"DE CAETITÉ PARA O MUNDO"

Waldick Soriano (na foto, em 1971) tinha ambições gigantes quando abandonou a roça, em 1958: "Para o mundo"

Teo Júnior, Aracaju

Ele tinha nome de dramaturgo grego, mas nasceu nas trincheiras da Bahia, pelas bandas de Caetité, em 1933. Eurípedes Waldick Soriano, quando completou 25 anos, em Brejinho das Ametistas, olhou pra cima, olhou para baixo e teve um estalo: "vou-me embora". Era o desejo de ir para uma cidade grande, uma civilização, alguma coisa nesse sentido, tentar a sorte. Afinal, Waldick não tinha nada a perder.
O curioso, nesses casos, é que a ânsia de deixar o grotão natal é tão grande, que a pessoa não pára para pensar nas necessidades futuras, longe de casa. Como vai comer, como vai morar, onde vai trabalhar, se encontrará amigos, essas coisas. O indivíduo quer mesmo é largar tudo, arrumar as malas e entregar para Deus.
Raul Seixas, um dia, depois ter "passado fome por dois anos", devia "agradecer ao Senhor por ter tido sucesso na vida como artista". No caso de Waldick, creio que não chegasse a tanto. Ele acalentava o desejo de ser ator (assitira, na adolescência, a muitos filmes em Caetité, ficou com a idéia na cabeça) ou cantor. Já em São Paulo, exerceu funções menores, como engraxate, ajudante de pedreiro (hoje existe essa categoria profissional? O pedreiro não dá conta do recado sizinho?), garçom, caminhoneiro, engraxate e o caralho a quatro. Durante dois anos, esperou a sorte artística chegar. E ela finalmente chegou. Em 1960, uma boa alma trafegava pela noite, onde Waldick batia ponto, e o levou para uma gravadora, onde assinou um contrato.
Durante muitos anos, Waldick obteve vendagens expressivas, mas ainda discriminado pela mídia --e nesse íterim, aparecia em programas populares (Ivan Lessa chamaria de "vagabundos") de televisão e era personagem constante de matérias de grandes revistas e jornais, como uma célebre entrevista dada, em 1975, ao pessoal do Pasquim. Ele aparecia, nessas reportagens, mais pelo estilo pessoal do que propriamente pelo repertório. Era o povo aplaudindo e a imprensa caindo de pau.
Waldick não era um cantor desprezível. Tinha uma voz bem timbranda e impunha uma presença destacada no palco. Seu repertório era um só: homem sofrendo por mulher. Casos de amor mal-resolvidos foram a grande faculdade de Waldick, que, pelo que me consta, não chegou a estudar. A isso, convencionou-se chamar de dor-de-cotovelo. Eu confesso que não sou fã de seu estilo nem de sua música, mas eu não posso fechar os olhos para ele. Ignorá-lo seria burrice de minha parte. O cara existiu, caramba! Ficou famoso, ganhou dinheiro, batalhou por uma carreira, recentemente gravou um cd e um dvd, direção de Patrícia Pillar. Suas canções mais lembradas são Eu não sou cachorro não, de 1972 (Vendeu mais do que Roberto Carlos, heim, gente?, dá título a um livro de Paulo César de Araújo, sobre o fenômeno da música brega brasileira, nos tempos da ditadura militar), Tortura de Amor e a inigualável A Dama de Vermelho, regravada por Bruno e Marrone.
Waldick era conhecido por sua calma tibetana, era tranquilo, um homem incapaz de uma grosseria. Além disso, era muito engraçado. Algumas tiradas suas são quase filosóficas, como, por exemplo, quando afirmou que "a mulher, quanto mais pobre, mais gostosa". Ele sabia do que estava falando, porque de mulher, de boemia, de serestas, ele entendia. Era um especialista no sentido mais amplo do termo. Nos bons tempos, pôs uma plaqueta no paletó onde se lia: "De Caetité para o mundo". Eu tinha vontade de perguntar a ele aonde ele queria chegar. Waldick Soriano estava para a música brega -- hoje com milhares de adeptos país afora -- como João Gilberto está para a Bossa Nova, porém o caetiteense sempre negou o estilo do qual era o papa. Ele jamais se assumiu como "brega", preferindo se considerar um cantor "romântico". E acabou.
Waldick Soriano teve um vidão. Não pôde reclamar. Estava se tratando há algumas semanas de um câncer de próstata -- que ninguém ficou sabendo -- e faleceu hoje, dia 4, no Rio, onde será enterrado no Cemitério S. Francisco Xavier, popular "Caju".
Como diria Nelsinho Motta, boa noite, Waldick Soriano.

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