Suas dificuldades com
Delphine Roux começaram no primeiro semestre em que ele voltou a dar aula,
quando uma de suas alunas, que por acaso era uma das prediletas da professora
Roux, foi procurá-la, como chefe do departamento, para se queixar das peças de Eurípides incluídas no curso de tragédia
grega dado por Coleman. Uma das peças era Hipólito,
e a outra era Alceste; a aula, Elena
Mitnick, achava que essas obras “depreciavam as mulheres”.
“Então o que é que eu vou fazer para agradar a senhorita
Mitnick? Retirar Eurípides da minha lista de leituras?”
“Absolutamente. Está claro que tudo depende do modo como
você ensina Eurípides.”
“E qual é”, perguntou ele, “o método recomendado hoje em
dia?” pensando, naquele exato momento, que para aquele tipo de discussão ele
não tinha nem a paciência nem a civilidade necessárias. “A leitura equivocada
que a senhorita Mitnick faz dessas duas peças”, dizia Coleman a Delphine, “está
fundada em preocupações ideológicas tão estreitas e provincianas que não dá
para ser corrigida.”
“Então você não nega o que ela fiz - que você não tentou
ajudá-la.”
“Uma aluna que me diz que eu falo com ela numa ´linguagem
falocêntrica´ não pode mais ser ajudada por mim.”
“Então”, disse Delphine, sorrindo, “o problema está aí,
não é?”
Ele riu - espontaneamente, mas também com um objetivo.
“É? O inglês que eu falo não é sutil o bastante para uma inteligência tão
refinada quando a da senhorita Mitnick?”
“Coleman, você está a muito tempo fora da sala de aula”.
“E você até hoje não saiu dela. Minha cara”, disse ele,
escolhendo bem as palavras, com um sorriso calculadamente irritante, “passei a
vida inteira lendo essas peças e pensando nelas”.
“Mas nunca da perspectiva feminista da Elena”.
“Tampouco da perspectiva judaica de Moisés. Tampouco da
perspectiva nietzschiana sobre a perspectiva, tão na moda atualmente”.
“Coleman Silk é a única pessoa na face da Terra que só
tem uma perspectiva: uma perspectiva literária pura e desinteressada.”
“Quase sem exceção, minha cara” - outra vez? E por que não?
- “nossos alunos são de uma ignorância abissal. A formação deles é de uma
ruindade inacreditável. Eles levam uma vida marcada pela esterilidade
intelectual. Eles chegam sem saber nada, e a maioria deles vai embora sem saber
coisa alguma. E o que eles menos sabem, quando se matriculam no meu curso, é
como ler o teatro clássico. Lecionar na Athena, principalmente na década de 90,
ensinar para a geração que é de longe a mais burra da história dos Estados
Unidos, é a mesma coisa que subir a Broadway lá em Manhattan falando sozinho,
só que, em vez das dezoito pessoas que ouvem você na rua falando sozinho, aqui
estão todas na mesma sala de aula. O grau de conhecimento desses alunos é,
sacou, tipo assim, zero. Depois de
quase quarenta anos lidando com esse tipo de aluno - e a senhorita Mitnick é
bem típica - posso lhe afirmar que nada poderia ser pior para eles que uma leitura de Eurípides com uma perspectiva
feminista. Apresentar aos leitores mais ingênuos uma leitura feminista de
Eurípides é uma das melhore maneiras que se podem imaginar de desligar o
raciocínio deles antes mesmo de ter oportunidade de começara demolir o primeiro
´tipo assim’ deles. Chego a achar difícil acreditar que uma mulher instruída,
com uma formação acadêmica francesa como a sua, seja capaz de acreditar que existe uma leitura feminista de
Eurípides que não seja pura bobagem. Será que você realmente se converteu em
tão pouco tempo, ou será apenas uma manifestação do tradicional carreirismo
ditado pelo medo das suas colegas feministas? Porque se for mesmo carreirismo,
por mim tudo bem. É uma coisa humana, eu compreendo. Agora, se for um
compromisso intelectual com essa idiotice, então eu estou pasmo, porque você
não é nenhuma idiota. Porque você é uma pessoa instruída. Porque na França ninguém
na École Normale levaria essa bobajada a sério. Será possível? Ler duas peças
como Hipólito e Alceste, depois ouvir
uma semana de discussões em sala de aula sobre cada uma delas, e no fim não ter
nada a dizer sobre as duas peças além de que são ´degradantes para as
mulheres´- isso não é ´perspectiva´ coisa nenhuma, meu Deus - isso é abobrinha.
Abobrinha da moda”.
“A Elena é uma aluna. Ela tem vinte anos de idade. Ela
está aprendendo.”
“Sentimentalizar aluno não fica bem em você, minha cara.
Leve seus alunos a sério. A Elena não está aprendendo. Ela está repetindo que
nem um papagaio. E se ela foi procurar logo você é porque provavelmente ela
está repetindo o que ouviu de você.”
*Excerto do livro a Marca Humana do escritor americano Philip Roth. Em breve escreverei sobre o livro...