Uma foto que resulte bem.

Uma boa foto não é uma que resulte tecnicamente perfeita. Mas uma que sugira com um número pequeno de recursos, uma mensagem que ultrapasse o que se ver de imediate. Fazer isso é muito difícil.

Harry Gruyaert

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Aprecio muito as fotografias de Harry Gruyaert. Isso porque para mim elas expressam aquele ideário simpático de beleza livre.

Luz e cor

Não estou de acordo com os que afirmam ser a fotografia colorida apenas destinada a tornar os elementos visuais preponderantes. Menos ainda acredito que o p&b tenha o potencial de gerar fotografias que apelam mais ao intelecto, enquanto que a foto colorida fala somente aos sentidos. A polarização desses estilos, em critérios tão definitivos, não me parece justa. Tanto o colorido pode ser destinado ao intelecto, quanto o preto e branco pode dirigir-se aos sentidos. O uso de um ou de outro estilo é apenas uma questão de empatia.

Entusiasmo

Ao ser destacado para realizar um livro de contos populares, que reunisse a produção italiana desse gênero literário, Ítalo Calvino vai dizer que, no meio do caminho foi tomado de tanto entusiasmo pela tarefa que essa se tornou numa paixão que rapidamente se transformou em mania. A febril compulsão pela recolha o fez dizer que, era bem capaz de trocar o seu interesse por todo o Proust por uma nova variante do conto: O Burrinho Caga Moedas de Ouro. “Havia sido capturado, de maneira imprevista, pela natureza tentacular, aracnídea do meu objeto de estudo...”. Confessará o gênio da literatura italiana. Sentirá o mesmo febril e compulsivo entusiasmo os folcloristas que hoje se lançam a campo a busca de novas versões dos contos?

O Mergulhador - Vinícius de Moraes


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O MERGULHADOR - VINÍCIUS DE MORAES.
Como, dentro do mar, libérrimos, os polvos
No líquido luar tateiam a coisa a vir
Assim, dentro do ar, meus lentos dedos loucos
Passeiam no teu corpo a te buscar-te a ti.

És a princípio doce plasma submarino
Flutuando ao sabor de súbitas correntes
Frias e quentes, substância estranha e íntima
De teor irreal e tato transparente.

Depois teu seio é a infância, duna mansa
Cheia de alísios, marco espectral do istmo
Onde, a nudez vestida só de lua branca
Eu ia mergulhar minha face já triste.

Nele soterro a mão como a cravei criança
Noutro seio de que me lembro, também pleno...
Mas não sei... o ímpeto deste é doído e espanta
O outro me dava vida, este me mete medo.

Toco uma a uma as doces glândulas em feixes
Com a sensação que tinha ao mergulhar os dedos
Na massa cintilante e convulsa de peixes
Retiradas ao mar nas grandes redes pensas.

E ponho-me a cismar… - mulher, como te expandes!
Que imensa és tu! maior que o mar, maior que a infância!
De coordenadas tais e horizontes tão grandes
Que assim imersa em amor és uma Atlântida!

Vem-me a vontade de matar em ti toda a poesia
Tenho-te em garra; olhas-me apenas; e ouço
No tato acelerar-se-me o sangue, na arritmia
Que faz meu corpo vil querer teu corpo moço.

E te amo, e te amo, e te amo, e te amo
Como o bicho feroz ama, a morder, a fêmea
Como o mar ao penhasco onde se atira insano
E onde a bramir se aplaca e a que retorna sempre.

Tenho-te e dou-me a ti válido e indissolúvel
Buscando a cada vez, entre tudo o que enerva
O imo do teu ser, o vórtice absoluto
Onde possa colher a grande flor da treva.

Amo-te os longos pés, ainda infantis e lentos
Na tua criação; amo-te as hastes tenras
Que sobem em suaves espirais adolescentes
E infinitas, de toque exato e frêmito.

Amo-te os braços juvenis que abraçam
Confiantes meu criminoso desvario
E as desveladas mãos, as mãos multiplicantes
Que em cardume acompanham o meu nadar sombrio.

Amo-te o colo pleno, onda de pluma e âmbar
Onda lenta e sozinha onde se exaure o mar
E onde é bom mergulhar até romper-me o sangue
E me afogar de amor e chorar e chorar.

Amo-te os grandes olhos sobre-humanos
Nos quais, mergulhador, sondo a escura voragem
Na ânsia de descobrir, nos mais fundos arcanos
Sob o oceano, oceanos; e além, a minha imagem.

Por isso - isso e ainda mais que a poesia não ousa
Quando depois de muito mar, de muito amor
Emergido de ti, ah, que silêncio pousa


Ah, que tristeza cai sobre o mergulhador!Ah, que tristeza cai sobre o mergulhador!

Se de Rudyard Kipling

Se

Se és capaz de manter a tua calma quando
Todo o mundo ao teu redor já a perdeu e te culpa;
De crer em ti quando estão todos duvidando,
E para esses no entanto achar uma desculpa;
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
Ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
E não parecer bom demais, nem pretensioso;

Se és capaz de pensar --sem que a isso só te atires,
De sonhar --sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se encontrando a desgraça e o triunfo conseguires
Tratar da mesma forma a esses dois impostores;
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas
Em armadilhas as verdades que disseste,
E as coisas, por que deste a vida, estraçalhadas,
E refazê-las com o bem pouco que te reste;

Se és capaz de arriscar numa única parada
Tudo quanto ganhaste em toda a tua vida,
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
Resignado, tornar ao ponto de partida;
De forçar coração, nervos, músculos, tudo
A dar seja o que for que neles ainda existe,
E a persistir assim quando, exaustos, contudo
Resta a vontade em ti que ainda ordena: "Persiste!";

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes
E, entre reis, não perder a naturalidade,
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
Se a todos podes ser de alguma utilidade,
E se és capaz de dar, segundo por segundo,
Ao minuto fatal todo o valor e brilho,
Tua é a terra com tudo o que existe no mundo
E o que mais --tu serás um homem, ó meu filho!



"If", de Rudyard Kipling; tradução de Guilherme de Almeida. Em tempos nebulosos, onde palácios de governos se confundem com lupanários, e onde políticos estão absolutamente disponíveis para negociatas as abertas, If, de Rudyard Kipling restitui-nos a grandeza humana apostando naquilo que ela tem de mais honrosa: A persistência em novas atitudes , mesmo ante tão maus exemplos.

Economês

Ontem os jornais anunciaram que a taxa de juros selic caiu 0,25 pontos percentuais. No mesmo dia, os membros do maior cartel do mundo (que também atende pelo nome de OPEP) foi à imprensa anunciar a redução da produção de petróleo, com o intuito de ajudar as economias dependentes da exportação desse produto, aumentarem as suas receitas. Não entendo economês, mas jurava que todos esses anúncios na imprensa, pelo ar de contentamento dos apresentadores, sugeriam que a engrenagem da economia estava sendo, finalmente, azeitada com óleo e não com arreia. Desejoso de comprar um livro saltei do sofá e corri à internet. Se a economia vai bem os livros devem estar uma baba. Ledo engano. O entusiasmo dos economistas não se refletiu no ânimo das lojas virtuais. Imagina que um livro que namoro há dias saia da loja na semana passada por 9,90 mangos. Ontem o mesmo livro estava por 35,94 mirréis. Hoje o livro só sai da loja pela assustadora quantia de 44,93 dinheiros. Não adianta a taxa de juros caírem, os carteis acenarem com boas notícias, ninguém está acreditando mais nos gurus de Wall Street. O resultado disso tudo é que a estante lá de casa vive reclamando orfandade dos livros.