O advento da fotografia em massa
contribuiu e muito para o abastardamento da fotografia. Antes as pessoas, pela
raridade que era o acesso, faziam fotos procurando uma forma de expressão
própria. Hoje o que mais vemos em termos fotográficos, é a tentativa das
pessoas de copiarem umas às outras. Todos aspiram a ser pequenas Larissa
Manoelas em posse de biquinho numa self, ou uma Kim Kardashian libidinosa,
enfiada num biquíni cavado, porque assim se conquista mais likes. E são os
likes que presidem a lógica que governa o sentido de qualidade de uma foto.
Pouco importa o sentido de composição, a harmonia das cores, a originalidade do
ângulo.Quanto maior a quantidade de likes, maior será o reconhecimento de que a
foto possui algum valor. Isto sim é o que importa: os likes. Pelo visto a
fotografia já viveu melhores dias.
31
de
janeiro
Roger Ebert
.
Apesar das opiniões em contrário, acho a figura do
crítico indispensável. Assim, penso que deveria haver mais desses intrépidos
pensadores nas revistas, nos jornais e nas tevês.
Mas normalmente as pessoas discordam dessa ideia.
Isso porque, pesa sobre a figura do crítico a incômoda tarefa de dizer, às
vezes, coisas que nem sempre agradam.
E, como todos sabem, mas fingem não saber, vivemos
num mundo em que as pessoas, não toleram muito bem as opiniões discordantes.
Essa, porém é uma maneira defensiva de ver a crítica
que não deixa o leitor/espectador, perceber que há qualidades na crítica que a
torna relevante.
Uma delas é a sua capacidade de aguçar no
leitor/espectador os aspectos mais secretos de uma obra que o olhar distraído
deixou escapar.
Um gênio nesse ofício foi o americano Roger Ebert,
que morreu há três anos. Durante mais de quatro décadas ele exerceu de forma
ininterrupta no jornal e na tevê a tarefa de crítico de cinema.
Fez isso movido pela devoção à arte que o maravilhou
nos anos de juventude e pelo deslumbre de sentia, naquele instante em que se
sentava num banco de uma sala de cinema, com centenas de desconhecidos, que
estava aprendendo uma forma de se conectar e simpatizar com outras pessoas,
através dos desejos, dos sonhos e dos medos, de todos aqueles personagens que
desfilavam diante de seus olhos.
"O GLOBO" FICOU CONTRA O TEATRO E A FAVOR DA CENSURA
Sérgio Britto e Fernanda Montenegro em “A Volta ao Lar” (1967), a peça que irritou “O Globo”
No dia 15 de setembro de 1967, com a
"Ditabranda" no Poder, o jornal "O Globo", um dos mais
tradicionais do Rio, assombrado com o que julgou "excesso" dos
espetáculos teatrais, publicou o triste editorial Limites para o Sórdido, e um
dia depois, na matéria Condenação Geral aos Excessos do Teatro (infelizmente,
não foi possível localizar o autores de ambos os textos, talvez Roberto
Marinho), reiterou sua posição em relação ao "escândalo" que certos
textos teatrais estariam provocando na cultura do País, razão pela qual os
atores estariam, assim, prestando um desserviço à arte nacional e à moral.
"O Globo" tinha em mente que o
seu poder de convencimento e de persuasão era infinitamente maior do que os
recursos parcos e humildes de alguns abnegados e dignos batalhadores, no caso
os artistas do teatro, porque quando as ideias são disseminadas pelos
formadores de opinião, num primeiro momento cultos e capacitados para julgar o
que quer que seja, elas tendem a se manter fixas nas consciências - ideias que
se alastram rapidamente como labaredas. Se "' O Globo' está dizendo, então
é verdade", iludindo e desinformando a população menos esclarecida e
alheia aos assuntos de teatro. "Eu tenho mais medo de um jornal do que de
cem exércitos", dizia Napoleão. E é para ter, mesmo.
A peça da discórdia, neste caso
específico, é "A Volta ao Lar", de Harold Pinter, de fato repleta de
palavrões, para ilustrar uma relação familiar complicada, e os atores eram
(adivinha?) Fernanda Montenegro e Sérgio Britto, a quintessência do que este
teatro sofrido já produziu de melhor. Fernando Torres dirigiu o espetáculo.
Ora, se temos posta uma conflituosa e
desestruturada questão familiar onde existem palavrões, o palavrão, neste caso,
torna-se estritamente necessário para que se desenhe esta atmosfera no palco.
Não há nenhum problema em relação a isso.
Fernanda conta em sua biografia "O
Exercício da Paixão", de Lucia Rito, que naquela época vivia-se o medo
generalizado. Eram ameaçados de morte, os atores representavam assombrados,
algumas vezes vistoriando o palco com seguranças, outras andaram armados, e
Fernanda por pouco não recebeu um disparo na cabeça quando dormia, da Segurança
Nacional. Tempos sombrios, decerto, mas com a condescendência de ''O Globo'',
que viu sordidez numa simples representação para um público adulto e capaz de
interpretar, por si só, o que enxergava em cena.
Nem é preciso destacar os absurdos da
Censura e o quanto ela foi maléfica e estúpida sobremaneira para a cultura
nacional, o teatro inclusive.
O inesquecível editorial de ''O Globo''
é tão irrelevante que nem vale a pena copiar inteiro. Seguem-se apenas trechos:
******
''Há algum tempo, os estádios de futebol
detinham como que a exclusividade da montagem dos grandes corais pornográficos
da cidade. O solista recitante puxa o coro entoando o palavrão mais adequado ao
juiz da partida num instante dado, e sucessivamente, fração por fração, os da
arquibancada ingressam no canto uníssono em fortíssimo sinfônico.
Mas, agora, a cidade já dispõe de outros
locais, onde em matinês o público poderá diariamente ouvir não corais, mas
solos de palavrões, em espetáculos que chamaríamos de pornografia de câmera.
Confortavelmente instalados num teatro de poltronas estofadas e, por vezes,
reclináveis, em ambiente de ótima acústica e ar-condicionado, os cariocas, a
preços variáveis, ouvem atores e atrizes declamar os mais obscenos vocábulos da
rica língua de Gil Vicente (que, aliás, foi autor bilíngue)
Será que não notaram os promotores de
tais espetáculos que o uso imoderado do baixo calão estabelece quase sempre um
conflito entre a cena e o texto? Em algumas peças desse gênero, o autor, para
afetar intelectualismo, joga solto um monólogo "filosófico" - chavões
sobre o absurdo da existência apanhados ao primeiro manual didático disponível
-, tendo como sequência uma salva de palavras obscenas. E assim escorre a peça
como aqueles detritos a caminho da estação elevatória.
Lamentável é que respeitáveis atores e
sobretudo grandes atrizes nacionais (uma referência à Fernanda) liguem seus
nomes a esse "basfondismo" que vai grassando do Passeio Público à
Zona Sul.
É precisamente por isso que se pode
classificar de obscenos esses espetáculos. Neles, o palavrão é um fim, e não um
meio.
As famílias fogem do teatro, que parece
preferir conquistar outro público - o dos amantes da morbidez catalogada nos
tratados de Psiquiatria. Entre o teatro água-com-açúcar e o
"pornodrama", existe um meio-termo válido. Alguns empresários não se
dispõem a identificá-lo. Se tal situação persistir, haverá um momento de
ruptura, com todos os inconvenientes que as medidas repressivas acarretam.
Que tal racionar voluntariamente o
sórdido, o chulo? Não seria um movimento dessa ordem lançado agora, obra de
preservação de autênticos valores teatrais? (...) Esperamos que certos empresários
não transformem o teatro em criação de suínos. Há limite para tudo. A sociedade
tem o dever de se defender contra os abusos."
********
É preciso sempre recordar o passado,
senão ele volta.
Uma matéria jornalística tem, entre
outras coisas, essa finalidade: ela vira documento.
Enfim, nada mais a acrescentar.
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