A volta da voz despida de João Cabral de Melo Neto


Em que pese o seu proverbial apego a razão consciente na hora de fazer poesia - algo profundamente estranhado por quem só conhece os lacrimosos versos de um poeta romântico- a obra de João Cabral de Melo Neto, volta a ser reeditada, dessa vez pela editora Alfaguara. Já não era sem tempo. Desde a partida do nosso maior poeta, em 1999, apenas algumas edições de Morte e vida Severina e outro poemas para vozes, haviam sido editados, pela detentora dos direitos de publicação, a editora Nova Fronteira.

Agora, desse segundo semestre até o ano que vem as livrarias de todo Brasil terá novamente em suas prateleiras os versos pungentes e corrosivos do autor de Uma faca Só Lâmina. O primeiro dos títulos, que abre a série, já está nas livrarias, e se intitula O Artista Inconfessável. Um decalque do título de um de seus poemas do livro Museu de Tudo, obra de 1974.

Trata-se de uma reconha (já que não existe nada inédito na obra do autor) dos poemas que “mostram uma faceta mais familiar e intimista” do poeta; anuncia a orelha do livro. Nada mais irônico. A vida inteira João Cabral lutou por enxugar da poesia os excessos subjetivos que a tradição romântica popularizou. Isso lhe valeu, erroneamente, o título de poeta hermético, árido, e outros tantos adjetivos equivocados. O que de certa forma denuncia, a meu ver, certo estado de comodismo e inércia de alguns leitores, que não souberam reconhecer que a poesia de João Cabral, além de rica é desafiadora.

Seu talento, posto a prova, contra o servilismo dos que só fazem poesia inspirados por uma voz inconsciente, alargou as fronteiras do oficio poético, ao assumir o desafio maior de fazer poesia à contra pêlo, “seu perfumar a rosa e sem poetizar o poema”. Obra de quem vive inteiramente seus ideais e convicções intransigentemente, para bem de seu oficio.

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