Um mundo selvagem que não perdoa nem a infância

Foto: Urs Odermatt Windisch, 1958
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Quando eu era criança os meninos e meninas adoeciam. Tínhamos perebas, ínguas, vermes, manchas embranquecidas nas unhas, que se dizia ser sinais de problemas no fígado. Verrugas espalhavam-se pelas mãos e atingiam os joelhos, dando aspecto asqueroso aos moleques mais travessos que se machucavam. Em casos mais graves, as crianças nasciam com problemas de ortopedia e tinham de usar umas botas esquisitas, que lhe davam um caminhar robótico.

Hoje as crianças também adoecem, porém, estão bem longe de sofrerem dos mesmos males da minha época. As crianças de hoje têm doenças com nomes esquisitos e sofrem de males da mente. Talvez por isso a especialidade médica que melhor as assiste, seja a psiquiatria. As crianças hoje sofrem de "hiperatividade", "déficits de atenção", "Aspergers", "autismo", “depressão profunda”, e outras perturbações correlacionadas. Antes desse novo tempo, cheio de novidade, jamais havíamos ouvido falar de psiquiatras.

Como curar essas moléstias? Em minha época tínhamos toda uma ciência popular a qual recorriam os pais para socorrerem as crianças dos seus pequenos males. Curávamos vermes entupindo a criança com semente de abóbora e depois fazendo com que ela sentasse de cócoras numa bacia d´água morna. Em poucas horas, verme algum seguia molestando os meninos bojudos. As verrugas eram facilmente removidas quando as crianças eram orientadas a não mais contarem estrelas apontando com o dedo para o céu. Agora, como é que se cura Aspergers? Tem cura essa doença? Quais as suas causas e por que as crianças são afetadas por ela?

Não sou nenhum especialista. Não tenho nenhuma autoridade para falar do assunto. Mas imagino que todos esses males não se deva a outra coisa, senão as pressões sociais as quais as crianças estão submetidas. Não há mais espaço livre para viver a infância. Nem bem nascem, as crianças já têm responsabilidades e lhes são exigidas que as cumpram. Sob pena de terem o seu futuro comprometido, pais zelosos empurram os filhos às aulas, que cada vez se iniciam mais cedo. Não contentes com essas horas de entrega aos estudos, quando os pequenos voltam à casa vindo das escolas, têm outras obrigações que os esperam. São levados ao cursinho de inglês, as aulas de natação, balé, música, teatro... nenhuma de suas horas são gastas com a tarefa de ser criança. Nenhum de seus momentos mais ternos são vividos com os pais. Antecipa-se o mundo adulto, com seus compromissos e responsabilidades cada vez mais cedo às crianças.  

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