LIÇÃO DE POESIA



Os textos a seguir são de dois dos mais notáveis poetas e críticos literários do século XX. A leitura desses serviu-me de parâmetros para compreensão e entendimento do caráter poético. O primeiro dos textos é de Mário de Andrade, que ajudou a definir os rumos de uma geração, quando ao lado de Oswald de Andrade, deflagrou o movimento Modernista em 22, dando novos contornos e dimensões à literatura e aos comportamentos artísticos do Brasil na década de 20. O segundo é de Ezra Pound, que pode ser sem embargo considerado um dos expoentes da poesia do século passado. Um e outro tinham em comum, além da inquietação e o viço artístico, a preocupação com o desenvolvimento da arte da escrita e pretenderam, como se verá, ajudar futuras gerações. Os excertos foram extraídos, respectivamente, dos livros, Aspectos da Literatura Brasileira e A arte da Poesia.


“O ano de 1930 fica certamente assinalado na poesia brasileira pelo aparecimento de quatro livros: Alguma Poesia, de Carlos Drummond de Andrade; Libertinagem, de Manuel Bandeira; Pássaro Cego, de Augusto Frederico Schmidt e Poemas, de Murilo Mendes. Todos são poetas feitos, e embora dois deles só apareçam agora com seus primeiros volumes, desde muito que podiam ser poetas de livro. Mas quiseram escapar dos desastres quase sempre fatais da juventude. Se fizeram e fazem versos não é mais porque sejam moços, mas porque são poetas.

Essa me parece uma das lições literárias do ano. Quatro livros de poetas na força do homem. Acabaram as inconveniências da aurora. A poesia brasileira muito que tem sofrido destas inconveniências, principalmente a contemporânea, em que a licença de não metrificar botou muita gente imaginando que ninguém carece de ter ritmo mais e basta ajuntar frases fantasiosamente enfileiradas pra fazer verso-livre. Os moços se aproveitaram dessa facilidade aparente, que de fato era uma dificuldade a mais, pois, desprovido o poema dos encantos exteriores de metro e rima, ficava apenas... o talento. E já espanta, um bocado dolorosamente, esse monturinho sapeca de livros de moços, coisa inútil, rostos mais ou menos corados, excessiva promessa, resumindo: bambochata que não resiste à primeira varredura do tempo.

Devia ser proibido por lei indivíduo menor de idade, quero dizer, sem pelo menos 25 anos, publicar livro de versos. A poesia é um grande mal humano. Ela só tem direito de existir como fatalidade que é, mas esta fatalidade apenas se prova a si mesma depois de passadas as inconveniências da aurora.(...)”

ANDRADE, Mario de. Aspectos da literatura brasileira. São Paulo: Martins, 1967, p. 27-28.


“Não use palavras supérfluas, nem adjetivos que nada revelam. Não use expressões como dim lands of peace (brumosas terras de paz). Isso obscurece a imagem. Mistura o abstrato com o concreto.Provém do fato de não compreender o escritor que o objeto natural constitui sempre o símbolo adequado.

Receie as abstrações. Não reproduza em versos medíocres o que já foi dito em boa prosa. Não imagine que uma pessoa inteligente se deixará iludir se você tentar esquivar-se obstáculo da indescritivelmente difícil arte da boa prosa subdividindo sua composição em linhas mais ou menos longas. O que cansa os entendidos de hoje cansará o público de amanhã.

Não imagine que a arte poética seja mais simples que a arte da música, ou que você poderá satisfazer aos entendidos antes de haver consagrado à arte do verso uma soma de esforços pelo menos equivalente aos dedicados à arte da música por um professor comum de piano.

Deixe-se influenciar pelo maior número possível de grandes artistas, mas tenha a honestidade de reconhecer sua dívida, ou de procurar disfarçá-la.

Não permita que a palavra “influência” signifique apenas que você imita um vocabulário decorativo, peculiar a um ou dois poetas que por acaso admire. Um correspondente de guerra turco foi surpreendido há pouco se referindo tolamente em suas mensagens a colinas “cinzentas como pombas”, ou então “lívidas como pérolas”, não consigo lembrar-me. Ou use o bom ornamento, ou não use nenhum”.

POUND,Ezra. Arte da Poesia, Ensaios. Tradução de Heloysa de Lima Dantas e Paulo Paz. São Paulo: ed. Cultrix, 1976, p.11-12.

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