Em 2 de dezembro de 1902 o jornalista e escritor, Euclides da Cunha (1866-1908), lançava o livro Os Sertões. A obra, inspirada numa apurada investigação jornalística ocorrida cinco anos antes, sobre o levante de um bando de esfarrapados sertanejos, liderados por Antônio Vicente Mendes de Maciel – O Conselheiro – supostamente contra o estado, transformou o seu autor num nome incontornável. Convertido numa das maiores obras da nossa literatura, ela influenciou grande autores como: Mário Vargas Llosa e Sandor Marai, que escreveram livros baseadas em Euclides da Cunha. Destacado pelo jornal O Estado de São Paulo para cobrir aquilo que os alarmados republicanos da época chamavam de um levante restaurador da monarquia, “a nossa Vendéia”, uma referencia à província francesa que, em 1793, havia se rebelado contra medidas fiscais adotadas pela Revolução de 1789; a obra de Euclides da Cunha se transformou em pouco tempo no quase único relato respeitado e aceito, entre os vários entusiastas e estudiosos de Canudos. O monopólio desse registro só foi quebrado quando entrou em curso outro nome nos estudos da história de Canudos, o do professor José Calasans (1915-2001). A gênese da trajetória desse estudioso, seus trabalhos e sua contribuição para historiografia baiana, são os temas do livro José Calasans: a história reconstruída trabalho de conclusão de curso do também professor e pesquisador Jairo Carvalho do Nascimento (n.1976), recém saído do prelo e dado a público no último dia 23, no auditório da UNEB. Nesse seu mais recente trabalho, Jairo apura o percurso desbravador do professor José Calasans, responsável por uma revisão completa na historiografia de Canudos, bem como por uma contribuição inestimável, até hoje insuperável, para os estudos regionais e locais na Bahia, destacando sua valorização da oralidade como fonte e objeto da história, “postura não compartilhada pela ampla maioria dos historiadores da época”, afirma Jairo. Depurado de acessórios o livro do professor Jairo tem vários méritos. Um dos quais é, não se deixar cair na tentação de emular o seu objeto de pesquisa. Tanto é assim, que Jairo, não obstante a insuspeitável contribuição de Calasans, não esconde que esse, também adotou posturas contraditórias durante o regime ditatorial que governou o Brasil de 64 a 85. E que ainda, em alguns momentos de seu trabalho de pesquisa, “chegou a aceitar a fonte sem fazer as críticas devidas” ou que, esse, destinou “pouca atenção às incursões interpretativas a partir de referências teóricas, uma particularidade verificada, por exemplo, na sua obra: Canudos: origem e desenvolvimento de um arraial messiânico”. Em parte, essas medidas se devem a postura interpretativa adotada por Calasans, que pertenceu a corrente historiográfica dos que pretendiam interpretar o Brasil a partir do Brasil, e não se filiou a esquemas interpretativos importados. Apoiado em trechos criteriosamente citados e comentados, pode-se dizer que nada ficou de fora desse trabalho. Uma extensa bibliografia, bem como uma bibliografia temática das obras de José Calasans, completa o livro, indispensável para quem queira melhor compreender José Calasans e um pouco de Brasil. O trabalho ainda pode ser lido fora dos círculos de especialistas, afinal ele foi construído numa prosa límpida e de fácil absorção, ler-se num fôlego.
Um comentário:
Frater Roger,
José Calasans, Valnice Nogueira Galvão, Silviano Santiago e Manoel Cavalcante Proença, entre outros, andaram pela mesma seara, que remete à historiografia e à literatura. Como você ressaltou, é preciso romper o círculo dos especialistas, e atingir outros meios.
Parabéns pelo texto, que também cumpriu esta premissa.
Marco Haurélio
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