Ou andamos todos desacautelados ou andamos todos com os quadro membros no chão. Uma ou outra dessas alternativas
há de explicar por que na terra do Saci se comemora o Halloween.
29
de
outubro
Das pretensões perdidas
Foto: Robert Doisneau
.
Costuma-se dizer amiúde, que envelhecer
traz consigo não apenas rugas ao rosto. E diz-se isso por se acreditar que
envelhecer traz também sabedoria. Acreditamos piamente que, em oposição a uma
ingenuidade juvenil, a velhice faz do homem um ser mais dotado para evitar os
dessabores da vida.
Mas não é bem assim. Envelhecer não afiança
ao homem segurança alguma contra os infortúnios. Talvez o torne mais pretensioso
por acreditar imune ao que ficou no passado. Do berço ao túmulo, no entanto,
não temos nenhuma garantia de sorte, mesmo velhinhos continuaremos assombrados pela
má fortuna e outros males.
A certeza disso me veio hoje ao ler nos
jornais a notícia de que o matusalém do pop, o canadense Leonard Cohen, ao completou
no último mês veneráveis 80 anos, luta contra o alcoolismo, a depressão e um
furto de bens promovido por sua ex-agente e amante, que o surrupiou todas as economias,
12 milhões de dólares, que o cantor guardava para sua aposentadoria. Dinheiro,
fama, sucesso, prestigio, velhice, nada disso nos distancia dos erros.
A vida recente do cantor canadense é a
prova viva de que o homem é, em todas as idades, vulnerável às piores quedas. As
adversidades não escolhem tempo para aparecerem. Elas não querem saber se você
é pop, rock ou finge fama. Surgem nas horas mais inconvenientes e destroem
nossas melhores pretensões, devolvendo-nos ao rosto aquele ar de
constrangimento juvenil que durante toda a vida nos esforçamos para arrancar. Acreditar
que a verdadeira sabedoria está num acumulo de tempo, não passa de uma ilusão.
18
de
outubro
Hércules e Anteu - A realidade suspensa
Vendo a capa do livro de Marco Haurélio que ainda não possuo, Os doze trabalhos de Hércules, ocorreu-me lembrar a história de Anteu. Segundo a mitologia Grega, Anteu é um gigante que obriga a todos os viajantes a lutar contra ele. Em suas lutas, cada vez que seu corpo é atirado à terra ele se levanta ainda mais forte, porque a Terra (deusa Gaia, sua mãe) lhe restitui as forças. Enquanto estiver em contato com o solo Anteu é invulnerável. A sorte dele muda quando encontra Hércules que viajava pela Líbia em busca dos pomos de ouro do Jardim das Hespérides. Hércules luta com o gigante. Na refrega atira Anteu três vezes ao chão. Três vezes o gigante se levanta ainda mais rijo. Astuto (sim, porque o herói, não é apenas um monte de músculos) Hércules percebe que o filho de Gaia (Terra) volta à luta sempre mais forte. Hércules então soergue-o do solo que o tornava invencível e o estrangula. Um sem número de pinturas reproduz esse combate e o sortilégio do herói grego para vencer o gigante ameaçador. Há muitas lições nessa história que os antigos aproveitaram dos contos populares. Uma delas é que para sobrevivermos necessitamos, como Anteu, de estar sempre com os pés bem assentes ao chão. Precisamos do nosso bocadinho diário de realidade. Mas ela ensina também que em excesso a realidade também pode ser alienante e é preciso como o herói grego fez, suspendê-la. Assim como precisamos de realidade, também precisamos de um bocado de irrealidade. São importantes os telejornais diários, os debates eleitorais, a compra de pão na padaria, mas mais do que isso são também indispensáveis as leituras literárias, as apreciações de quadros, as mitologias, as religiões, os mitos, as músicas e voos às regiões da imaginação, para suportarmos o peso e a força que nos prende ao chão.
15
de
outubro
Agustina Bessa-Luís
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Agustina Bessa-Luís, um dos maiores
nomes da literatura portuguesa, comemora hoje 92 anos de vida. Desde a sua
estreia em 1948, entre romances, contos, ensaios, aforismos, livro de crônicas,
textos dramáticos, livros de viagens, biografias e escritos avulsos, essa escritora
já conta com mais de 70 obras assinada.
Comparada aos seus patrícios, José
Saramago e Antônio Lobo Antunes, ela é uma ilustre desconhecida do distinto
público brasileira. As razões para isso não poderiam ser outra, preferimos
antes os grandes embustes impingidos pelo mercado, a obras de engenharia humana
divorciadas do puro interesse comercial.
O professor Alcir Pécora, entusiasta da escrita de Bessa-Luís, a considera muito superior a José Saramago e António Lobo Antunes, dois dos mais
prestigiados autores portugueses entre nós. No entanto, a presença de Agustina
ainda é inexpressiva nas universidades, centros acadêmicos, livrarias e outros.
Pécora aponta algumas das possíveis razões para esse ocultamento de Agustina:
"talvez falte mais conhecimento efetivo da literatura portuguesa e menos
contato apenas por meio de agentes internacionais, que sempre vendem o mesmo
peixe".
Ledo engano
.
Ao abrir há pouco, o site da Submarino e
pesquisar os livros à venda do poeta João Cabral de Melo Neto fui surpreendido
com a inusitada ilustração do poeta na página que vende o livro Museu de Tudo.
Fiz um Print da página. Se vocês
atentarem bem verão que esse aí não é João Cabral, e sim o seu amigo e também
poeta Lêdo Ivo.
Não é a primeira vez que vejo esse equívoco
ocorrer. Recentemente o Jornal da Cultura cometeu o mesmo deslize. Nunca os achei parecidos. No entanto é
comum ver site que falam do João Cabral com a foto de Lêdo Ivo.
Isso só demonstra que no Brasil os
poetas são pouco ou muito mal apreciados, as pessoas não se lembram deles.
Quando era professor levei um dia um
conjunto de imagens com figuras do mainstream; bigbrothers, atores de novelas, jogadores de futebol e alguns literários, para
desanimo geral constatei que ninguém conhecia Leão Tolstoi, Balzac, João
Cabral, Bandeira, mas sabiam muito bem quem eram os globais.
A cultura televisiva, com grande apelo
às imagens, dita para maioria das pessoas a visão de mundo e o alcance de sua
percepção da realidade. Para além do tubo televisivo, o universo das letras,
que vive da palavra, sofre para atrair o interesse e o gosto das pessoas.
7
de
outubro
A Civilização do espetáculo
Em seu perspicaz ensaio: A Civilização do Espetáculo, o escritor
peruano Mario Vargas Llosa se insurge contra o que chama de "banalização
das artes e da literatura". Sobram ainda, criticas ao que ele chama de "triunfalismo do jornalismo
sensacionalista" e a ascensão da ideia de que a literatura deve se render
exclusivamente às esferas do entretenimento.
Llosa afirma que no passado a cultura
agia sob as consciências, para impedir que virássemos as costas à realidade. No
presente, banalizada pela covardia das universidades e pelo relativismo
cultural, a literatura deixa pouco a pouco de ajudar os leitores a entender
melhor a complexidade humana, mantê-los lúdicos sobre as deficiências da vida,
alerta-los para realidade histórica; para torna-se um passa-tempo despretensioso,
na melhor das hipóteses, avalia o ensaísta, “ela é usada para salva-los do
tédio das longas horas de viagens de ônibus, metrôs”. Em meio a todo esse novo
panorama, a literatura para sobreviver, “tornou-se light - noção que é um erro
traduzir por leve, pois, na verdade, quer dizer irresponsável e, frequentemente,
idiota."
Atuando como mecanismo de distração da
realidade e de entretenimento a literatura, acredita o pensador, perdeu seu
poder de animar consciências. Ao invés de indivíduos indóceis a manipulação da
verdade por parte dos poderes constituídos, a literatura contemporânea cria
consumidores de toda espécie de bugigangas e indivíduos autômatos.
Ao rebaixar-se ao mero entretenimento, a
literatura, acredita Mario Vargas Llosa, acorrenta o homem a sordidez
cotidiana, ao inferno doméstico e a angústia econômica, e o estimula à uma
indolência espiritual relaxada.
As consequências desse torpor, é a
criação de indivíduos preguiçosos para tarefa de pensar. "As ilusões
plasmadas com a palavra" e não dadas de pronto como no cinema de
entretenimento, por exemplo, "exigem ativa participação do leitor, esforço
de imaginação e, às vezes, em se tratando de literatura moderna, complicadas
operações de memória, associação e criação, algo de que as imagens do cinema e
da televisão dispensam os espectadores. E estes, em parte por esse motivo, tornam-se
a cada dia mais preguiçosos, mais alérgicos a um entretenimento que exija deles
esforço intelectual."
Amputada de seu valor inconformista, a
literatura de frivolidade, que domina todos os espaços na vida do leitor, com
vampiros, crimes sadomasoquistas, invasões marcianas, romances edulcorados, e
outros; divertem e principalmente dispensam os leitores de pensarem, mas, como
sugere Llosa: "são incapazes de fazê-los entender o labirinto da
psicologia humana, os mecanismos da vida social, os abismos da miséria e os
ápices da grandeza que podem coexistir no ser humano".
Não é apenas à literatura de mero
entretenimento que se volta a artilharia de críticas do ensaísta. À televisão e
aos meios de entretenimento eletrônicos ele dedica um espaço especial de
reflexões. A televisão, é dispensável comentar, rebaixou a níveis insuportáveis
a programação. Na corrida para atrair mais público e brigar pela audiência os
meios de comunicação tornaram-se um vale-tudo. Reduzindo o público a mero
espectador passivo. "A fantástica acuidade e
versatilidade com que a informação nos transporta hoje para os cenários da ação
nos cinco continentes conseguiu transformar o telespectador num mero
espectador, e o mundo num vasto teatro, ou melhor, num filme, num reality show
com enorme capacidade de entreter". p. 202.
"A informação audiovisual fugaz,
passageira, chamativa, superficial, nos faz ver a história como ficção,
distanciando-nos dela por meio do ocultamento de causas, engrenagens, contextos
e desenvolvimentos desses acontecimentos que ela nos apresenta de modo tão
vívido. Essa é a maneira de nos levarem a sentir-nos tão impotentes para mudar
o que desfila diante de nosso olhos na tela como quando vemos um filme." p.
202.
Tenho algumas reservas as opiniões de
Mario Vargas Llosa a respeito da política. Sua aversão ao socialismo e sua
adesão aos princípios neo-liberais são ao meu ver algo questionável. Simpatizo,
porém, com sua luta pessoal em favor da cultura e da defesa da literatura como
um valor elevado e indispensável na construção de uma sociedade minimamente
saudável e prospera.
Intelectual engajado, pensador que expresse suas ideias e interfira no fluxo corrente das ações cotidianas, a despeito dos discursos da moda, está escasso, Llosa talvez seja o último dessa espécie rara. Adoro, sem reservas, todas as obras literárias desse escritor e pensador, e comungo com ele da opinião que a cultura na atualidade vive ameaçada pela ideia de que deve ser apenas entretenimento e não outras coisas.
Intelectual engajado, pensador que expresse suas ideias e interfira no fluxo corrente das ações cotidianas, a despeito dos discursos da moda, está escasso, Llosa talvez seja o último dessa espécie rara. Adoro, sem reservas, todas as obras literárias desse escritor e pensador, e comungo com ele da opinião que a cultura na atualidade vive ameaçada pela ideia de que deve ser apenas entretenimento e não outras coisas.
Quem de dentro de si não sai.
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"Quem de dentro de si
Não sai!
Vai morrer sem amar
Ninguém!" (...)
A casta a qual pertence o poetinha, é a
dos que tecem variações inúmeras sobre um mesmo tema. O amor e seus desenganos,
o amor e suas alegrias, o amor e sua perdição, o amor e suas dores, o amor e
seus muitos usos e desusos. O lirismo poético de Vinicius de Moraes constitui
um dos contributos mais importantes à nossa poesia.
Estado mínimo
.
O cartaz acima é uma propaganda Nazi
defendendo a eutanásia de deficientes. Diz a mensagem: "Esta pessoa,
sofrendo de anomalias hereditárias, custa à comunidade 60 000 marcos.
Compatriota, este dinheiro também é seu". O apelo ao bolso dos
"compatriotas" parece justificar o ato de extermínio daqueles que ao
invés de contribuírem para máquina do Estado, tornam-se desde sempre (lembre-se
que a propaganda insinua que pessoa em questão sofre de anomalias hereditárias)
um fardo àqueles que supostamente produzem.
Não posso deixar de ver nessa propaganda
e nas mensagens daqueles que apostam no Estado Mínimo um paralelo. Esses como
aqueles ignoram o fato de que o Estado existe em função da sociedade e que essa
tem obrigações humanas e não materiais.
Nas redes sociais temos visto mensagens
contrárias ao Bolsa Família, contra a Reforma Agrária, a contratação de médicos
para população desassistida do Estado nos lugares mais recônditos do país e a
entrega dos presídios públicos à iniciativa privada. Sob a alegação de que
essas ações oneram de forma ineficiente o Estado está na verdade a preocupação
mesquinha e bestial de defesa de seus interesses econômicos.
4
de
outubro
Regozijar-se com meras sombras de verdades
Foto: Cartier-Bresson
Estive há pouco peregrinando por uma
sítio em que jovens escrevem de tudo um pouco, música, cinema, literatura e
outros standard culturais. Até aí não há nada demais nisso. Uma massa de
veículos democratizou os canais de comunicação e desde então estamos todos
externando opiniões como se de repente descobríssemos com incontinência verbal.
O curioso é que essa pretensa liberdade
de expressão, garantida pela massificação dos meios de comunicação, não foi
capaz de estimular alguns jovens a enxergar o mundo além das focinheiras da
Indústria Cultural. Por todo site o que vi foi a celebração do mundinho bovino
das pretensões artísticas de pseudo-estrelas hollywoodianas, cujo único talento
é servir de produto descartável a uma indústria.
Claramente o mundo desses adolescentes
lembra aquele dos simiescos homens encarcerados de Platão, cuja visão do mundo
era aquela apenas refletiva nas paredes das cavernas que habitavam,
regozijando-se com meras sombras de verdades.
Um dia triunfal
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Conta Pessoa em carta dirigida a Adolfo
Casais Monteiro que no dia 8 de Março de 1914 lhe aconteceu o seguinte:
"acerquei-me de uma cómoda alta, e,
tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E
escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não
conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter
outro assim. Abri com um título, O Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi
o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto
Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre."
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2
de
outubro
Suportar a vida
A vida é mesmo em alguns momento
insuportável, e de fato como pensava Fernando Pessoa, a arte não só ameniza
esses momentos, como ainda insinua ser possível encontrar entre os escombros da
vida um significado plausível para continuar existindo.
Fernando Pessoa
Foto: Clarence White, Mãe e filho.
.
Às vezes, em dias de luz perfeita e
exata,
Em que as coisas têm toda a realidade
que podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Por que sequer atribuo eu
Beleza às coisas.
Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm cor e forma
E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer coisa que
não existe
Que eu dou às coisas em troca do agrado
que me dão.
Não significa nada.
Então por que digo eu das coisas: são
belas?
Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,
Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras
dos homens
Perante as coisas,
Perante as coisas que simplesmente
existem.
Que difícil ser próprio e não ver senão
o visível!
Alberto Caeiro, Poema XXVI
O novo que a gente principia
(...)
—— Belo porque tem do novo
a surpresa e a alegria.
—— Belo como a coisa nova
na prateleira até então vazia.
—— Como qualquer coisa nova
inaugurando o seu dia.
—— Ou como o caderno novo
quando a gente o principia.
—— E belo porque o novo
todo o velho contagia.
—— Belo porque corrompe
com sangue novo a anemia.
—— Infecciona a miséria
com vida nova e sadia.
—— Com oásis, o deserto,
com ventos, a calmaria.
(...)
Morte e Vida Severina - J.C.
O timoneiro do mundo
“Timão: Ouro amarelo, fulgurante, ouro
precioso! (...) Basta uma porção dele para fazer do preto, branco; do feio,
belo; do errado, certo; do baixo, nobre; do velho, jovem; do cobarde, valente.
Ó deuses!, por que isso? O que é isso, ó deuses? (...) [O ouro] arrasta os
sacerdotes e os servos para longe do seu altar, arranca o travesseiro onde
repousa a cabeça dos íntegros. Esse escravo dourado ata e desata vínculos
sagrados; abençoa o amaldiçoado; torna adorável a lepra repugnante; nomeia
ladrões e confere-lhes títulos, genuflexões e a aprovação na bancada dos senadores.
É isso que faz a viúva anciã casar-se de novo (...). Venha, mineral execrável,
prostituta vil da humanidade (...) eu o farei executar o que é próprio da sua
natureza”.
William
Shakespeare, in "Timão de Atenas"
Sempre achei que a literatura não fosse
apenas o repositório de vaidades de alguns homens tentando mostrar virtudes
linguísticas, mas que por trás do estético algumas verdades e gestos humanos se
descortinassem. Todas as vezes que leio um livro tenho em conta que o real é
fantasioso, maquiavélico, embrutecedor, farsante. Como disse o peruano Mario
Vargas Llosa há mais verdades nas mentiras da literatura do que no mundo. Alguns
usam a literatura como pura recreação despretensiosas. Intentam assim uma fuga
às suas angustias e pesadelos. Eu não ignoro essas qualidades, mas a mim elas
são bem mais diversas.
Os gargalos da cultura
Dados do Ministério Educação afirmam que
79% dos municípios brasileiros possuem bibliotecas públicas municipais. Hoje,
420 municípios não contam com bibliotecas. Iniciativas da Fundação Biblioteca
Nacional diminuíram a ausência de bibliotecas no país. Nas escolas, a situação
é outra. De acordo com informações do Ministério da Educação, apenas 30% dos
estabelecimentos de ensino fundamental no País possuem espaços que funcionam
como biblioteca. Um vexame que acossa poucos políticos. Em Rio do Antônio
encontrei um senhor que foi prefeito da cidade na década de 70. Atento as
questões culturais o Senhor Deba mandou à Câmara de Vereadores um projeto de
criação de uma Biblioteca no município que na época contava com pouco mais 5
mil habitantes. Vocês pode imaginar o rebu que a ideia causou. Os vereadores se
recusaram a aceitar o projeto. Seu Deba então resolveu escrever ao Instituto
Nacional do Livro (órgão que na época era coordenado pelo baiano Herberto
Sales, autor do clássico regionalista, Cascalho) e ao presidente da República
que era o ditador Emílio Garrastazu Médici, dizendo que no interior do país a
Câmara de Vereadores da cidade se recusava a criar uma biblioteca que homenageava
o presidente - a biblioteca se chamaria Biblioteca Municipal Médici. Não deu
outra os vereadores quando ficaram sabendo da história se apressaram em aprovar
o projeto do Seu Deba.
Quadras populares. O imaginário do povo na lírica poética.
No livro Lá Detrás Daquela Serra o
folclorista Marco Haurélio recolheu uma dezena de quadras populares.
Minha mãe me deu uma surra
Sexta-feira da Paixão:
Não foi surra não foi nada,
foi café com requeijão.
Em Urandi, uma senhora de 86 anos, Dona
Dete, conhece essa e outras tantas quadras recolhidas por Marco.
Reafirmando o poder inventivo do povo as
quadras narradas por Dona Dete, mesmo abordando o mesmo tema que as quadras
colhidas por Marco, revelam a natureza engenhosa do sertanejo que acrescenta,
interpõe, assimila novos elementos as histórias ouvidas, dotando-as de
novidades. Veja a quadra de Dona Dete:
Minha mãe me deu uma surra
com cipó de cansanção.
Não foi surra não foi nada
foi café com requeijão.
Há outra quadra com igual tema, mas com
versão diferente.
Minha mãe me deu uma surra
com cipó de fedegoso.
Quanto mais ela batia,
mais eu achava gostoso.O poderio Americano
Henri Miller dizia que a força de uma
nação poderia ser muito bem medida pelo grau de importância que esta dava aos
seus escritores. Uma civilização intolerante com os escritores estaria, pensava
o escritor americano, fada ao fracasso.
As artes, afirmava o autor de Trópico de
Câncer, serve de antídoto contra as moléstias do despotismo e do autoritarismo.
Tive uma mostra dessa ideia ontem assistia
ao documentário sobre a vida do educador Alceu Amoroso Lima. A certa altura do
filme, o filho do pensador católico recorda que em visita aos EUA passou pela
biblioteca de Nova Iorque e pesquisou a existência de alguma obra de seu pai
por lá. Obteve então incríveis 79 entradas para o nome Amoroso Lima. Surpreso,
ele confessou que este número supera em muito o número de títulos desse autor
em qualquer biblioteca brasileira.
A superioridade Americana sobre o resto
do mundo não pode ser medida apenas pela sanha beligerante. A vitalidade da
América vem, em boa medida, de seu apreço e valorização à cultura como um valor
potencializador de sua sociedade.
Ninguém, em sã consciência é capaz de
desmentir o filho de Amoroso Lima. Essa é uma dura verdade. O Brasil, ao
contrário da América, sofre violentamente com a má distribuição de livros a
toda população e com as péssimas condições das nossas bibliotecas os problemas
tomam ares de insolúveis. O reflexo disso? Uma população semialfabetizada com
sérios problemas sociais e pouca perspectiva de futuro.
Enquanto a realidade por aqui é essa, na
terra do Tio Sam livro é coisa séria.
Mais uma mostra do gigantismo americano
vi ao ler o trabalho do historiador Robert Darnton, O Diabo na Água Benta,
livro que relata as ações de libelistas durante os reinados de Luís XV,
passando pelo até a Revolução Francesa. Num dos relatos Darnton descreve a
figura de um dos maiores envenenadores, mexeriqueiros e caluniadores que França
oitocentista viu, Anne-Gédéon Lafitte, marquês de Pelleport. Autor de variados
trabalho que expunha ao ridículo as grandes figuras da política francesa
Pelleport foi preso e ficou trancafiado na Bastilha por quatro anos. Nesse
período, conta-nos o historiador, Pelleport abdicou do relatos de escarnio
contra as autoridades e se dedicou a escrever um romance autobiográfico sobre
os libelistas franceses. E onde estava os únicos exemplares disponíveis para
pesquisa desses livros? Na América, of course.
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