Hão-de ser sempre misteriosas, para mim,
as razões dos ataques pessoais para conquista do eleitor. Sugerir que a
candidata tal é mais macho que muito homem, ou que aquele outro é um alcoólatra
inveterado, não me parece relevante ao debate das questões emergenciais do
país. Porém, aos que pautam a política nacional, ou seja, os marqueteiros,
esses expedientes parecem ferramentas indispensáveis na guerra pelo voto. É
como disse o poeta Régis Bonvicino "os partidos não são mais o lar dos idealistas".
16
de
julho
[POEMA] Ítaca – Constantino Kavafis
Se partires um dia rumo à Ítaca
Faz votos de que o caminho seja longo
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem lestrigões, nem ciclopes,
nem o colérico Posidon te intimidem!
Eles no teu caminho jamais encontrarás
Se altivo for teu pensamento
Se sutil emoção o teu corpo e o teu espírito tocar
Nem lestrigões, nem ciclopes
Nem o bravio Posidon hás de ver
Se tu mesmo não os levares dentro da alma
Se tua alma não os puser dentro de ti.
Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
Nas quais com que prazer, com que alegria
Tu hás de entrar pela primeira vez um porto
Para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir.
Madrepérolas, corais, âmbares, ébanos
E perfumes sensuais de toda espécie
Quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrinas
Para aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo o tempo ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas, não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
E fundeares na ilha velho enfim.
Rico de quanto ganhaste no caminho
Sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu
Se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência.
E, agora, sabes o que significam Ítacas.14
de
julho
Educação e cultura palavras que não alcançam nunca os políticos.
Foto: Dorothea Lange.
.
Educação, cultura.... educação,
cultura.... as mensagens estão soprando no ar. O que acontece com os políticos
desse país que não entendem palavras tão simples? Haverá qualquer coisa de
sobrenatural que os impeçam de alcançarem o valor dessas palavras ou eles são
mesmo o que parecem serem: estúpidos incorrigíveis.
13
de
julho
Doloroso vexame
.
“Um homem tem mais o que fazer no mundo
do que ler!” Ouço daqueles que desdenham da leitura. Falam-me assim esperando
que eu reaja as suas provocações com ar solene de quem pensa em livros a toda
hora, e não sabe fazer outra coisa na vida, a não ser gastar os olhos sobre o
papel tingido a tinta preta. Admiro os livros. Sei lhes tirar as vantagens, que
só eles, a sua maneira, podem me proporcionar. Não posso falar pelos outros
admiradores de livros, que estão por aí, mas vou ao livro, porque sei nele
apanhar grandes lições. Lições que se esfumam na vida real desbotada pelo
condicionamento de um trabalho maçante que pouco ou nenhum espaço deixa para
enxergar outras possibilidades de vida. A leitura de um bom livro permiti-nos
dar à volta as ideias gastas pelo uso, e reformar, de inusitadas maneiras, as
convicções inabaladas que, faziam de nós o eixo de rotação da terra. Todos que
têm alguma coisa a mais à cabeça, além dos habituais enfeites que os médias
lhes metem, também sabem das vantagens de dispensar algumas horas a admiração
das histórias que os escritores criam. Aos outros não é suposto coisa alguma.
Quando estão diante do desafio de estarem sozinhos consigo, tendo um livro à
mão, acham-se inertes e sentem-se desocupados. E estar desocupado, num mundo
que pede a todos que se ocupem, é um doloroso vexame, que a qualquer custo se
deve evitar.
11
de
julho
Frustar expectativas
Foto: Alécio de Andrade
.
As pessoas, com frequência, pedem-me que
sugira algum livro para lerem. Por motivos vários não gosto de indicar
leituras. São demasiadamente pessoais as razões que levam alguém aos livros. Alguns
vão lá porque buscam um passatempo, uma fuga, umas horas preenchidas enquanto
algo mais “útil” não chega. Outros esperam com eles iluminarem as incertezas.
Tem ainda os que pensam que a leitura é uma coisa maçante, mas mesmo assim eles
insistirão na indicação, pois supõe com isso, estarem construindo uma imagem de
gente fina e elegante, só porque finge gostar de ler, o que não é verdade. Nenhuma
dessas pessoas tem a ver com as simpatias literárias que nutro por este ou
aquele autor, nem de longe comungam com as ideias que tenho de literatura. Como
pois serei eu as lhes conduzir os livros necessários? Por isso me recuso a
indicar leituras a alguém, os livros são coisas muito íntimas. Estão cá do lado
esquerdo e não se mostram para duas pessoas da mesma maneira. Essa é uma razão.
Mas existe outra.
Quando as pessoas insistem, teimando na
indicação de um livro, mesmo eu lhe dando todas as desculpas do mundo para não
lhes indicar coisa alguma, surge aí meu lado mais mefistofélico. E sinceramente
eu não gosto quando isso acontece. Nesse momento dou a indicação pensando em
fazer com que a leitura seja o momento mais desequilibrante que alguém jamais supôs
viver na vida. Inverto os polos de interesse que, imagino fazer a cabeça de
alguém, e sugiro leituras que vão na contramão do que cuido ser o desejo
daquele alguém, que aporrinha a minha paciência, com coisas que sei, não lhes
pinicam.
Sendo angelicais e castas, sugiro as
leituras mais depravadas e insanas da literatura, Henry Miller e Dalton
Trevisan. Sendo carolas, me apraz ver sua santidade posta à prova quando se veem
enfronhada aos lençóis da perversão sexual e surdas de tanto ouvirem os gemidos
dolorosos saídos da cabeça nervosa do Marquês de Sade ou Guilleragues, suposto
autor da história da freirinha portuguesa que tem delírios eróticos com um
oficial francês enquanto se encontra no claustro servindo a Cristo. Podem lá
apanhar coisas uteis as pudicas, quando não estiverem de joelhos no regaço do
Senhor, é claro. Se forem moralistas e se escandalizarem fácil com os adeptos
de alucinógenos, aí falo sem parar das qualidades literárias inequívocas de um Thomas
de Quincey ou de um Hunter S. Thompson. Sendo politicamente corretas indico sem
pestanejar o americano Philip Roth. Os fúteis e consumistas sugiro o autor de “Ambição
no Deserto”, Albert Cossery para quem os personagens que criou não tinha outro
interesse senão falhar nos propósitos de se estar bem posicionado na vida,
porque acreditava o autor, que o que matava as pessoas era a ambição desmedida
que campeia no mundo do consumismo. Como veem a boa literatura não se faz com
boas intenções. Então não é buscando conteúdos deliberados que as pessoas encontrarão
os sentidos necessários ao entendimento da literatura. Mas as pessoas não estão
dispostas a encararem a literatura nessa perspectiva. Vão a ela, cônscia de
seus lugares no mundo. E aí esperam sempre encontrarem-se nos livros que não
leram. Quando isso não acontece, frustram seu interesse e refugam ao encararem
aquilo que se esforçaram tanto em maquilar.
Portanto sabendo que não gosto que me
peçam indicações literárias não o façam. Não me peçam que sugiram-lhes leituras.
Posso estar, sem querer, lhe dizendo o que penso de você.
10
de
julho
Acudir aos homens
Foto: O poeta Marco Haurélio lendo um cordel na rua como os antigos cordelistas faziam.
.
Na generalidade dos textos, que se convencionou chamar de Populares,
aparecem histórias notáveis. Essas narrativas carregam consigo, ensinamentos e
valores incalculáveis que não podem, de forma alguma, serem ignoradas. Vindo de
eras pretéritas, elas apontam ao homem do presente, rotas alternativas, aos
compromissos absurdos, que apenas conduzem os seres ao descalabro.
A mula sem cabeça, O lobo e o Cordeiro, A cigarra e a formiga, O Saci
Pererê, O pequeno Polegar, As babuchas de Abu Kasem, A história dos dois
homens que sonharam, os poemas dos cordelistas, o repente dos repentistas, são
entidades e narrativas que atormentam, entretêm e educam as gerações e as
comunidades por onde vão passando, orientando a todos em condutas probas e
saudáveis ao convívio coletivo.
Dos testemunhos literários dessas narrativas podemos perceber o lado
mais oculto e sombrio da natureza humana. Neles podemos também fazer-nos melhores, para encarar
as inevitáveis tormentas, que também fazem parte do pacote de se estar vivo,
num mundo cercado de tristes belezas.
Bem percebidos, os ensinamentos colhidos nessas histórias, lendas,
fábulas e contos, serão capazes de dotarem às novas gerações de saberes
elementares para a sua sobrevivência na comunidade, e para a sobrevivência da
comunidade enquanto entidade agregadora, solidária e mantenedora da ordem
social.
Mas se ignoradas, da forma que estão sendo no mundo atual, em nada podem
ajudar as crianças, os jovens e os adultos que pretendem superar seus temores
internos, contornar os seus dramas sociais, ou livrar-se dos vícios e das
inconstâncias que nos sacodem de um lado a outro da existência, sem nos dar
sossego.
As mensagens ocultas, que nos chegam nas vozes mais sabias do passado,
conduzem-nos, mais seguros pelas florestas escuras. Vai daí que não podemos
desperdiçar esse guia confiável e experimentado que são as histórias populares.
Esta era a conclusão do maior folclorista brasileiro, Câmara Cascudo. É a
cultura popular na sua dimensão mais lúdica, a ferramenta mais eficaz na
orientação do homem, perdido em terras estranhas.
Infelizmente, essas histórias, continuam a serem tratadas como matéria
decorativa para algum folclore barato, que pais, professores e autoridades
políticas vão empregando para melhor desaperceber os que delas poderiam tirar
proveito. Não fosse a Literatura Popular, encaradas com a obtusidade habitual dos que veem a
cultura popular de forma tão apequenada, dariam a todos grandes lições.
7
de
julho
Um pouco mais órfão
Foto: Rogério Soares
.
A certa altura da vida, muitos
abandonam-se à sorte, ou vão viver o merecido gozo do descanso, depois de uma
jornada enfadonha pela existência. Outros parecem incansáveis e não se dão
nunca por satisfeitos, e por isso, estão sempre inquietos, a buscar novos horizontes
antes que a vida finde. Há pouco mais de um ano conheci um desses desbravadores,
em Rio do Antônio. Mas chega-me hoje a notícia, inevitável, que eu nunca
gostaria de ter recebido, de que ele nos deixou, “fora do combinado”. Partiu o
mestre Adelbardo Silveira aos 84 anos. Conhecido carinhosamente na região do
Sertão Produtivo como Professor Deba. Sua vida foi, toda ela, dedicada à
valorização da cultura como bem maior de um povo. Através de militância
cultural e empenho pessoal ele criou e redigiu sozinho o jornal “O Arrebol” que
durou 5 anos. Produziu e apresentou um programa de rádio que destoava das
habituais programações dessas redes de comunicações, tão molestadas de “artistas
de plástico”, dando voz aos valores locais e aos cantadores de repente de sua
terra. Escreveu livros de memórias, cordéis (sua última paixão literária) e
protagonizou lutas políticas em favor da cultura que demonstrava
inequivocamente o seu amor às artes. Mesmo abatido, por uma enfermidade e
vergando ao tempo, que não perdoa nem os mais entusiastas amantes da vida, o
Professor Deba, esteve nos últimos anos, de sua linda vida, em luta encarniçada
pela criação de um Centro de Cultura em sua cidade. Malgrado o desinteresse de
muitos pela cultura, ele insistia nessa ferramenta de emancipação social. Foi
nesse momento que o conheci. Pensava ele que esse Centro seria capaz de
estimular a participação popular nas práticas culturais e potencializar a
valorização cívica das diversas manifestações artísticas de sua gente,
ameaçadas pela “cultura do entretenimento rasteiro”. Quando o vi pela primeira
vez não pude acreditar que um homem tão frágil, de fala tão mansa e com tantos
anos nos ombros, estivesse tão animado com a possibilidade de transformar os
jovens de sua cidade, em agentes culturais, capazes de identificar, estimular e
acompanhar talentos para a literatura, pintura, música, teatro e assim aumentar
a qualidade do patrimônio de sua cidade e região, tornando os valores locais pilares
da comunidade. Mais uma vez seu sonho tornou-se realidade. O seu Centro
cultural é hoje um lugar onde as artes vicejam. Mas creio que isso não lhe bastou. É provável
que estivesse embrenhado em mais um projeto. Não fosse a vida tão curta para
tamanhas ambições creio que o Professor Deba inspiraria ainda muita gente. Fica
aqui o meu agradecimento pelo muito que ele me significou quando estive em sua
casa para colher um depoimento sobre as histórias de encantamento que ele sabia,
como poucos, narrar. Foi nessa ocasião ainda que ele me conduziu, mesmo
fragilizado (como mostra a foto abaixo) à casa de seu amigo e valente repentista,
o Senhor Zé do Norte, para vitaminar ainda mais o meu trabalho de recolha de
histórias populares, para um livro que será lançado em breve. Uma bela lição de
vida nos deixa o Professor Deba. Pena é não contar agora com essa voz na defesa
da cultura popular. Ficamos hoje todos um pouco mais órfãos. Saibamos
vergar-nos a nobreza desse homem! Obrigado por tudo PROFESSOR.
Foto: Rogério Soares
Assinar:
Postagens (Atom)