo, mas não o faz”.
Ao ser confrontado com algumas das obras da Bienal paulistana, Veronese foi categórico. Chamou a instalação de José Damasceno de leviana, e ao aproximar-se da obra do gaúcho Daniel Acosta, intitulada “Estação Avançada com Paisagem Portátil” comentou: “Se nós mudarmos o nome disso não faz a menor diferença.. Em relação ao trabalho do carioca Chelpa Ferro , um automóvel que foi destruído em uma performance na abertura de Bienal, disse, “Acho um absurdo que uma bobagem dessas ocupe espaço precioso numa bienal. Deveria estar num ferro velho”.
Qual seria a saída? Para Veronese, as instalações vão se esgotar por si mesmas. "Não se pode confundir decadência com vanguarda. Acreditar que tudo já foi feito e que temos que montar essas bobagens é encenar a nossa própria decadência, diz o autor de Famine e Tensão no Campo.
Entrevista de Antonio Veronese depois das críticas às bienais Whitney e São Paulo.
Pergunta: Você, quando critica as bienais do Whitney e de São Paulo, não está negando aos artistas conceituais o direito de expor seus trabalhos? Isso não é antidemocrático?
Antonio Veronese: Eu não nego a ninguém o direito à exibição. Só acho que essas instalações deveriam estar num parque-de-diversão e não em museus. São objetos para o divertimento e a interação, da mesma forma que um boliche ou stand de tiro-ao-alvo. Mas isso, absolutamente, nao é Arte!, ainda que pareça revolucionario afirmar o contrário.
Pergunta: O que gerou o teu protesto no Whitney?
Veronese: Foi uma reação natural de quem se sentiu ludibriado pagando 10 dollares para ter acesso a um amontoado de “facilidades”. Os “autores” disso são conscientes do farsismo e riem de nós. O que fazem é terrorismo estético, uma tentativa de apagar todo o conhecimento acumulado. Eles sabem que o que fazem não têm nenhum valor, mas contam com a elasticidade moral de curadores simplórios e com a ignorância endêmica da crítica.
Pergunta: Você chama a esses artistas de filhos-espúrios-de-Duchamp. Por quê?
Veronese: Arte é produto de duas experiências: uma histórica e outra pessoal. O artista precisa conhecer a Arte que o antecedeu, senão vai ter que inventar a roda a cada vez. Mas precisa também da segunda experiência, a pessoal, fruto do seu trabalho contínuo, do lento avançar naquilo a que dedica. Cézanne, aos 64 anos, já havia parido o modernismo mas reclamava que ainda não havia conseguido ir até o fim na sua busca. O caminho é longo e exige paciência e dedicação.
Esse pessoal das instalações não é burro não, conhece a História, mas tenta dar uma rasteira na segunda exigência, a da experiência pessoal. Socorre-se para isso de conceitos que serviram em outras situações mas que, no caso deles, não passa de malandragem. O urinol virado por Duchanp é consequência de uma busca pessoal, num contexto particular e específico. Mas defender que o urinol possa ser manipulado indefinitivamente é encenar a nossa própria decadência. Por isso digo que os conceitualistas são filhos espúrios de Duchamp. Propõem mediocridade profanatoria embalada de vanguarda!
Pergunta: Que diferença existe entre essa tua crítica e a que sofreram os impressionistas no século XIX?
Veronese: A Arte é oficio do Homem, interferência do Homem; ela não é espontânea na natureza! É produto da interferência humana, e não pode ser supérflua ou presunçosa. Victor Hugo dizia que a obra de arte é uma variedade do milagre e, para Malraux, os artistas não são copistas de Deus mas seus rivais! A "arte" conceitual pretende socializar o direito de produzir arte, antes restrito, como é natural, aos artistas! Por isso o que produz é facilmente copiável, diferentemente de um retrado de Rembrandt ou das maçãs de Cezanne. Comparar minha crítica com as que sofreram o impressionismo e o modernismo é um exagero. Uma outra vez eu "incorporei” minha bota de couro a uma instalação do Tunga no Whitney do Soho em Nova York. Só fui recuperá-la no dia seguinte. E ela estava ainda lá, no mesmo lugar em que a deixei. Ninguém se dera conta de que, por 24 horas, eu havia me tornado co-autor da instalação conceitual de Tunga. Isso seria impossível com uma tela de Bacon, uma escultura de Maillol, ou mesmo com o Circo de Calder.
A crítica foi, muitas vezes na História, preconceituosa e totalitária. Mas questionar meu direito de exercê-la agora é também uma forma de totalitarismo. Para mim há mais humanidade e humanismo em uma simples aquarela de Egon Shiele do que em toda a Bienal de São Paulo reunida.
A Arte precisa do espanto, mas só os idiotas espantam-se com o ordinário.

Desculpas para não ofertar às massas um conteúdo decente



“O problema não está no vulgo, que

pede disparates, mas naqueles que não   

sabem representar outra coisa”.


Cervantes no livro Dom Quixote

Academia de ilusões e a estupidificação coletiva

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Um fato que sempre me espantou na academia, é que ela há muito tempo, deixou de influenciar a sociedade para assumir passivamente e de forma muitas vezes serviu às vulgaridades da vida moderna. Não é muito difícil encontrar professores que insistem, talvez pela obtusidade crônica em que vivem, em dizerem que os fast-food televisivos não são danosos à aprendizagem e que eles não comprometem a qualidade de pensar e agir dos alunos. Esse pensamento, baseado no princípio do multiculturalismo, acabou por lançar na vala comum todos os critérios que balizavam a qualidade do ofício artístico. Em contraposição, ao exercício salutar do diálogo com os objetos oferecidos como artísticos, equivocadas formas de qualificação passaram a dominar o pensamento acadêmico. O neurocientista argentino, naturalizado brasileiro, Iván Izquierdo discorda da ingenuidade televisiva. Para ele, “ao apresentar informações prontas e digeríveis” a tevê reverte o processo de aprendizagem e compromete a memória. Ao eliminar a possibilidade de ordenação e criação através da interação com os objetos a tevê, que já oferece tudo pronto, desestimula inclusive a capacidade de memorização, comprometendo assim de forma maquiavélica gerações e mais gerações de jovens. Ao se tornar dependente de estruturas prontas e reconhecidas o nosso cérebro não cria mais os impulsos necessários para expansão das capacidades de armazenamento de novas informações. Temos aí uma porta aberta para demência, algo que qualifica muitos de nossos acadêmicos na atualidade. Num processo inverso, ao desse desserviço que nos presta a tevê, segundo o neurocientista, está a leitura. Para Izquierto a leitura é o melhor exercício para memória e expansão do conhecimento. Essa constatação, diante de um país que não ler, e de professores que não estimulam os alunos à leitura nos põe a pensar que a suinucultura alastrada pela tevê, rádio e outros veículos “culturais”, associado ao descaso acadêmico vitimarão indiscriminadamente todas as potencialidades humanas do nosso país por um longo período.  

A importância da mídia livre e (bem) longe dos poderosos

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George Orwell, que escreveu 1984, o livro do Big Brother, e Revolução dos Bichos, disse que “jornalismo é tudo aquilo que não querem que você publique. Todo o resto é propaganda”. 

Amparado nessa perspectiva exemplar do escritor indiano, vejo com extrema preocupação este 4° poder, sem dúvida mais importante do que todos os três anteriores, estar irmanado, cada vez mais, com os grupos políticos da situação. 

Na Bahia, vejo esse tipo de relação e suponho que ela não seja benéfica e nem saudável para a democracia. Porque dessa amizade entre jornalistas e prefeitos, existe um fator maior do que a verdade, que coroa essa relação: dinheiro. 

Nenhuma mídia, jornal, revista, estação de TV funciona sem dinheiro. Então, a solução encontrada é passar a cuia na mão de quem pode pagar pela informação: nossos digníssimos políticos. 

Não espanta que as mídias, hoje em dia, sobretudo as virtuais, não escondam mais de ninguém a quem estão apoiando, fazendo com que seu corpo editorial e suas matérias sejam, portanto, parciais e sem nenhuma relevância social. Elas já não disfarçam mais – e seguem atuando como legítimas porta-vozes não do povo, mas das administrações que defendem e de quem cobram a fatura. Na época da campanha política, fazem dos veículos verdadeiros palanques. Uma vez eleitos, como compensação, fazem uma inequívoca publicidade dos prefeitos e políticos que lhes pagam, divulgando amplamente suas obras, mas tomando o extremo cuidado de omitir algo que desabone os “patrões”. Está errado. 

Só o fato de (grandes) conglomerados e (grandes) jornais serem controlados por grupos políticos, já me espanta. 

Nunca me esqueço do livro Odorico na Cabeça, do imortal Dias Gomes, autor de O Bem-Amado. Sentindo-se agredido em sua honra pelos ataques de um jornal de Sucupira, Odorico – esperto – também criou sua própria imprensa para divulgar seus projetos estapafúrdios. Trata-se da Folha de Sucupira. Essa, ele julgava imparcial. Quanto à mídia que teve a coragem de expor suas loucuras, ele a classificava de “marronzista”. 

Quando a imprensa faz as pazes com o poder, alguma coisa está errada. 

No interior da Bahia, sei que aonde vão os prefeitos, lá estão os “jornalistas” atrás, no encalço. Jornalista que se preza não pode estar para cima e para baixo com prefeito. Se quiser servir à sociedade e honrar a profissão, deve investigar, apurar, colher as informações verdadeiras e publicá-las, sejam boas ou ruins, doam a quem doer. 

A imprensa tem a obrigação de fiscalizar o poder, e não de se aliar a ele.

Carnaval das convenções

.Marc Hom


A origem mais remota do carnaval esta na Grécia Antiga durante as celebrações em agradecimento à colheita da uva. Os antigos Gregos agradeciam com festas e muita bebedeira ao deus Baco pela safra do ano. Durante essas homenagens, que duravam 5 dias eram frequentes a embriaguez coletiva. No frenesi das comemorações explosões anárquicas e passionais eclodiam do meio da multidão. Em êxtase a comunidade rebelava-se contra as pressões hierárquicas, sexuais, religiosas e sociais que soterravam os anseios mais recônditos da psique humana. Por um curto espaço de tempo podia-se viver livremente as fantasias e desejos até então represada pela moralidade vigente. Suspensa temporariamente as rígidas formas sociais, homens e mulheres, escudados pela máscara das representações, fingiam serem o que bem desejavam. Imitavam animais, fingiam-se deuses, rainhas, reis, seres fantásticos e toda ordem de maravilhoso emanava das mentes desobrigadas de servirem a razão instituída. Não preciso dizer que essas festas logo foram perseguidas e os rituais caracterizados como desvios morais e proibidos. Não se podia admitir que reis, deuses e autoridades tão elevadas fossem frontalmente ridicularizados como eram nesses festejos. Podia-se correr o risco de que as pessoas, ao imitarem sarcasticamente essas autoridades, matasse o temor que as mantinha servis às suas autoridades. Dessas representações surgiu o TEATRO em sua forma mais rudimentar. Desde os tempos mais remotos ele teve uma função social transformadora; penetrar o impenetrável, questionar o inquestionável e sugerir outras formas de pensar a realidade, para além daquelas existentes. Porém, como ocorreu no passado e se repete agora no presente, o que surgiu como uma forma espontânea de subversão a ordem instituída e questionadora das estruturas sociais, foram descaracterizada de sua força anárquica e subjugada aos interesses mercadológicos. Diz-se então que foi encabrestada para assegurar a continuidade do pensamento racional. Não se vê mais no carnaval a explosão incontrolada de “desrespeito às formas e medidas” apontando para outras formas de consciência. Em A Origem da Tragédia, o original pensador alemão Nietzsche questiona a cultura socrático-platônica, de cariz racionalista para valorizar a rebeldia dos espíritos livres, originaria dos carnavais.  O que ocorre há já bastante tempo é que a Indústria Cultural tomou de assalto essa festa popular e a transformou em uma diversão despretensiosa e controlada, onde um bando de acéfalos, cheios de vulgaridade, descarregam suas frustrações e esperam viver, mesmo que por poucos instantes, as alegrias controladas por um script traçado.