ESSE BLOG VAI SAIR DE FÉRIAS HOJE E SÓ VOLTA... AINDA NÃO SABEMOS, MAS ESPERAMOS QUE O RETORNO SEJA BREVE. O NOSSO DESTINO É CRUZAR O ATLÂNTICO E ALCANÇAR O VELHO MUNDO. A TODOS DESSA NAU DOS INSENSATOS UM FELIZ NATAL ANTECIPADO E BOAS FESTAS.
4
de
dezembro
VIANA OUVE VOZES
Téo Júnior*
De
vez em quando, nós aqui do “Navegantes” temos a grata satisfação de encontrar por
aí esses quase deuses, porque, conforme assinalou Todorov, a literatura
confunde-se com a própria vida. “Deus foi o primeiro artista, e o mundo é seu
poema”, escreveu ele em A Literatura em Perigo. Partindo-se do
pressuposto de que a literatura, se não muda o mundo por si mesma, ajuda o
indivíduo a suportá-lo, é sempre muito agradável saber que esses grandes
criadores estão por aí, na planície – e não encastelados, como supúnhamos. Os
deuses, às vezes, descem do Olimpo para a superfície.
Nós,
desde sempre, temos muito apreço pelos escritores porque todos estamos carecas
de saber que escrever é uma arte que poucos possuem. Cansei de ouvir dizer que
“escrever é fácil”, “criticar é fácil”; na boca dos incautos, tudo é fácil.
Pois não é de jeito nenhum. Escrever é difícil. Requer tempo, paciência,
imaginação, talento, persistência, técnica.
Tive
o prazer de conhecer pessoalmente e conversar, embora por pouco tempo, com um
grande nome da literatura brasileira que é Viana, em Aracaju, onde ambos
moramos. Não se pode dizer que ele seja uma revelação, porque já escreve há 40
anos, mas ficou conhecido do grande público quando (re) publicou seus trabalhos
pela editora Companhia das Letras, talvez a maior do Brasil. Mas quem quiser
ofender gravemente Antonio Carlos Mangueira Viana diga que ele é
“regionalista”, pois esta classificação não se justifica, definitivamente. Ele
pode tanto falar do sertão sergipano cujo sol é de cozinhar os miolos, seu
personagem pode morar perto da praia no Rio de Janeiro ou ele pode até mesmo
narrar as agruras enfrentadas no frio parisiense. Quer em Sergipe, quer na
Europa, sejam ricos ou pobres, seus personagens sofrem, vivem experiências
dilacerantes, carregam consigo velhos fantasmas – e nós, concomitantemente, os
nossos. Nos contos de Viana, são ressaltadas tanto a alta cultura como a
miséria. Suas criaturas tanto podem ouvir Monlight
Serenade ou Waldik Soriano.
Alguns
contos são extraordinários e eu os recomendo. Em Aberto está o inferno, são imperdíveis “Batalha”, sobre um
irresponsável que engravidara uma empregada doméstica “desmiolada”, segunda a
própria ou “Doutora Eva”, que faz questão de ser juíza o dia todo, até mesmo no
banheiro. “Reverendíssimo Padre Diretor” é um justo, justíssimo acerto de
contas ente o oprimido e seu opressor.
Cine Privê, por sua vez, vale o conto
homônimo, sobre um infeliz derrotado pela existência, e o emprego que lhe
restou, foi o de limpar cabines de um cinema pornográfico. Vale conferir também
“Tia Darcy ouve vozes” e “Eliazar, Eliazar”.
O Meio do Mundo, sua estréia na
Companhia das Letras, traz contos monumentais, e talvez seja dos três o mais
aterrador e o meu preferido: “Meu Tio Tão Só”, “Dias de Jó” (ambos destacam a
solidão terrível) são indicados. Ao mesmo tempo, recordo-me de “Vá, Deralda!” –
o melhor conto que eu já li até hoje – e, por fim, o primoroso “Jardins
Suspensos”, incluído na seleção dos “100 Melhores Contos da Literatura
Brasileira do Século XX”.
Leiam
Antonio Carlos Viana, comprem seus livros, e preparem-se para sofrer. Penetrar
em sua obra é muito angustiante e ao mesmo tempo tão atraente quando subir numa
montanha russa. Sabe-se de antemão que será uma aventura incomum, mas
compensadora quando se chega ao fim e a máquina para.
A
autêntica literatura tem este poder: fazer com que nós não permaneçamos
indiferentes ante as barbaridades do mundo, cuja maldade estamos rodeados as 24
horas do dia. Viana é muito hábil para cumprir a função do escritor. Trata-se
alguém que sabe muito bem o que diz – e o diz maravilhosamente. Ele tem força
nos pulsos.
* Téo é crítico de Teatro do Jornal Cinform de Aracaju e colaborador esporádico do Navegantes.
* Téo é crítico de Teatro do Jornal Cinform de Aracaju e colaborador esporádico do Navegantes.
25
de
novembro
Diretor do espetáculo Baianidade Baiana comenta a crítica de Téo Júnior
Téo Júnior, jovem revelação da crítica de teatro, escreve ocasionalmente no blog "Navegantes ao Mar" e no jornal Cinform, de Aracaju. Suas publicações são quase sempre relacionadas ao teatro e, esporadicamente, de cultura de uma forma geral. O espetáculo Baianidade Baiana, ao passar por Caetité, foi vista por Téo e ele publicou sua análise aqui no blog. O diretor Alberto Damit, ao tomar conhecimento da crítica, escreveu a respeito. Como o objetivo da blog "Navegantes nao Mar" não é o de destacar uma opinião, apenas, como sendo a verdadeira, e sim fomentar as discussões, publicamos na íntegra o texto de Damit.
"Li com satisfação sua crítica a respeito de nosso Baianidade Baiana, acho importante e até nobre a discussão quando ele resulta de estudo ou até mesmo observação de uma obra artística. Acredito que o teatro tem este poder, fazer pensar e com isso melhorar nossas atitudes. Agradeço a atenção.
Porém acho necessário esclarecer algumas colocações sobre suas críticas:
Baianidade Baiana utiliza-se do Stand up e do besteirol para elucidar os devaneios preconceituosos de quem só conhece a Bahia pelo cartão postal. Durante quase dois anos, pesquisamos os motivos que fazem os turistas folclorizar e muitas vezes discriminar o jeito de ser de nos Baianos.
Somos uma Cia. que estuda o comportamento do preconceito, conhecemos bem sua manifestação. Fazemos teatro popular com o objetivo de atender a uma plateia que compreende e consome comédias, porém é comum encontrar resistência de uma pseudoelite que acredita que o teatro necessita ser construído a partir de modelos utrapassados, distanciado e sem a mácula do riso. Não é isso que achamos. A arte é diversa, assim como os gêneros do teatro, não se pode diminuir esta ou aquela manifestação artística que seja sustentada pela concordância do risos ou dos plausos, e não compreender esta tendência é quase um crime.
Me chamou atenção o fato de uma pessoa culta escrever que nosso tiíulo Baianidade Baiana é redundância. A Baianidade é presente em diversos lugares do Brasil, a Baianidade Baiana esta sim somente aqui.
Para lembrar: *Licença poética é uma incorreção de linguagem permitida na arte. Ela é permitida para que o escritor tenha toda a liberdade para manipular as palavras, para que ele possa passar tudo o que pensa ao leitor. Em sentido mais amplo, são opiniões, afirmações, teorias e situações que não seriam aceitáveis fora do campo da literatura.
*"Sistema de consulta interativa - Estadão", p. 171. Editora Klick. São Paulo (1995)
A respeito de sua comparação com A Praça é Nossa, ficamos lisonjeados uma vez que este programa sempre se destacou pela diversificação em seu humor. Nesses 24 anos, foram produzidos mais de mil programas inéditos. Sem contar que já desfilaram pelo banco da praça mais de 120 artistas, entre humoristas e comediantes, que protagonizaram o respeitável número de 250 personagens.
Baianidade Baiana obteve excelentes críticas em Minas e no Espírito Santos, e foi convidado para uma temporada de três meses no Teatro Candido Mendes em Ipanema no Rio de Janeiro em 2012.
Por fim achamos que diversidade nos seus aspectos mais amplos deveria ser exercitada como um todo pela sociedade e não apenas dentro da sala de aula ou num blog. A diversidade é um princípio humanista para conseguirmos construir um mundo onde possamos viver com mais respeito, compreensão e paz.
As pessoas com elevado grau de compreensão sobre a diversidade cultural, em geral têm comportamento mais tolerante e contribuem para menor ocorrência da violência e as manifestações racistas.
Devemos todos ajudar a construir um mundo com mais DIVERSIDADE.
Alberto Damit
Diretor do espetáculo
24
de
novembro
ESPETÁCULO DIVERTIDÍSSIMO ABORDA INFERNOS PARTICULARES
.
De fato, todos nós temos sérios problemas sexuais
Téo Júnior *
Se existe um
assunto que o teatro soube explorar à exaustão, com certeza é o sexo. Desde os
gregos (“Édipo-Rei”, por exemplo, realçou o incesto, terrível e chocante,
porque relacionado a um tabu social), passando pela crise e a monotonia do
casamento, onde os cônjuges, já saturados, cogitam sem qualquer disfarce até
mesmo o adultério – circunstância que Albee compôs como ninguém – até chegarmos
aos instintos mais baixos do ser humano – leia-se devassidão – verificados nos
textos de Genet e no universo quase sempre pantanoso de Nelson Rodrigues, com
as “bonitinhas, mas ordinárias” da vida.
Desde os tempos
inenarráveis de Calígula, até os dias que correm, a humanidade jamais parou de
fazer sexo – tanto para fins de procriação ou como um mero passatempo. “Senhor,
concedei-me a virtude da castidade – mas não agora!”, escreveu Santo Agostinho.
Em “Todo Mundo
tem Problemas Sexuais”, de Domingos Oliveira e Alberto Gondim, são abordados
esses infernos no tocante à intimidade das pessoas. E aí entramos num campo
minado – e sombrio, já que a sexualidade sempre acompanhou a vida dos indivíduos
considerados saudáveis, e cuja finalidade é proporcional prazer e bem-estar, mas
que acaba se convertendo num fardo. A lista é extensa e penosa: surgem o
fantasma da impotência, homossexualidade, traição, os encontros na internet que
quase sempre culminam em frustração, sexo grupal (sic!) e um repertório
enciclopédico de palavrões que faria a alegria de uma Dercy Gonçalves.
A peça resulta
interessante porque, dividida em 6 quadros, destaca situações que seriam
consideradas dramáticas numa primeira instância, para no palco elas se
transformarem em objeto de comicidade. Embora mergulhados em suplícios
aterradores, paradoxalmente manifesta-se nesse povo o desejo incontrolável de prosseguir
sua atividade (ou tara) sexual.
Em cena, apenas
uma cama por onde todos os personagens passam. Há tipos demasiadamente
pitorescos, como o baiano safado (Eduardo Albuquerque) da 1º. quadro que se
apaixonou pela colega farmacêutica (Mariana Moreno; não se sabe qual deles é o
pior) e uma protestante ninfomaníaca (Cida Oliveira) que teve a cara de pau de
trair o marido na própria casa, com o patrão dela, gordo e bêbado.
Não diria que o
espetáculo fora maravilhoso, não há a necessidade de exagerar, mas fora bem
trabalhado. Os textos ficaram claros e estabelecidos de modo cuidadoso; uma
produção caprichada, os atores estavam seguros de seus papéis e as soluções
dramatúrgicas para temas tão variados foram inteligentemente desenvolvidas. Em
suma, uma peça divertidíssima e muito responsável.
Mas, caminhando
para o final, o espetáculo desabou num precipício: eis que surge em cena,
inesperadamente, um sujeito trajando roupão e uma touca cor de rosa, de um
excepcional mau gosto, dizendo-se o personagem “mais importante” da história e
reivindicando o direito de “se manifestar”. Identificou-se como sendo o pênis.
(Ah, Meu Deus...). É impressionante o festival de besteira que assola o teatro
e que eu sou obrigado a aturar. Onde já se viu isso? Então, o órgão masculino
narra sua “via-crúcis” e, ironicamente, fora o quadro que mais agradou ao
público, a julgar pelas gargalhadas quase que histéricas que se ouvia. Num
determinado momento, ele admite que Fernando Gomes não soube como terminar a apresentação
e pediu que ele falasse o que quisesse. O recurso que os sábios de outrora
classificaram de “deus ex machina” pôde muito bem ter funcionado nas tragédias
gregas, mas em “Todo Mundo” foi sinceramente catastrófico.
Ora, se o
diretor não soube encerrar dignamente a peça, a incompetência é dele. Salvou-se,
além dos mencionados, o desempenho de Kadu Veiga e “Todo Mundo”, exibida no
feriado do dia 15 atingiu uma audiência que raras conseguem: todas as cadeiras do Teatro Tobias Barreto foram ocupadas. Durou
2 horas.
Publicado no jornal Cinform do dia 21/11/2011, pg. 5
22
de
novembro
"A pele que habito": um filme que merece ser visto
Téo Júnior*
Aracaju
O azul da camisa de Banderas dominando a tela, armas que cumprem sua função elementar: disparar, pessoas presas a cadeiras, muito sexo - como não? - e a discussão sobre os limites e a ambição de médicos que se pretendem revolucionários, ainda que atropelando qualquer espécie de ética. Até o mais incauto indivíduo, sem dificuldade, identificaria o criador desse enredo: Chama-se Pedro Almodóvar e o filme em questão é "A Pele que Habito" (La Piel que Habito, Espanha, 2011, R$ 18 o ingresso).
Resumindo: o filme que dura 2 horas possui o magnetismo e o vigor que faltaram ao último trabalho de Pedro, "Abraços Partidos". Porém, lá estão o suspense e o drama tão comuns no universo almodovariano, sobretudo verificadas em suas obras-primas. Não possuo competência pra fazer crítica de cinema, mas arrisco dar uma opinião enquanto fã do cineasta - o único diretor que acompanho a carreira mais detidamente. Diria que "A Pele que Habito" não seja a joia da coroa da filmografia e Pedro, isto é, não chega a ser uma obra genial, mas é um trabalho interessante.
Antonio Banderas, como sempre, surpreendendo numa atuação que assinala sua experiência e sua maturidade como o grande ator que é. Estranhei Marisa Paredes, quase que não a reconheci. Meu Pai Do Céu, como Marisa está velha! Por um momento, pensei se tratar da atriz Clayde Yáconis, já na casa dos 90. O filme , entretanto, decorridos 125 minutos, pareceu que ainda tinha muito a dizer. Há algumas referências ao Brasil, inclusive um dos personagens diz claramente: "Estava com saudade". Lembro que "saudade" é a única palavra que só existe na língua portuguesa.
É uma obra recomendável.
*Téo é o mais ilustre colaborador desse blog.
18
de
novembro
Os inconvenientes indispensáveis
Almada Negreiros (O prazer de ler)
.
O escritor Mario Quintana, mestre da literatura de miudezas, escreveu: "Há duas espécies de livros: uns que os leitores esgotam, outros que esgotam os leitores". Desconfio dos primeiros, por isso, prefiro os segundos. Por temperamento, tendo às leituras que desafiam os leitores. Nessas, seguramente, eu poderei encontrar o que falta naquelas; coragem em dizer algumas verdades incontornáveis. Nenhum livro, que recentemente saltou das listas dos mais vendidos ao colo dos leitores, foi capaz de contrariar as expectativas ou de frustrar os anseios dos seus leitores, que por isso, lhes são muito gratos. Os que esgotam os leitores não têm a mesma sorte, nem por isso estão desconfortáveis. Há desconforto maior, creio eu, em viver a pressentir e segregar os inconveniente e as desilusões do mundo, do que ter a sua certeza.
14
de
novembro
Pobre Europa
.(revoltas populares na Grécia)
Na eminência de um
colapso na economia da zona do euro, os lideres políticos, até aqui, não
conseguiram encontrar alternativa à crise, que não tenha que passar pela
socialização dos prejuízos cometidos pelos banqueiros e burocratas de plantão. Mais
uma vez a população terá que apertar o seu já asfixiante orçamento para
resgatar a máquina econômica do fundo do poço. As medidas de austeridades para
Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda e em breve Itália, punem quem não tem nada
haver com a delinquência financeira que graça no mundo capitalista. As
propostas de austeridade pesam, exclusivamente, sobre os ombros dos trabalhadores
e da população em geral. Entre as medidas, apontadas pelo FMI como única
solução para crise, estão: aumentos dos impostos, cortes nas despesas do
Estado, demissões em massa, aumento da jornada de trabalho e privatizações.
Medidas ainda mais estranguladoras foram ventiladas. Um duríssimo golpe
naqueles que têm que lidar diariamente com as incertezas da vida e um golpe
fatal naqueles que ainda nem começaram a lidar com elas. Em meio a todo esse
arrocho não se ouve noticias de que haverá diminuição do número de
parlamentares, redução dos salários dos políticos, fim dos privilégios aos
dirigentes, punição aos desastrados e gananciosos agentes financeiros que
manipulam a economia a seu bel-prazer e segundo os interesses das corporações
financeiras, que deram inicio a tudo isso. Os privilegiados continuam
intocáveis, a massa, chafurdando na lama. Dessa maneira, as propostas de austeridade
não são equilibradas na distribuição dos sacrifícios para salvar a economia do
maior bloco político do mundo; nem qualquer outro país que esteja em risco. A mim essas medidas, da forma que estão sendo
conduzidas, parecem mais uma extorsão. Em não sendo a população produtora, os
culpados desses maus feitos, que assolam as economias europeias, não tem razão
os governantes de mandarem a conta pra eles pagarem. Quem deve pagar pelo
delito, são os agentes financeiros, os especuladores, os mercados exploradores
e toda essa récua, que dirige sem nenhuma habilitação os interesses do povo. Como
tudo que está ruim, pode piorar, fala-se em reformas ainda mais profundas e vampirescas,
como se a população trabalhadora já não estivesse sendo severamente molestada
em seus direitos. Alguns políticos, aproveitando a ocasião em que estão sendo
discutidas (discutida é uma palavra estranha nesse contexto, o que estamos
vendo na verdade é um massacre contra os direitos democráticos) medidas para
contornar a crise, já pensam em incluírem no pacote de estupro aos trabalhadores, propostas que mexem com o tempo de contribuição
para aposentadoria. Uh! Espertos, não? Com as privações a que estão sendo
submetidos, os jovens europeus não precisarão se preocupar com a aposentadoria,
e sim em sobreviverem a essa tormenta financeira.
13
de
novembro
Ondjaki: a poesia da aprendizajem
.
Anarquizar as palavras.
Remodelar a língua entortando-a até o estado poético. Esse é o esforço
empregado por Ondjaki (1977), escritor angolano radicado no Brasil, em seu mais
novo trabalho, Há Prendisajens com o xão (o segredo Húmido da lesma & outras descoisas) livro que acabo de ler
com grande prazer. Nesse percurso de aprendizagens, Ondjaki procura desvendar
os segredos guardados pelas palavras e explorar todo o seu potencial poético. Recriando-as
anarquicamente, ele apanha as lições de Manoel de Barros de que a melhor maneira de poetizar as
palavras é adoecendo-as ou infringindo os códigos para renovar os sentidos e
revigora as palavras, vitimadas pelo engessamento das convenções. Os sinais dessas
prendisajens manoelinas estão por
todo o livro. As referências a Manoel de Barros vão desde as insistentes
imagens que privilegiam as insignificâncias do mundo: apetece-me des-ser-me;/reatribuir-me a átomo.... (CHÃO). Borboleta é um ser irrequieto./para vestes
usa pólen/ tem um cheiro colorido.... (PARA VIVENCIAR NADAS). Para acumular dores/o mais das vezes/
bastou um desamor. (QUE SABES TU DO ECO DO SILÊNCIO?); à linguagem perpassada
pela torção que lhes aniquila a alienação imposta pelo uso cotidiano: a despalavreação/ pode acrescer de uma vida...
ou ainda apetece-me chãonhe-ser-me....
Nas extraordinárias imagens que surgem desse exercício lúdico com as palavras
reside o maior encanto desse livro.
lágrima
é
uma sensação que escorrega.
mundo
está seco de coisas e trans-sensações
assim
a lágrima presta-se
a
desressequir o mundo.
(...)
(LÁGRIMA, GOTA, LÁGRIMA
OU: TODAS DESPEDIDAS DO MUNDO)
(...)
Solidão
é uma esteira
Onde
se evite cochilar.
(...)
(REENCONTRO COM GOTAS)
O
inchaço do coração
Facilita
o despalavrear.
A
liberdade pode advir
De
uma veia.
Com
sangue também
Se
reescreve a vida.
O
suicidado foi um apressado
Para
desconhecimentos.
(...)
(INSCRIÇÃO)
Ao implodir todo
formalismo, Ondjaki cria uma poesia marcada pelo insólito onde a violação das
convenções linguísticas, descondicionam o olhar do leitor, abrindo-o à novas e
impressionantes visões sobre o mundo. Ondjaki diverte-se com as palavras, e
diverte ainda mais o leitor, criando mundos fabulosos onde os limites para
fantasia e à criatividade simplesmente se recusam em existir. A obediência às normas e às convenções são coisas incompatíveis com a poesia desse angolano de temperamento brasileiro.
3
de
novembro
Desajuizado
.
À vista, pois, dos maiores argumentos, nenhum político brasileiro cede à verdade e se rende à moralidade. A vaidade, a imoralidade e a tentação pelo dinheiro fácil, são coisas que não se arrancam a força dos argumentos e dos apelos populares. Antes, infiltra-se no mais fundo da alma desses homens onde esquivasse dos golpes da opinião popular, da justiça e dos interesses coletivos, fazendo morada perpetua. Os maus costumes são uma tradição dos homens da política nacional. Tenho, porém, malgrado todas as opiniões em contrário, esperanças de que um dia ainda responderemos aos achaques políticos com a coragem que hoje nos falta. Até lá Tiriricas, Arrudas, Rorizes, Godoys, Caraíbas e outras excelências, continuarão desmentindo minha boa vontade e fazendo de minhas opiniões futuras um desplante.
29
de
outubro
Autocomiseração
Um passeio pelas redes sociais,
esse intrépido passatempo moderno, e logo me deparo pensando em como as pessoas
andam modestas. Em todos os lugares das redes elas se confessam a todo
instante, politicamente desinteressadas, inteligentemente deficientes, indignas
ou incapazes de realizarem qualquer coisa. Ninguém crê ou tem convicção de nada,
a não ser de sua própria imperfeição. Elas se vêem sempre como mutiladas. Frases
como: “o primeiro desejo da inteligência é desconfiar dela mesma” ou “é preciso
coragem para ser imperfeito”, seguido, do clichê socrático, “só sei que nada
sei” e “preferia ser um burro para não sofrer tanto”, entulham os perfis ou se
somam às mensagens diárias que as pessoas enviam umas às outras. Ninguém quer
parecer auto-suficiente. Nos dias atuais isso soa indigno. Vai daí que as
coisas andem tão pantanosas como estão. Ninguém tem a mínima convicção de nada.
Andam todos em círculos esperando a voz de um líder que os indique o caminho.
Com tantas trilhas abertas eu me pergunto o que estão todos ainda esperando
para se enfurnarem em uma delas. Sigam as picadas ou desbravem rotas
alternativas. Parem de ler manuais de auto-ajuda.
16
de
outubro
Hora da virada
.
Multiplicam-se pelo
mundo os sinais de que uma virada está por vir. Será? As recentes insurgências
no mundo árabe despertaram também as jovens consciências ocidentais contra os
seus tiranos? Os gritos de liberdade empoeirados, ecoaram tão alto e tão longe,
ao ponto de aterrissarem às Puerta del Sol em Madri, passando pelo coração da
máquina econômica mundial e daí para outros inesperados lugares? A julgar pela
disposição dos jovens ocupantes das praças e ruas pelo mundo, não resta dúvida
que essa virada não tarda. As manifestações que eclodem contra o sistema,
provam que as alternativas políticas e econômicas até aqui ofertadas, não
serviram para alterar em nada a rota da exclusão e opressão que por séculos
escravizam alguns homens em beneficio de outros.
12
de
outubro
A moral duvidosa
Te enganei de novo
.
Os Estados Unidos
anunciaram ontem terça-feira (11) que o serviço secreto (esse mesmo serviço
secreto, que não foi capaz de prever o atentado de 11 de setembro, acusou o Irã
injustamente de está envolvido com o atentado da Panam em 1988; financiou
regimes ditatoriais em toda America latrina; armou e formou o talibã no Afeganistão, etc...) desmantelou
um atentado terrorista que tinha como alvo o embaixador Saudita em Washington Adel
al-Jubeir e missões de Riad e Tel Avid em Buenos Aires. O secretário de Justiça
dos EUA, Eric Holder e o diretor do FBI, Robert Mueller acusaram o governo de
Teerã de tramar os atentados contra um dos maiores aliados dos EUA no Oriente
Médio. A se confirmar as acusações o presidente Marmud Armadinejad, que não é
nenhum santo, terá muitos problemas. Porém,
nem tudo que vem de Washington é digno de fé. Na luta suja pela hegemonia do mundo
os EUA já foram capazes de forjar histórias bem mais cabeludas do que essa que
a imprensa do mundo inteiro vem reportando. Casos recentes envolvendo esse
mesmo serviço secreto deixam dúvidas sobre a autenticidade da história. Em 2003,
logo após os atentados de 11 de setembro, a CIA afirmou que havia armas de
destruição em massa no Iraque. Essa informação motivou a invasão do país de
Saddam. Porém, até aqui, nada foi encontrado. Talvez elas ainda estejam lá,
quem sabe? Com a alta tecnologia que o regime do ditador iraquiano desenvolveu
em anos no poder, ele foi bem capaz não só de desenvolver armas nucleares como
também de afastá-las do alcance do Tio Sam. Com essa vergonhosa mentira os EUA
inauguraram uma página na história em que lideres de grandes nações subvertem a
moralidade para satisfazerem os seus interesses. Não seria surpresa nenhuma
agora que os americanos usassem mais uma vez a sua arma mais eficaz, a
propaganda do medo, para agredir o inimigo que insiste em não se dobrar aos
grunhidos do cão feroz. Quem nos garante
que os americanos não estariam mais uma vez forjando informações para
justificar mais uma barbárie?
A moral duvidosa de
Washington nos deixa a todos reticentes com as noticias.
10
de
outubro
Ainda sobre a memória
“Em nossos livros de
leitura havia a parábola de um velho que no momento da morte revela a seus
filhos a existência de um tesouro enterrado em seus vinhedos. Os filhos cavam,
mas não descobrem qualquer vestígio do tesouro. Com a chegada do outono, as
vinhas produzem mais que qualquer outra na região. Só então compreenderam que o
pai lhes havia transmitido uma certa experiência: a felicidade não está no
ouro, mas no trabalho. Tais experiências nos foram transmitidas, de modo
benevolente ou ameaçador, à medida que crescíamos: “Ele é muito jovem, em breve
poderá compreender”. Ou: “Um dia ainda compreenderá”. Sabia-se exatamente o
significado da experiência: ela sempre fora comunicada aos jovens. De forma
concisa, com a autoridade da velhice, em provérbios; de forma prolixa, com a
sua loquacidade, em histórias; muitas vezes como narrativas de países
longínquos, diante da lareira, contadas a pais e netos. Que foi feito de tudo
isso? Quem encontra ainda pessoas que saibam contar histórias como elas devem
ser contadas? Que moribundos dizem hoje palavras tão duráveis que possam ser
transmitidas como um anel, de geração em geração? Quem é ajudado, hoje, por um
provérbio oportuno? Quem tentará, sequer, lidar com a juventude invocando sua
experiência?”
Walter Benjamin –
Experiência e Pobreza – 1933
8
de
outubro
Memória ameaçada
Vista aérea de Caetité
.
A cidade se modifica
numa velocidade incrível. Em quase 10 anos morando em Caetité eu não pude
deixar de perceber a furiosa transformação urbana dos últimos tempos. Por todos
os lados, crescem arranha-céus. Novos bairros e centros comerciais assentam
onde antes havia pequenas moradias familiares ou mesmo um descampado. Não
bastasse somente alargar-se até onde as vistas não alcançam os imóveis mais bem
situados também são alvo da cobiça e da especulação. De olho em espaços sempre
novos a sanha imobiliária põe abaixo todos os inconvenientes e se sobrepõe a
memória, a história e ao registro de tempos de antanho. Com espaços cada vez mais disputados e valorizados, os velhos
casarões, relíquias de outras épocas, sofrem com a cobiça desenfreada por
espaços privilegiados na cidade. Com a desculpa de que são dispendiosos e
inúteis, economicamente, pouco a pouco eles têm vindo abaixo, seja pelo
abandono dos proprietários ou pelo descaso das autoridades públicas que fazem
vistas grossas ao desmonte do patrimônio. “Não
adianta reclamar contra a transformação grosseira e desnecessária da fisionomia
da cidade – da nossa cidade -, os poderes são surdos pensando que são sábios”,
escreveu Carlos Drummond de Andrade a propósito das insistentes intervenções
urbanísticas no Rio de Janeiro que desapareceram com incontáveis igrejas na
década de 40. “Para que passasse a
grandiosa Avenida Presidente Vargas, primeiro derrubaram a igreja da Imaculada
Conceição e a de São Domingos... depois, pouco adiante, outras duas velhas
igrejas desapareceram, vítimas dum vandalismo que poderia ser evitado: a de São
Pedro Apóstolo, redondinha, com paredes largas de dois metros, argamassadas a
óleo de baleia, e a do Bom Jesus do Calvário, duas vezes secular e que muito
aparece nas Memórias de um sargento de milícias.” Não consta que Drummond
fosse nenhum crente, mas isso nunca foi empecilho à sua sensibilidade. Nesses
tempos de ares tão poluídos valeria a pena subordinar o avanço do cimento à
preservação da memória? Alguns destemidos resistem aos constantes e insistentes
assédios dos novos empreendimentos, sem abdicar das transformações impostas
pelo tempo. “Venham as torres
residenciais ou hoteleiras e que sejam belas e altas e coloridas, levantadas
com os mais sensacionais e variados materiais que a indústria inventa no seu
incansável evoluir. Mas que não lembrem, nem de longe, aquela outra tão citada,
a de Babel – para que possamos, continuar a falar a mesma linguagem de
entendimento e solidariedade que é o melhor alicerce para a edificação de uma
vida comunitária ideal.”
7
de
outubro
A paleta de Juan Miró
O pintor catalão Juan Miró é classificado como
Surrealista. Porém, em comparação com os seus pares, Salvador Dali, René
Magritte e Marx Ernest, que nunca deixaram totalmente a arte figurativa, Miró
parece marcar uma cissão. Cissão que, se não o distancia dessa corrente
vanguardista de todo, distingue suas obras dos demais. Ele radicalizou sua
paleta ao construir um universo de seres disformes, retorcidos no tempo e no
espaço que destoam da tradição de seus antecessores.
Os traços inquietantes que molduram os quadros de
Juan Miró (1893-1983) estão quase sempre associados aos desenhos infantis, aos
sonhos ou mesmo as fantasias mirabolantes de uma mente caprichosa, capaz de
fabular mundos cujos limites são indeterminados. Miró é um provocador. Seu
pincel produziu em mais de 50 anos de atividade, um universo incomum e
extraordinariamente original, inteiramente refratário a lógica convencional das
classificações e das definições enclausurantes. As intrincadas formas que dominam o espaço infinito
da pintura de Miró se divertem indiferentes aos olhares dos que tentam
organizar a pintura, na busca de uma razão de sua existência.
Diante de quadros tão enigmáticos como, Pintura,
Hombre y mujer ante un montón de excrementos,
El
Galo ou El carnaval del
Alerquín, só para ficar com alguns exemplos, o
espectador fica tentado ao exercício de classificação. No entanto, estou
convencido de que sua obra dispensa essa operação catalográfica, na medida em
que toda e qualquer classificação, atribuída a ele, ao invés de esclarecer os
sentidos de sua arte, produz na verdade, um reducionismo patético, que em nada
dignifica o trabalho daquele que desde sempre se tornou inclassificável.
El carnaval de Arlequín - 1924-1925 (aqui)
Miró é o artista por excelência. Seu gênio que não
aceita classificação, também renega os princípios da composição consagrada pela
tradição Renascentista, que por muitos séculos dominou a arte no Ocidente. Ao lado de Pablo Picasso, Braque, Marx Ernest
e outros, ele aboliu a perspectiva, a proporção e fundou uma linguagem própria,
facilmente identificável com suas convicções artísticas, que tinha como única
proposição, a livre expressão. Não se confunda aqui livre expressão, com aquela
noção dominante nas artes contemporâneas, que abusa do sentido da liberdade
conquistada pelo artista moderno, somente para, disfarçar sua canastrice e falta
de sensibilidade diante do fenômeno artístico.
João Cabral de Melo Neto que foi seu amigo e
escreveu sobre ele um ensaio, intitulado Juan
Miró, num dos períodos mais duros da ditadura de Franco, disse dele: “A obra de Miró é, essencialmente, uma luta
para devolver ao pintor uma liberdade de composição há muito tempo perdida. Não
uma liberdade absoluta, nem uma angélica liberação de qualquer imposição da
realidade ou da necessidade de um sistema para abordar a realidade. É sim, uma
luta por libertar o pintor de um sistema determinado, de uma arquitetura que
limita os movimentos da pintura.”[1]. Parece
ser justamente contra os limites como concluir João Cabral - da composição e
por extensão das intenções - que se revoltou o pincel de Juan Miró.
Autoretrato (Aqui) |
Nele, tempo, forma e espaço foram inteiramente distorcidos criando com isso, um universo particular, habitado por seres que compartilham, com os traços primitivos, semelhança inconteste. Miró é todo intuição. Seu trabalho artístico funde imagens insólitas numa articulação que ressalta uma identidade nova aos elementos díspares, que compõem o quadro. Daí sua associação com a atmosfera onírica própria dos Surrealistas. Porém, Miró vai mais longe. O alegre colorido que emana de algumas de suas telas, revelam um mundo em que as limitações das formas, a plasticidade dos objetos, pertencem a um universo extra-artístico, portanto, estranho a pintura desse catalão, que deu ao imponderável a sensibilidade mais comovente.
[1] O
ensaio encontra-se publicado nas Obras Completas de João Cabral de Melo Neto,
editado pela Nova Aguilar, 1994. p. 719.
5
de
outubro
A poesia de Affonso Romano de Sant´anna
Imagem tirada daqui
.
O teórico, jornalista, crítico, cronista, poeta e professor Affonso Romano de Sant´anna resolveu a muito tempo encarar o seu oficio (ou melhor, ofícios) de forma insolente. Ele prefere a vida com riscos. E se tornou um risco, e todos nós sabemos bem disso, recusar a indiferença como modo de vida. À cordialidade do senso comum ele interpôs a autonomia de um espírito crítico e fecundo. Sua crença, fundado na ideia de que a cultura liberta o homem da ignorância, tem raízes em autores como Paul Valery, que como Romano de Sant´anna acredita que “o leão é a soma dos cordeiros assimilados”. Em seu mais novo livro de poesia, Sísifo desce a montanha, lançado essa semana na Livraria Cultura em São Paulo, pincei um dos poemas que refletem o caráter desse homem-poeta.
Erguer a cabeça acima do rebanho
é um risco
que alguns insolentes correm.
Mais fácil e costumeiro
seria olhar para as gramíneas
como a habitudinária manada.
Mas alguns erguem a cabeça
olham em torno
e percebem de onde vem o lobo.
O rebanho depende de um olhar
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Politicamente Incorreto
4
de
outubro
Recado íntimo
Ele é um
prisioneiro de si mesmo. Somente pode soltar seu belo canto de cadeia...somente
ele pode liberar-se de si mesmo e perder-se num presente eterno, sem tempo. Mas
fale para ele não relaxar e lembrar sempre da água de Heráclito, ora num leito
calmo, ora descendo uma cascata, ora evaporando-se num espaço infinito... AME O
PRESENTE, GRITE AO MUNDO, em silencio! Un abbraccio.
Roberto Bolaño e a nova literatura latino-americana
.
Na década de sessenta a
literatura latino-americana, em todos os seus quadrantes, viveu um período de
grande produção literária e súbito reconhecimento internacional, tanto da
crítica especialização como do público.
Foram importantes para
esse reconhecimento nomes com do argentino Julio Cortázar, do colombiano
Gabriel Garcia Marques, esse último ganhador do prêmio Nobel de Literatura em
1989; os mexicanos Carlos Fuentes, Juan Rulfo e Octávio Paz também premiado
como o Nobel, além do peruano Mario Vargas Llosa - Nobel de 2011 - e de alguns
outros.
Também nessa mesma
década, figuras da envergadura do argentino Jorge Luis Borges e do cubano Alejo
Carpentier, gênios do realismo fantástico e do realismo mágico, respectivamente,
voltam a serem alvos do interesse público e completam e cenário de mestres que
emolduraram para sempre, um quadro da literatura latina, que nunca mais saiu de
exposição.
Foi durante esse
período ainda que a América Latina tornou-se pela primeira vez em sua história
uma exportadora de produtos culturais, em uma inversão radical dos pólos de
produção artística que dominava o mundo. O ponto alto dessa reviravolta culminou
com a outorga do Prêmio Nobel de Literatura ao guatemalteco Miguel Angel
Astúrias em 1967.
Grosso modo, o que
caracterizava a literatura desses autores, escusadas as muitas discussões sobre
o assunto, quase nunca resolvido, são: o gosto pela experimentação formal, e um
apurado senso crítico de suas origens históricas. Para isso, eles revisaram
técnicas provenientes do Surrealismo e da literatura estadunidense do século XX,
especialmente a do escritor William Faulkner. Influências que desaguaram no
chamado realismo mágico e na literatura fantástica.
Tão súbito quanto o
surgimento daqueles notáveis escritores para literatura latino-americana, foi o
desaparecimento precoce, nos anos seguintes, do interesse do público pelos
novos autores que sucederam aqueles precursores.
Todavia, esse hiato de
paixões, entre público e autor, que durou uns bons anos, parece ter sido
inteiramente interrompido com o surgimento no apagar das luzes do século XX, do
escritor chileno Roberto Bolaño.
Abdicando do projeto revisionista
da história latina, Bolaño parte em suas obras (formada basicamente por poemas,
contos e romances) pelas trilhas abertas pelo argentino Jorge Luis Borges, para
quem a literatura, se confundia com um labirinto, cheia de possibilidades
formais e temáticas. Seu universo é povoado por escritores, viajantes e
aventureiros urbanos, sempre em busca de alguma coisa. Nessa viagem ele nos
leva rumo a histórias em que putas assassinas, detetives selvagens e nazis,
além de escritores, professores, baderneiros e outros, se confundem a turba
simiesca que povoa a fauna; que alguns insistem em chamarem de vida contemporânea.
Bolaño foi autor de uma
obra consagrada dentro e fora do mundo latino. Sozinho ele resgatou o interesse
do público pelos novos talentos latino-americanos, revigorando assim uma
tradição que ainda tem muita tinta para gastar. Infelizmente ele não poderá
mais gastar essas tintas. Sua obra teve um ponto final em 2003 quando ele foi
vencido pela pancreatite.
3
de
outubro
1000 frames de Hitchcock
Um ambicioso projeto disponível (aqui) distribui ao
público interessado 1000 frames de 52 filmes (originais e refilmagens) do
mestre do suspense Alfred Hitchcock. É possível acompanhar quadro a quadro as
melhores cenas desse vibrante cineasta, que transformou as salas de cinema num
palco onde desfilavam um universo de sensações. Escolhi, para ilustrar esse
post, a famosa perseguição sofrida pelo personagem de Cary Grant no filme Intriga
Internacional, 1959. Estão faltando alguns frames que intensificariam o pânico
do personagem, como aquele em que o avião bafeja bem pertinho do cangote do
personagem enquanto ele se esquiva pelo milharal. Mesmo assim vale a pena
bisbilhotar o site. Outra informação digna de nota é que essa cena foi
reproduzida pelo diretor Anthony Minghella no filme O Paciente Inglês, 1996.
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