Um bocadinho limitadora

.
.
São muitos os felizes que vêem a política sem matizes. Mansos, se deixam guiar pelos que lhes seguram as rédeas e estão certos de que ter lugar é estar à esquerda ou à direita do mundo. Fora disso, pensam, só há o muro, ou melhor, o em cima do muro. Isso tudo, é o muito que se podem admitir de lugares. Não lhes ocorrem que, fora dos polos, além dos extremos, ou longe dos muros, possa existir um outro lugar pra pensar.

Tomar posições, fincar bandeira, limitar espaços é o que os fazem felizes e lhes alimentam as convicções mais mesquinhas. Estão certos de seus lugares e de lá querem nos fazer crer que estão com toda razão.  Entendem a política como aquela senhora do conto Olhar à direita, de Oliver Sacks, que via o mundo à volta: em banda.

A história é narrado no livro de contos O Homem que Confundiu a Mulher com um Chapéu. Aos sessentas anos a Sra S., sofreu um grave derrame que afetou as porções mais profundas e posteriores de seu hemisfério cerebral direito, fazendo com que perdesse a visão do que lhe estava à esquerda.

Às vezes”, narra Oliver Sacks, “ela reclama que as enfermeiras não puseram a sobremesa ou o café em sua bandeja. Quando elas replicam: “Mas sra. S., está bem aqui, à esquerda”, ela parece não entender o que estão dizendo e não olha para a esquerda. Se sua cabeça for delicadamente virada de modo que a sobremesa fique à vista, na metade preservada de seu campo visual, ela diz: “Ah, está aqui — não estava antes”. Ela perdeu por completo a ideia de “esquerda”, tanto com relação ao mundo como a seu próprio corpo”.

Um tipo pode, como aconteceu com a Srs S., estar acometido de um derrame ideológico e não dar por isso. As ideologias podem ser um bocadinho limitadoras e no mundo deve haver mais lugares para as ideias do que os compartimentos ideológicos, delimitados pela direita ou pela esquerda nos querem fazer supor. 

Nenhum comentário: