28
de
abril
Serge Gainsbourg a Jane Birkin
.
Para lá de todas as coisas amáveis,
para lá de todas as coisas desejáveis,
a tua nudez na ponta dos meus dedos,
uma bola de fumo pairando sobre o piano
e cada poro teu tocado como se fosse
uma tecla, uma tecla emitindo o som
de cordas surdas, as tuas veias, cada
um dos teus nervos, e eu enredado
em ti como o insecto na teia da aranha,
para lá de todas as coisas definíveis,
os contornos do teu corpo à luz
de um tecido transparente, beleza
incomparável acossada pela fealdade
das notas, dos acordes atonais, para
lá de ti, para lá de mim, a paixão
capturada pelas máquinas fotográficas,
projectada numa tela à velocidade
iludente do cinema, para lá das salas,
para lá da luz, nós os dois denegridos,
deitados no quarto escuro da paixão.
Para lá de todas as coisas amáveis,
para lá de todas as coisas desejáveis,
a tua nudez na ponta dos meus dedos,
uma bola de fumo pairando sobre o piano
e cada poro teu tocado como se fosse
uma tecla, uma tecla emitindo o som
de cordas surdas, as tuas veias, cada
um dos teus nervos, e eu enredado
em ti como o insecto na teia da aranha,
para lá de todas as coisas definíveis,
os contornos do teu corpo à luz
de um tecido transparente, beleza
incomparável acossada pela fealdade
das notas, dos acordes atonais, para
lá de ti, para lá de mim, a paixão
capturada pelas máquinas fotográficas,
projectada numa tela à velocidade
iludente do cinema, para lá das salas,
para lá da luz, nós os dois denegridos,
deitados no quarto escuro da paixão.
Henrique Manuel Bento Fialho, A Dança das Feridas, Colecção Insónia, 2011.
Beleza
.
Não tenho nenhuma
resistência diante da beleza. Sou atraído facilmente pelas formas e gesto
incomuns. No lugar de Ulisses teria me lançado ao mar. Alguns vêm um mal,
apreciar sem reservas os apelos emanados, pela formosura das formas. Mas a
esses, não consigo, sinceramente, entender. Para mim não há desproposito maior
no mundo do que hostilizar a beleza. Há qualquer coisa de anormal naqueles que
se ofendem com a apreciação do belo. Decorre daí talvez uma divergência de
pontos de vista. As pessoas acham belo o que lhe apetece. Cada um está suscetível
a apelos diversos. Uns se enamoram facilmente por um físico esbelto, outros não
diriam o mesmo. A atração tem suas próprias e inapreensíveis razões. Belo para
mim, no entanto, é aquela coisa à qual demoro o olhar. Belo é aquele objeto que
me suspende, temporariamente, a razão e paralisa o fôlego. Meu belo não se
resume aos encantos da simetria das formas, mas nas mil e uma, inacabadas
formas, que destoam do comum e instauram o surpreendente. E há melhor razão
para suspender o fôlego do que a apreciação de um corpo nu?
23
de
abril
O real mais que real
.
Algumas pessoas
insistem em afirmarem que a ficção, em oposição a realidade, é o império do
falso, do inverídico e do impalpável. Algo a que não se pode dá crença. Mas
essa afirmação parece não se encaixar bem na personagem (portanto algo falso)
que Rita Hayworth criou em 1946. No auge de sua beleza, Rita, aos 28 anos, deu
vida a Gilda, criação que transbordava sensualidade e ousadia, numa época de
grande repressão sexual. A máquina de fazer realidades através da ficção que é Hollywood
botava em cheque, o discurso dicotômico, real x ficção. Gilda tornou-se,
através do impossível ficcional, o alvo do desejo de dez entre dez jovens
americanos do pós-guerra. Se a realidade é algo que se pode sentir através dos
sentidos (tato, paladar, olfato, audição) nada foi mais real para aqueles
jovens do que aquela presença ilusória criada pela câmara escura dos cinemas e
que traduzia todos os seus desejos de uma forma que a realidade ainda não havia
alcançado. Tanto é verdade isso que o slogan promocional do filme era: “NUNCA
HOUVE UMA MULHER COMO GILDA”. Ruy Castro, admirador do filme lembra que a
presença de Gilda nas telas da época só podem ser medidas em megatons, dada sua presença marcante: “os
filmes americanos não mostravam uma mulher tão sensual e dadivosa. Seu impacto
em 1946 pôde ser medido até em megatons: pouco depois da estreia do filme, a
bomba que os americanos explodiram no atol de Bikini, no Pacífico, na primeira
experiência nuclear em tempo de paz, foi batizada de Gilda, pela equipe que a
construiu. Trazia, inclusive, um desenho de Rita na carapaça numa publicidade
espontânea e sem preço.” A ficção, ao contrário da realidade, nos promove uma experiência
outra das coisas, muito mais intensa e viva. Por isso os gregos acreditavam que
a ficção era mais importante do que a realidade. A ficção por sua natureza inapreensível
nos promove uma descoberta com o essencial das coisas. A realidade, pelo contrário,
é o encontro com a aparência.
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