Lira dos Oitenta e Cinco anos

No último dia 16 o escritor português José Saramago completou 85 anos de vida. Na esteira das comemorações sopramos ainda velinhas para os 25 anos da publicação de Memorial do Convento (1982) livro que tornou o escritor um nome incontornável.

Esse fato passou despercebido por nossos antenados cronistas literários, que não deram uma nota sobre o aniversário do até hoje único autor em língua portuguesa, ganhador do prêmio Nobel de literatura. E lá se vão nove anos.

Seria esse fato um simples lapso ou uma demonstração de desprezo pela obra do mais original e criativo escritor da atualidade? No Brasil, aparentemente, o autor de O Evangelho Segundo Jesus Cristo, sempre gozou de muito prestigio. Apesar de muitos críticos possuírem um olhar enviesado, para o modo pessoal e intransigente com que Saramago trata sua obra.

Saramago, por exemplo, não permite “traduções” do português, habitualmente praticado em Portugal, para o português do Brasil. Sua escrita, para preservar certa oralidade não se vale dos parágrafos e pontuações comuns em todos os textos. As falas dos personagens se entranham em meio a narrativa, distinguidas só por iniciais maiúsculas. Salvo os devidos excessos isso não é um grande empecilho a leitura de seus livros, sempre carregados de muitas reflexões sobre o mundo atual.

As queixas dos críticos contra a forma estilística adotada por Saramago não rendeu do público o mesmo espanto. Mas valeu do autor certo estranhamento de como o exame de sua obra está sendo superficial. Não raro essas querelas desviam o espírito das discussões verdadeiramente mais valiosas e tendem, erroneamente, a manter o público ainda não leitores do autor, numa distância respeitável.

Quem, no entanto, teve o prazer de lê-lo sabe que o que realmente vale em sua obra é o espírito inconteste, e permanentemente viçoso de seu questionamento à ditadura da normalidade. Suas obras alertam sempre para algo suspeitoso e fingido das instituições, dos homens, da moral e do encolhimento perante o alheio.

Saramago continua essencial e seus livros são incontestavelmente a centelha de lucidez em meio à loucura desse mundo.

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