Certezas rompidas- Benjamin Clementine - Condolence | A Take Away Show

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De todas as expressões artísticas, a que menos me entusiasma é a música. Posso ficar meses sem ouvir uma única canção e assim mesmo não dar pela falta dela. Não fossem os cacofônicos cantores midiáticos, que lamentavelmente fazem as graças dos carros de sons-publicitários, e nem desconfiaria de que vai música no mundo. Como veem, não sou aficionado pela música. Prefiro antes um livro, um filme ou mesmo as horas de contemplação às obras de arte e aos trabalhos fotográficos que vou descobrindo enquanto cultivo o silêncio.

Nasci, a julga pelos hábitos modernos de andar com fones de ouvidos metido à orelha por todos os cantos, com o ouvido torto aos sons que escapam as rádios, tevês e aparelhos eletrônicos que seduzem a todos. Vai daí que para o mundo contemporâneo meu ouvido é inútil. Prefiro assim. Antes o silêncio. O mundo é-me uma coisa escandalosamente ruidosa, onde estar impenetrável aos vestígios de sons, parece impossível. Por isso aprecio o lar.

Depois do trabalho, o que mais me apetece é encontrar as paredes, que me isolam do burburinho mundano e me mantêm imunes aos ruídos que fazem do mundo uma caixa de som ensurdecedora. No lar sinto-me com a sensação de estar em um mosteiro em que gostaria de estar, cultivando o que minha fantasia monástica vai delirando. Nele posso conter o tumulto e isolar os sons que não me agradam e dedicar-me ao exercício da quietude ante um mundo cheio de estultícia.

Mas de repente também sei sentir a necessidade de ouvir música. Aí saio de minha hibernação para dar-me a chance de ver se endireito o ouvido. Nessas horas raras, troco a quietude das coisas pelo seu oposto. Em vez do silêncio, o alarido dos anjos caídos soa-me inebriantes. Vou-me embora no som e perco-me nas horas. De repente, dissipam-se minhas ilusões de silêncio e os ruídos do mundo rompem meu isolamento, trazendo consigo outros sons e não aqueles habituais que os médias vão espalhando como ratoeiras pelos caminhos das pessoas.  Tais horas são especialmente empolgantes quando acompanhadas de Benjamin Clementine empunhando seu piano em meio a um biblioteca enquanto inflama o ar com sua voz inigualável.

No caminho de Brasília

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A foto é velha, mas dar o que pensar. Ou assistimos a vê-la o definhar completo da moralidade política, ou os caminhos para Brasília se converteram em caminhos de Damasco. Uma das duas alternativas há de explicar como em política nacional o canalha de ontem é o insuspeito de hoje. 

Ateísmo das coisas vãs



"A MORTE DOS DEUSES

A primeira das quatro biografias reunidas na Vida de Paulo Leminski é dedicada ao poeta negro Cruz e Sousa (1861-1898), filho de escravos adoptado pelo proprietário de seu pai, um mestre-pedreiro, que contra todas as probabilidades aprendeu a ler e a escrever. É no entretanto da análise poética levada a cabo por Leminski, sempre atenta ao detalhe e minuciosa nos aspectos que julgaríamos menos relevantes, que encontro este argumento fortíssimo contra o meu ateísmo. Fala-se, refira-se a título de introdução, na capacidade que a cultura negra teve para resistir a um violento processo de aculturação que, por exemplo, praticamente exterminou a cultura do índio. Estamos no campo da citação da citação:

«No jornal, uma entrevista recente com o maior teatrólogo da Nigéria, um intelectual de esquerda:

— Os brancos nos trouxeram coisas de valor. Como o seu pensamento científico e filosófico, incluindo o marxismo. Mas o preço que temos que pagar é alto demais. O ateísmo é a morte dos deuses. Com a morte dos deuses, vem a morte das danças, que são para os deuses. Com a morte da dança, vem a morte da música, que acompanha as danças. Ao adotarmos filosofia ateia, estaremos matando toda a árvore da nossa cultura. Um marxismo, para nós, não pode nem deve negar nossas crenças. Porque estaria negando a nós mesmos».

Imagine-se, por arrasto, o que seria da poesia com a morte da música. Esta inquestionável ligação da produção artística ao culto do sagrado tem uma enorme força, sendo indesmentível em termos arqueológicos e ressuscitando o velho problema do ovo e da galinha: primeiro os deuses ou a arte? Eu tendo a acreditar que foi a arte que gerou os deuses, mas mesmo nesse domínio reconheço não poder escapar ao pântano da fé.

Produtos da fantasia, por certo, mas vinculados a uma necessidade física, uma necessidade até de sobrevivência, os deuses, enquanto personagens fictícias do reinado metafísico, expressam (a palavra é mesmo esta) um modo de olhar para o mundo, uma perspectiva, um modo de sentir o lugar do homem na vasta geografia natural, expressam um modo de estar com a Natureza que, nas suas múltiplas variantes, se resumiu a tentar dominá-la (monoteísmos) ou simplesmente aceitá-la, venerá-la, procurar com ela um estado de fusão integrador (paganismos).

Daí que o grande desafio do ateísmo não seja negar os deuses, como quem se ocupa de negar o que à partida considera inexistente, mas antes empenhar-se em impedir que o deus único das três grandes religiões se imponha pela força a todo e qualquer culto do sagrado que não se reconheça na arquitectura fascista dos preferidos e dos eleitos. No fundo, trata-se de garantir que o motivo para a dança, para a música, para a poesia se mantenha vivo."

Daqui: Antologia do Esquecimento 

O gigante de pés de barro

Foto: William Gedney
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Por alguma razão, que a sociologia pode melhor explicar do que eu, a fotografia Americana do século XX tinha um profundo interesse em dar a ver a vida de jovens e crianças. Quase sempre esses registros, mostram uma América longe dos ideários propagandísticos de terra da oportunidade. São ao contrário flagrante do gigante de pés de barro.

Tempos delirante


Foto: Elliott Erwitt
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Entendo que as pessoas creditem ensinamentos, valores e outros fingimentos aos vídeos que coalham no WhatsApp. É que em nosso tempo é sempre preferível apegar-se a ilusões, do que se sentir sem valor de mercado, por não andar cultivando a última merdola da moda. 

Um mundo selvagem que não perdoa nem a infância

Foto: Urs Odermatt Windisch, 1958
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Quando eu era criança os meninos e meninas adoeciam. Tínhamos perebas, ínguas, vermes, manchas embranquecidas nas unhas, que se dizia ser sinais de problemas no fígado. Verrugas espalhavam-se pelas mãos e atingiam os joelhos, dando aspecto asqueroso aos moleques mais travessos que se machucavam. Em casos mais graves, as crianças nasciam com problemas de ortopedia e tinham de usar umas botas esquisitas, que lhe davam um caminhar robótico.

Hoje as crianças também adoecem, porém, estão bem longe de sofrerem dos mesmos males da minha época. As crianças de hoje têm doenças com nomes esquisitos e sofrem de males da mente. Talvez por isso a especialidade médica que melhor as assiste, seja a psiquiatria. As crianças hoje sofrem de "hiperatividade", "déficits de atenção", "Aspergers", "autismo", “depressão profunda”, e outras perturbações correlacionadas. Antes desse novo tempo, cheio de novidade, jamais havíamos ouvido falar de psiquiatras.

Como curar essas moléstias? Em minha época tínhamos toda uma ciência popular a qual recorriam os pais para socorrerem as crianças dos seus pequenos males. Curávamos vermes entupindo a criança com semente de abóbora e depois fazendo com que ela sentasse de cócoras numa bacia d´água morna. Em poucas horas, verme algum seguia molestando os meninos bojudos. As verrugas eram facilmente removidas quando as crianças eram orientadas a não mais contarem estrelas apontando com o dedo para o céu. Agora, como é que se cura Aspergers? Tem cura essa doença? Quais as suas causas e por que as crianças são afetadas por ela?

Não sou nenhum especialista. Não tenho nenhuma autoridade para falar do assunto. Mas imagino que todos esses males não se deva a outra coisa, senão as pressões sociais as quais as crianças estão submetidas. Não há mais espaço livre para viver a infância. Nem bem nascem, as crianças já têm responsabilidades e lhes são exigidas que as cumpram. Sob pena de terem o seu futuro comprometido, pais zelosos empurram os filhos às aulas, que cada vez se iniciam mais cedo. Não contentes com essas horas de entrega aos estudos, quando os pequenos voltam à casa vindo das escolas, têm outras obrigações que os esperam. São levados ao cursinho de inglês, as aulas de natação, balé, música, teatro... nenhuma de suas horas são gastas com a tarefa de ser criança. Nenhum de seus momentos mais ternos são vividos com os pais. Antecipa-se o mundo adulto, com seus compromissos e responsabilidades cada vez mais cedo às crianças.  

Ontem como hoje, uma Igreja duas crenças.

Foto: Rogério Soares - Tríptico 

Há aqui qualquer coisa que pensar.

Aurel Bauh. As três Graças, 1937. 

Leonard Nimoy. The Full Body Project.
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Quando olho essas fotografias, não estou apenas pensando no contraste, nos volumes, nas mamas apontando para direções contrarias, nas discrepantes proporções dos corpos, na pele de umas e outras, enfim, nas formas densas e lineares que distinguem os corpos. Quanto olho essas fotografias, penso num certo ideário de beleza estampado na primeira que, estando ultrapassado, não deixa de me causar espanto e admiração.

Falo ultrapassado porque assistimos a um tempo do enobrecimento de tudo. Um tempo em que alguns, ungido de modéstia, relativizam as coisas, pensando com isso estar corrigindo as más consciências do mundo, que tendem a polariza as singularidades. Não deixa de ser estranho que tudo tenhamos que subordinar às causas. Requer nossa época um certo decoro ao expressar nossos gostos. Corre-se, sem querer, o risco de ofender quem temos em conta de simpático, pelo simples fato de crer no ideário grego das Graças.

Razões para se pensar a sério sobre a televisão

Foto: Arthur Steel
«A televisão provou que as pessoas preferem olhar para qualquer outra coisa, a olharem-se entre si.»
— Ann Landers(Esther Pauline "Eppie" Lederer), 1979

«A televisão fez a ditadura impossível, mas a democracia insuportável.»
— Shimon Peres, In Financial Times, 1995

«A televisão trouxe de volta o homicídio ao lar, onde pertence.»
— Alfred Hitchcock, In Observer, 1965

«O povo americano não acredita em nada até ao momento em que aparece na televisão.»
— Richard Nixon, Newsweek, 1994 (Nixon, estimava que 80% dos americanos obtinham toda a sua informação através da televisão)

«O primitivismo da televisão cansa.»
— Claude Lévi-Strauss

«É quase impossível dizer a verdade na televisão.»
— Malcolm Muggeridge, Christ and the Media,1976

«A masturbação é a televisão do homem que pensa.»
— Christopher Hampton, The Philanthropist, 1970

«Alguns programas televisivos são gomas de mascar para os olhos.»
― John Mason Brown, in Interview, 1955

«Encaremos os fatos, em televisão não existem mulheres simplórias — destituídas de relevo.»
— Anna Ford, In Observer, 1979

«A televisão disseminou o hábito da reação instantânea e estimulou a esperança de resultados imediatos.»
— Arthur M Schlesinger, Jr. In Newsweek, 1970

Escusa


Estou certo de que uma vida não chega, para realizarmos todos os nossos sonhos. Digo isso, é claro, para negar em mim a fraqueza de não ter chegado às portas das grandes realizações. É simples culpar a vida pelos tropeços. Eximimo-nos assim da culpa pelas derrotas, e seguimos fingindo autocomiseração. Quando não temos feito o que deveria ter sido feito, entregamo-nos à culpa ou às piores imposturas.

Na esperança de resgatarmos alguma dignidade da lama, fingimos que ela também pode ser purificadora, só para não ter que dormir com a realidade. Não restando nada mais, nem nenhuma outra desculpa que nos dispense da franqueza de se saber menos, nos apegamos a última das convicções: a de que a vida não é nunca perdida, enquanto não é terminada.

A liberdade ou do delírio literário de ontem e de hoje


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Stalin corrigia páginas e páginas de Gorki, metendo nas histórias o que o escritor não era “capaz” de meter. Quando não havia submissão às críticas do generalíssimo, os escritores soviéticos deixavam o mundo da literatura, para habitar o esquecimento siberiano. Alguns de lá trouxeram mensagens sobre os serviços de “reaprendizagem literária”.

Outros com menor sorte de reaver-se com a nova crítica, não chegaram tão longe, e antes mesmo de sentirem as lições transformadoras da estética stalinista, encontraram com o barqueiro Caronte, que na época, trabalhou em regime de serviço extra, para dar conta dos enviados pelo governo do povo, à mais nova morada dos escritores.

Na China o camarada Mao não fez por menos que seu colega. Querendo emendar o que chamava de “desvio burguês” que empestava a literatura chinesa de então, o grande líder, que também sabia tudo de literatura, correu com os escritores para os rincões chineses, onde eles puderam depurar a criatividade, enquanto atolavam as mãos nos arrozais e fertilizam as suas novas consciências com esterco, ao lado dos verdadeiros artistas da pátria, o povo.

O barbudo cubano aprendeu as lições de seus antecessores político-literários. Depois de derrubar o ditador Fulgêncio Batista e instalar um regime de igualdade social, ele se apercebeu que, o seu regime seria, tanto mais vigoroso e duradouro, quanto menos escritores canhestros estivessem a entulhar a literatura de dizeres e fazeres que nada serviam a emancipação do povo. Com ares senhoriais ele construiu as casas de correção, em regime interno, onde os escritores aprendiam que não se podia querer tudo e mesmo assim estar de acordo com o novo pensamento.

De tempos em tempos uma nova onda reconduz os literários ao bom caminho. Não temos mais os líderes da envergadura dos grandes comunistas no leme de nossa precária embarcação. Mas quis a sorte, que em meio a escassez de timoneiros tarimbados, uma outra força viesse ao nosso encontro, e nos reconduzisse às históricas políticas educativas de instrução literária. Essas novas forças atendem por variados nomes. Em comum, elas possuem o ímpeto dos timoneiros do passado de devolverem ao curso certo, as histórias que os literários vão delirando.


Na natureza



Fotos: Rogério Soares / Caetité 30 de Abril 2015.

Valhacouto de canalhas

Foto: Robert Capra

"O patriotismo" escreveu Samuel Johnson "é o último refúgio dos canalhas". A esse valhacouto junta-se os bairristas, que são aqueles que pregam as supostas virtudes de sua terra, esquecendo-se, por decoro ou mau-caratismo, as inconvenientes verdades, que por ventura desminta as melhores qualidades dos sítios que se imaginava imaculados.

O menoscabo de si próprio é uma forma de grandeza que os patriotas vez por outra deveriam experimentar. É um lembrete que nos traz à terra e a todos nivela por igual. Todavia muitos ainda pensam estar no melhor dos mundos possíveis, e não se permite a crítica de sua pátria ou de sua cidade. Satisfaz-se assim com as ilusões que, convenientemente lhes preenchem a algibeira, negando todas as evidências de vícios e malfeitos de sua “terra amada”.

Mas a verdade das verdades é que: em essência não há lugar no mundo, por mais belo e próspero que pareça, que não pese vulgaridade, orgulho, falsidade e vergonha. Dotou-nos a todos o destino dessa má sorte. Nisso estamos rendidos. Mesmo que os patriotas neguem cegamente as evidências, e os bairristas finjam não ver as verdades, elas continuarão lá.

Vida-circo


Foto: Justin Bartels
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Deve ser bom poder ir à vontade para qualquer lado. Estar sempre a guiar-se pela ponta do nariz e deixar-se ir, sem saber existir alguém ou alguma coisa, que possa interferir em nosso caminho. Querer ir a norte e ir a norte. Querer ir a sul e ir a sul. Percorrer assim caminhos, sem dar noutro lugar a não ser aquele traçado de véspera. Deve ser bom poder ir estrada afora, ter o pó, o sol, a chuva, o vento e um horizonte sem fim a acarinhar nossa autodeterminação. Estar ali entre essas coisas miúdas deve nos dar a certeza do nosso tamanho. Há de ser bom estar por lá onde temos a medida certa. Melhor do que estar a escrevinhar ofícios à junta ou a apanhar migalha ao chão, fingindo que os salamaleques são devidos a quem lhe paga o repasto. 

Prestar ouvidos

Andasse a tomar notas das falas de minha vó e por essas horas já teria um livro de poesia.

Mais-valia



 Foto: Dani Shitagi
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Uma lógica perversa vem reduzindo todas as coisas ao sagrado critério da funcionalidade. Da arquitetura moderna e seus discursos sobre a praticidade do meio, às escolhas paternas de escolas de músicas para os filhos, porque estas desenvolvem o raciocínio lógico; a arte de nosso tempo sucumbiu ao discurso do utilitarismo e só é consumida se "servir para alguma coisa”. O que conta mesmo nas artes de hoje são apenas os seus aspectos práticos, funcionais e utilitários.

E quem diz funcionalidade na arquitetura e na música diz literatura, cinema. Basta ver nas escolas como o cinema foi apequenado. Hoje assiste-se um filme apenas para que este aluda a um assunto que se quer discutir. Nas universidades, a literatura deixou de ser o elã despretensioso, para rebaixar-se aos discursos panfletários de moralistas.

A ninguém é suposto a ideia de que a escolha de uma leitura ou de um filme se dê pelo mero prazer subjetivo que este provoca. Aos discursos utilitaristas é preciso algum valor aderente ao objeto artístico para que esse adquira legitimidade. Mais não é isso que realmente torna a arte valioso. Todas as vezes que predominar o fim na arte, escreveu Kant, teremos “beleza aderente” a obra. Entenda-se fim aqui como aquilo que têm utilidade prática na vida. Quando não há predominância do fim, temos “beleza livre”, desinteressada.

E é a esse último modo de ver a arte, privada de interesse, que a torna indispensável. Sem estar sujeita a priori a imposições de conteúdo, forma e outros condicionantes, a arte se basta. Nessa concepção ela não serve para nada, e quanto menos servir para alguma coisa mais valiosa será. Não se reduzindo a uma realidade circunstancial a arte livre dos conceitos utilitaristas, contribui para formar uma imagem do mundo, das pessoas e das relações, tão complexas, em sentido universal. 

Muhammad Ali



Analisando sob o ângulo de um simulacro cênico, o pugilismo de Muhammad Ali, assumirá um daqueles aspectos  de fatos reveladores que, nos esclarece imensas questões sobre a vida e a luta que devemos travar contra os maiores obstáculos, para permanecermos simplesmente em pé.

A vida é caos



Nunca imaginei fazer um curso de datilografia - os mais jovens não sabem o que é isso - até fazer um. Nunca ocorreu-me, mesmo naqueles momentos de divagações a que todos nós estamos sujeitos, a possibilidade de ir à Itália, até que esse dia improvável chegou. Em tempo algum pensei em fazer um curso universitário, antes de fazer um curso universitário. Jamais ocorreu-me ser professor universitário; abrir uma empresa e acabar (ao menos momentaneamente, ou não) coordenador pedagógico de uma escola rural de um distrito de minha cidade, que antes do trabalho, jamais havia posto os pés, mesmo vivendo na mesma terra a mais de 12 anos.

Como as vidas são íntimas e nenhuma é igual a outra, deduzo que a alguém sucede os caminhos não serem tão tortuosos, nem assimétricos ou irregulares como os meus. Muitos já nascem fadados a uma vida sem muitas surpresas. Do berço ao túmulo poucos percalços acidentam sua rota. É o caso dos monarcas, cujas vidas já se sabe de véspera, mais ou menos, o seu fim. Veja-se a propósito o burburinho real com o nascimento do príncipe George, terceiro na linha de sucessão do trono Inglês. Ninguém ousa dizer que sua vida é imprevisível. Mesmo que não venha a se tornar rei, como se supõe, será improvável uma rota irregular em sua existência, que o desvie do fadário real e de todas as suas obrigações encarrilhadas.

Já a nós, pobres mortais, a vida não é regida por uma ordem prévia, mas se faz sentir pelas circunstâncias que vão ora aqui, ora ali, descrevendo ao acaso, uma órbita improvável. Censuramos a vida por essa volubilidade. Frequentemente nos queixamos por não a vê-la como queríamos. Esbravejamos, berramos e maldizemos a sorte, por nos impor fardos que sentimos, demasiadamente, injustos. Tudo isso, para descobrirmos depois de muito tempo, que não adianta queixumes. Os lamentos não nos traz de volta a fortuna, que imaginávamos estar destinados. Antes, revela-nos, que jamais chegamos a possuir sorte maior do que a de estarmos vivos e que esta dádiva tem um preço. Nec semper lilia florente é a expressão cunhada por Ovídio na Arte de Amar para dizer que nem sempre as coisas nos são favoráveis. Contentemo-nos com isso. Nem todos escapam a fortuna. Muitos estão ao sabor do acaso.

E agora o que a vida me reserva?

Basbaques

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Uns dizem vá pra Cuba. Outros vá pro SUS. Uns dizem ele é comedor de criancinhas. O outro responde que ele é um capitalista selvagem. Uns dizem oligarcas de mierdas, crente que é o outro quem incita o ódio. Em toda parte há basbaques, mas em nenhum outro lugar há tantos quanto na política.

Vincar a memória

Foto: Sally Mann, Deep South

Há mais de 20 anos deixei a Paraíba. Nunca mais retornei às cidades que me viram miúdo aprendendo a falar e a andar. Não foi por não querer, ou por falta de oportunidade, que não retornei à minha terra natal. Foi por medo.

Há muito botei na cabeça que se um dia eu retornar às cidades que foram a levedura de minha infância, estarei ameaçando com isso a imagem afetiva que, desde o meu último dia naquelas terras, eu trago na memória. E são ternas. Lindas e amáveis essas imagens.

Um sentimento estranho me faz crer que posso ser traído por uma verdade incomoda e descobrir que as belezas que um dia eu julguei ter vivido não passavam de alucinações de uma mente sequiosa de ilusões capazes de tornar o presente suportável, por já ter vivido um passado satisfatório. Seria duro demais perder a ilusão.

As emoções que produziram aqueles momentos são irrepetíveis. Só por isso é sempre grande o impulso que nos surge para cristalizá-los tornando perenes as emoções que produziram instantes líricos. Voltar lá seria o mesmo que viver de outra maneira aquele ambiente comprometendo assim a minha lembrança de momentos inesquecíveis.  

Não sinto o mesmo temor a outros lugares. Ao contrário sinto até vontade de rever lugares que há muito tempo visitei. Goiás Velho, Veneza, Caldas Novas, Jundiaí... Meu medo é o de retornar às paisagens da infância. Temo que elas se desmoronem sobre a novidade que se me apresentará.

Arte religiosa

Pintura: São Francisco em meditação. Francisco de Zurbáran 
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Perdi a fé nas religiões em algum lugar que hoje já não me ocorre retornar para recuperar. Porém, essa perda não me fez menos admirador da arte religiosa ou da cultura artística nascida das religiões. As expressivas e extasiantes representações das cenas bíblicas feitas por Caravaggio, como a crucificação de São Pedro, os tormentos de Santo Antão de Michelangelo, o simbolismo mágico das imagens intensas de Francisco de Zurbarán, jamais me foram indiferentes. Estou de acordo com José Ricardo, que acredita que: "A arte religiosa não é patrimônio de qualquer religião ou igreja mas patrimônio da humanidade". 

O longo baile dos amantes.

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A longa tradição das histórias de amor que a literatura nos legou sempre envolveram amores impossíveis. Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, Cyrano e Roxane, Ana e Vronsky são apenas alguns exemplos de uma interminável lista de desencontros. Raramente o amor conjugal motivou os escritores histórias com algum encantamento lírico. Os dramas adúlteros ocupam com mais força a cena romanesca. Uma exceção à essa larga tradição parece ser Cartas a D. do escritor e filósofo André Gorz. O livro reconta o encontro e os momentos que o escritor partilhou com sua mulher Dorine em quase sessenta anos de matrimônio. O drama da história fica por conta da parceria dele ao lado dela durante os piores momentos do estágio de uma doença degenerativa que prenunciava o fim dos laços que os uniram durante toda a vida. Num tempo em que relações se liquefazem, onde até o amor é líquido, histórias como essa rareiam e provam que boa literatura não se faz apenas com intenções amorosas ardentes, mas com entrega e devoção a coisa amada.

"Nossa história começou maravilhosamente, quase um amor à primeira vista. No dia em que nos encontramos, você estava acompanhada de três homens que pretendiam jogar pôquer com você. Você tinha cabelos auburn abundantes, a pele nacarada e a voz aguda das inglesas.

Tinha acabado de chegar da Inglaterra, e cada um dos três homens tentava, num inglês sofrível, captar a sua atenção. Você se mantinha soberana, intraduzivelmente witty, bela feito um sonho. Quando nossos olhares se cruzaram, eu pensei: "Não tenho chance nenhuma com ela". E logo soube que o nosso anfitrião já a havia prevenido: "He is an Austrian Jew. Totally devoid of interest".

Um mês depois cruzei com você na rua, fascinado por seus passos de dançarina. Depois, numa noite, por acaso, eu a vi de longe, saindo do trabalho e descendo a rua. Corri para alcançá-la. Você andava rápido. Tinha nevado. O chuvisco fazia cachos nos seus cabelos. Sem pôr muita fé, eu a convidei para dançar. Você simplesmente disse sim, why not. Era 23 de outubro de 1947.

Meu inglês era desajeitado, mas passável. Tinha se enriquecido graças a dois romances americanos que eu acabara de traduzir para a editora Marguerat. Durante essa nossa primeira saída, percebi que você havia lido um ito, antes e depois da guerra: Virginia Woolf, George Eliot, Tolstói, Platão...

Falamos de política britânica, das diferentes correntes dentro do Partido Trabalhista. De imediato, você já sabia distinguir entre o que é acessório e o que é essencial. Diante de um problema complexo, a decisão a tomar sempre lhe parecia óbvia. Você tinha uma confiança inabalável na justeza dos seus julgamentos."

(...)

O belo consolo

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O poeta e romancista alemão Hölderlin escreveu: “O belo consolo de encontrar em uma alma o meu mundo, de abraçar em uma imagem amiga toda a minha espécie.”. O que pode querer dizer essa frase soube há dias atrás quando vi uma menina de 14 anos lendo Fahrenheit 451. Não posso descrever o meu contentamento. De repente me peguei pensando irmanado em espírito literário com aquela jovem. Quase não contive o impulso de lhe saudar dizendo: minha irmã, minha igual. 

Se


Foto: Sebastião Salgado: O Berço da Desigualdade.

Se entendêssemos o mundo como um processo e não como um resultado dado evitaríamos frases como: “Isso é cultural, desde que eu era pequeno esse lugar já era violento e as pessoas brutas. Ninguém é capaz de mudar essa gente. Eles não valorizam a educação”.

Se por um minuto nos déssemos a chance de subverter a lógica e imaginássemos, que a tarefa do professor não é a de ensinar, mas antes, a de despertar a criança para a consciência de sentido de existência no mundo, talvez a educação tivesse melhor resultado do que péssimo.

Se nós questionássemos mais, veríamos que a realidade dada tem verdades, que vão além das aparências, e é lá que talvez resida as respostas a muitas das nossas inquietações.

Se frequentássemos a escola da leitura ao invés da escola da tevê, talvez tirássemos melhor proveito das histórias que elas lá nos contam para mediar os nossos conflitos de forma mais inteligente, evitando assim a estupidez das brigas, xingamentos e outros vexames tão comuns a nosso tempo.

Se experimentássemos por algum tempo a mudança de canal e explorássemos as possibilidades além daquelas habituais, talvez descobríssemos que há vida, além da mesmice.  

Se não nos desmemoriássemos com tanta facilidade, talvez fosse mais fácil perceber como evitar os erros. 

Se, se, se, se.....

Recear as leituras clássicas, estratégia moderna para formar leitores.

 Foto: André Kertész | Série On Reading
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Tenho observado alguns especialistas preocupados com o desinteresse dos alunos nas leituras escolares. Aqui está uma. Por ora nenhum dos seus argumentos me convencem. Apenas reforçam as opiniões que tenho sobre os clássicos. Eles são insubstituíveis. Inquieta-me sempre uma coisa nessas pesquisas. Observo que em quase todos os especialistas do assunto, a solução sugerida, é a mesma. Renunciar a tarefa de ensinar uma literatura reconhecidamente instigante e audaz, em favor de uma solução fácil: curvar-se aos interesses do mercado da indústria cultural que pautam os gostos e as leituras. 

Essa lição tem como efeito apenas tornar os professores sujeitos ao gosto médio. “Não existe nada pior do que o gosto médio” dizia Ariano Suassuna. Rebaixar a literatura com a intenção de a torna mais acessível ao público; essa ação não tem nada de educativa. Mas diz muito de nosso comportamento diante dos desafios. Além disso, ela subestima a capacidade do aluno, que talvez esteja apenas pouco estimulado, mas não desinteressado. Remover os obstáculos num passe de mágica e insinua que a tarefa de aprender não exige esforço, dedicação, empenho, luta com as palavras, como já dizia o poeta, é o mesmo que azeitar a engrenagem da aprendizagem com areia.

Outra coisa. O texto da professora parte de um pressuposto ilusório, (perdoe-me a pretensão, mas é assim, que por ora enxergo) de que os alunos estão cativados pelos livros da moda e não iludidos pelo gênio da publicidade que os mesmerizou. A sugestão da professor tem o efeito de criar um círculo vicioso em que esse tipo de literatura, chamado eufemisticamente de despretensiosa (de despretensiosa ela não tem absolutamente nada) vai pouco a pouco tangendo os grandes autores para o limbo das obras difíceis. De lá eles terão pouco a oferecer às gerações de leitores que desconhecerão as suas potencialidades transformadores.  

De ratoeiras e livros

Foto: André Kertész | Série On Reading
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Não gosto de parvoíces. Detesto ver gente se entregar a estupidez. Mas infelizmente é nisto que se dissolveu uma boa parte do público literário. Antes exigentes eles se tornaram, manipulados pelos médias, consumidores que respondem apenas às listas dos mais vendidos para determinar os seus próximos “melhores livros”. Um exemplo dessas patuscadas abunda nas prateleiras das livrarias, insinuando às donzelas os ritos de sadomasoquistas engravatados, coadjuvantes de Don Juan.

Minha aversão a todos esses destroços, intitulados de literários, se deve ao respeito que sinto dever a uma arte que é mais forte do que a própria realidade, porque é capaz, quando não está subordinada aos managers culturais, que reduzem a cultura a uma dimensão esvaziada de conteúdo, de impor-se nas consciências dos homens bem melhor do que qualquer panfleto político ou discurso filosófico.

Todavia, há quem pense que isto tudo é irrelevante. Basta, para muitos, um título figurar nas listas dos mais vendidas ou ser enfeixado por Hollywood em uma película, para aplacar as consciências de qualquer questionamento quanto as prováveis dúvidas sobre a qualidade estética de uma obra. O divertimento, o entretenimento, a linguagem simplificada, os discursos evasivos e superficiais, sobrepujou os critérios de criatividade, expressão e rigor literário nas qualificações de um livro. Em nome desses novos valores os leitores viram soterrados também qualquer possibilidade de uma arte questionadora e atenta ao mundo. A submissão do leitor as imposições dos gostos midiáticos é total.

Felizes os pequenos que leem livros

Ilustração: Gustave Doré 
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Para quem chega agora à vida e pouco ainda sabe das coisas, não existe melhor guia para descoberta do mundo do que um bom livro. Hoje, 2 de abril, celebra-se o Dia Internacional do Livro Infantil. Não dou a importância que os outros dão as efemérides. Dias disso, dias daquilo, são para mim, armadilhas para apanhar devotos consumidores, cumpridores do que acreditam ser os seus deveres; o de saírem às compras, sempre que o sino do templo anunciar uma oração especial ao santo do dia. Mas se descontarmos a veneração consumista no espírito das efemérides e atentarmos para o fato da celebração a um objeto tão importante como o livro tiraremos daí algum proveito. A leitura aproxima a criança e o jovem à vivências e saberes que expandirão sua visão de mundo para além dos horizontes cotidianos. O texto literário mobiliza a criança, através da descoberta de uma linguagem expressiva e inusitada a um mergulho no imaginário. A leitura abre caminhos, desperta paixões. O bom livro literário oferece ao pequeno leitor a possibilidade de satisfazer a sua criatividade pela experimentação de realidades fantásticas. O ilogismo aparece nos livros para suscitar o questionamento das aparências e só não se deixa conhecer àqueles que não sabem questionar. Enfim o livro infantil é uma ponte sempre aberta entre a criança e o mundo.  

Intermediárias retinas

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A realidade através de intermediárias retinas. Hoje a realidade só é plenamente vivida quando vista pelo visor de um celular, através de uma tevê ou sentida pela tela de um computador. A era das experiências parece suplantada pela era da virtualidade da vida. Não estranha pois que as relações sejam, pautadas nesses novos termos, tão fugazes. Só aquilo que é efêmero, transitório e pode ser facilmente desapercebido para dá lugar a outro, com aparência de sempre novo, tem sentido para o homem contemporâneo. 

Adeus Manoel de Oliveira (1908-2015)


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Saiu de cena hoje um dos maiores nomes do cinema mundial, o português Manoel de Oliveira (1908-2015). Filho de uma tradicional família portuguesa Manoel de Oliveira nasceu no tempo da Monarquia. Assistiu a mudança de rumos políticos de seu país para República, atravessou duas guerras mundiais, sobreviveu a ditaduras sanguinolentas, saudou a redemocratização de sua pátria e ainda testemunhou a queda do muro de Berlim. Depois de tudo isso, quis o destino que ele ainda assistisse outros tantos dramáticos conflitos que lhe afirmaram a permanência do mito bíblico da Torre Babel. Seu nome está inscrito entre os grandes realizadores de nosso tempo. Ele não foi apenas o mais importante cineasta de seu país, como afirmou a revista Cahiers du Cinéma, foi também, como vimos, o mais longevo. A esse último adjetivo ele atribuiu parte de sua admiração: "Penso que sou mais admirado pela minha idade do que pelos meus filmes". Uma blague. Em seus mais de cem anos de vida ele fez da arte cinematográfica a máquina relevadora de um mundo aquém daqueles que nossos sonhos projetam e além daqueles que a realidade imprimem. Apenas esse registro desmente qualquer insinuação de que sua longevidade tenha superado o seu talento atrás das câmeras. Mas se ainda restar qualquer dúvida ao incauto veja-se a propósito Um Filme Falado. Obra de 2003, nela está, em chave teatral, como era característica de seu modo de realização, inscrito um filme que celebra os melhores feitos humanos, sem esquecer as inconvenientes certezas de que há ainda, muito trabalho para realização de uma sociedade minimamente civilizada. Vai o mestre fica a obra. 

Herberto Helder (1930 - 2015)

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A poesia é certamente daquelas raras coisas humanas que nos conforta e nos protege das amostras de estupidez e loucuras que os dias nos trazem. Por isso é sempre triste saber que um desses abnegados desconstrutores de desenganos partiu. De regresso ao blog, depois de alguns dias ausentes dou com a triste notícia do passamento do poeta português Herberto Helder, ocorrida na última segunda-feira, 23. Para grande maioria dos brasileiros o nome de Herberto Helder, como de resto acontece com quase todos os nomes de poetas por aqui, é uma novidade, que somente a morte é capaz de arrancar do anonimato (ou talvez nem isso). O mesmo não acontece em seu país. Em Portugal Herberto Helder foi cultuado e admirado como o "maior poeta português da segunda metade do século XX". Isso tudo sem se deixar fotografar, sem dá entrevistas, e publicar em intervalos de anos longuíssimo. Como se vê ele não era dado a salamaleques. Sua entrega era à arte. Valendo-se apenas de sua inventividade poética que tinha entre outras qualidades precipitar o leitor em certas realidades suscitadoras de questionamentos das aparências, Helder construiu uma carreira poética “pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos”. Abaixo um dos poemas que mais recito do poeta, que morreu gregamente.  


Li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios

li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios,
quando alguém morria perguntavam apenas:
tinha paixão?
quando alguém morre também eu quero saber da qualidade da sua paixão:
se tinha paixão pelas coisas gerais,
água,
música,
pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos,
pelo corpo salvo dos seus precipícios com destino à glória,
paixão pela paixão,
tinha?
e então indago de mim se eu próprio tenho paixão,
se posso morrer gregamente,
que paixão?
os grandes animais selvagens extinguem-se na terra,
os grandes poemas desaparecem nas grandes línguas que desaparecem,
homens e mulheres perdem a aura
na usura,
na política,
no comércio,
na indústria,
dedos conexos, há dedos que se inspiram nos objectos à espera,
trémulos objectos entrando e saindo
dos dez tão poucos dedos para tantos
objectos do mundo
e o que há assim no mundo que responda à pergunta grega,
pode manter-se a paixão com fruta comida ainda viva,
e fazer depois com sal grosso uma canção curtida pelas cicatrizes,
palavra soprada a que forno com que fôlego,
que alguém perguntasse: tinha paixão?
afastem de mim a pimenta-do-reino, o gengibre, o cravo-da-índia,
ponham muito alto a música e que eu dance,
fluido, infindável,
apanhado por toda a luz antiga e moderna,
os cegos, os temperados, que não, que ao menos me encontrasse a paixão e eu me perdesse nela,
a paixão grega