Todos os anos durante as eleições assistimos a um fenômeno de degeneração política. Enquanto no resto do tempo de nossas vidas comezinhas, a política e os assuntos de política não passam de serem ignorados por quase todos, durante o pleito, essas discussões incendeiam os encontros de amigos; comparecem aos almoços de família, freqüentam os intervalos das orações religiosas e ocupam a maior parte das discussões durante o dia das pessoas, seguindo até cortejos fúnebres. Por instantes tem se a impressão de que finalmente a definição vocabular para política: “a arte de bem governar os povos” ou “conjunto de objetivos que informa determinado programa de ação governamental e condiciona a sua execução”, deixou, de ser um mero adereço retórico e passou a ter algum sentido vivo. No entanto, ao nos depararmos com o primeiro grupo politicamente entusiasmado, vemos que o que eles discutem realmente, responde por outro nome. Aquilo a que por comodidade chamam de política, é na verdade mexerico, intriga, conchavo, politiquice, zona. No fundo ainda reina no nosso país a arraigada convicção de que política é não respeitar o direito à diferença de opinião e receber favores em troca de apoio – pode ser em galões de combustível ou em materiais de construção – com a desculpa de que todos fazem isso, e por fim torcer por algum cargo comissionado. Teoricamente somos todos contra a corrupção. Mas quase todos somos corruptos se da corrupção retirarmos vantagem e, quase nenhum de nós se mobiliza contra a corrupção, exceto se os resultados da corrupção perturbarem de modo sensível a nossa qualidade de vida. A lingüística ensina-nos que o sentido das palavras muda com os usos que fazemos dela. No livro Os Lusíadas, por exemplo, a palavra ministro referia-se ao grumete, ou seja, era usada para definir os homens que faziam as atividades inferiores durante as viagens. Hoje podemos desconsiderar esse sentido. Ministro passou a ser relacionado a homens que ocupam altos cargos nos governos ou em congregações religiosas e que supostamente guardam alguma qualidade que os diferem de criados de navios. O uso define o entendimento. Por isso, a continuar fazendo uso de política no sentido assistencialista, politiqueiro, corremos o risco de desqualificar o seu sentido original e acabar, por fim, por força do uso nesse ou naquele sentido, não tendo nem palavras para qualificar as imoralidades e indecências, pois essas passaram a ocupar os sentidos de política. Vem isso a propósito um discurso do poeta Almada Negreiros sobre as qualidades de um povo. Dizia ele, “o povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem portugueses, só vos faltam as qualidades”.
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