Memória ameaçada

Vista aérea de Caetité
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A cidade se modifica numa velocidade incrível. Em quase 10 anos morando em Caetité eu não pude deixar de perceber a furiosa transformação urbana dos últimos tempos. Por todos os lados, crescem arranha-céus. Novos bairros e centros comerciais assentam onde antes havia pequenas moradias familiares ou mesmo um descampado. Não bastasse somente alargar-se até onde as vistas não alcançam os imóveis mais bem situados também são alvo da cobiça e da especulação. De olho em espaços sempre novos a sanha imobiliária põe abaixo todos os inconvenientes e se sobrepõe a memória, a história e ao registro de tempos de antanho. Com espaços cada vez mais disputados e valorizados, os velhos casarões, relíquias de outras épocas, sofrem com a cobiça desenfreada por espaços privilegiados na cidade. Com a desculpa de que são dispendiosos e inúteis, economicamente, pouco a pouco eles têm vindo abaixo, seja pelo abandono dos proprietários ou pelo descaso das autoridades públicas que fazem vistas grossas ao desmonte do patrimônio. “Não adianta reclamar contra a transformação grosseira e desnecessária da fisionomia da cidade – da nossa cidade -, os poderes são surdos pensando que são sábios”, escreveu Carlos Drummond de Andrade a propósito das insistentes intervenções urbanísticas no Rio de Janeiro que desapareceram com incontáveis igrejas na década de 40. “Para que passasse a grandiosa Avenida Presidente Vargas, primeiro derrubaram a igreja da Imaculada Conceição e a de São Domingos... depois, pouco adiante, outras duas velhas igrejas desapareceram, vítimas dum vandalismo que poderia ser evitado: a de São Pedro Apóstolo, redondinha, com paredes largas de dois metros, argamassadas a óleo de baleia, e a do Bom Jesus do Calvário, duas vezes secular e que muito aparece nas Memórias de um sargento de milícias.” Não consta que Drummond fosse nenhum crente, mas isso nunca foi empecilho à sua sensibilidade. Nesses tempos de ares tão poluídos valeria a pena subordinar o avanço do cimento à preservação da memória? Alguns destemidos resistem aos constantes e insistentes assédios dos novos empreendimentos, sem abdicar das transformações impostas pelo tempo. “Venham as torres residenciais ou hoteleiras e que sejam belas e altas e coloridas, levantadas com os mais sensacionais e variados materiais que a indústria inventa no seu incansável evoluir. Mas que não lembrem, nem de longe, aquela outra tão citada, a de Babel – para que possamos, continuar a falar a mesma linguagem de entendimento e solidariedade que é o melhor alicerce para a edificação de uma vida comunitária ideal.”

3 comentários:

Anônimo disse...

caetité? vc encontra gente com os seus interesses por aí?

Unknown disse...

Rui,

Claro que não. Caetité é uma província que respira ares de nobreza, mas no fundo, bem lá no fundo, ela sabe a que universo pertence.

Gosto muito do teu blog. Encontro-me nele.

Teo Júnior disse...

Caetité é o (sei lá, não me ocorre a palavra) da civilização mundial.

Téo Jr.