Sobrevive a capacidade de se surpreender


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Tão raro quanto encontrar um político honesto é ver algum jovem dado à leitura no passeio público. Mas por vezes isso sucede. É raro, mas sucede. Aí quando essa imagem lhe surge, fica-se a imaginar, por instantes, que o sol anda a nos pregar peça, e o que julgávamos, como alguém a ler pelas ruas, não passava na verdade de um devaneio, de uma mente sobressaltada pela fornalha que se tornou a cidade, nesses dias de sol inclemente. Essas coisas costumam acontecer também aos incautos que desafiam o deserto. Não seria raro, então, em cidades cujo sol é, tão ou mais, impiedoso, quanto nos terrenos, onde somente os camelos estão livres dos delírios. Mas este não foi o caso. Dei mesmo de encontro com uma jovem a ler no passeio público. Não foi um devaneio, estou certo. Toquei-lhe realmente o livro, elogiei-lhe o título e fiz menção de inveja, por ainda não ter ousado tanto na leitura, e subido os degraus do olimpo literário, como ela estava fazendo, para lê a dramática história do jovem Raskólnikov, escrita pelo genial russo Dostoiévski. De repente, ao ver que uma jovem perambula por aí, levando ao braço, um catatau literário, me dei conta de que não é inteiramente verdade que, os jovens se tornaram reféns de experimentalistas literários grosseiros que se comprazem no aviltamento da linguagem para facilitarem as vendas. Ainda há quem se guie por rotas insuspeitas e não ande a dar bolas aos modismos. Pode-se mesmo querer ver nos modismo algum valor literário, mas é somente nos grandes escritores que, encontraremos respostas àquelas inquietações que enevoam a alma e nos impede de ver mais claro o mundo. 

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